terça-feira, 7 de outubro de 2014

Secret Admirer: 2x1 – PUMPKIN



2x1 – PUMPKIN
Toca a música Mad About You da banda Hooverphonic.
Las Vegas, Outubro de 2013.
            Seu quarto parecia mais solitário naquele dia. O copo de conhaque não conseguia esquentá-la, assim como não a fazia esquecer-se daquele pavoroso dia. Estava tudo ficando embaçado diante dos seus olhos, pois não era a primeira gota de álcool que ela colocara na boca naquele instante. Vinha bebendo insistentemente depois de ver, em sua velha TV, no seu quarto imundo cujo era seu esconderijo secreto, ele, o homem que ela queria ver na cova ou ser enterrada junto a ele: o agente do FBI Nicholas Collins.
            Ele não era mais agente; recebera, naquele dia, o título de secretário de segurança dos Estados Unidos da América. Era um dia feliz, saíra nos jornais e na TV. Nick Collins estava sendo prestigiado e, mesmo depois de tantos anos, Jacqueline sentia a inveja tocar seu coração e esquentá-lo. “Eu deveria estar ali. Eu era a melhor agente do FBI, mas Tyler, Cindy, Nick e toda a corja de baba ovos filhas da puta me impediram disso”, pensava Jacqueline, segurando com todas as suas forças o copo de conhaque. Ele trincou, quebrou e o vidro vagabundo furou sua mão. O sangue vermelho e quente de ódio e inveja de Jacqueline Adams tomava de conta daquele colchão, que um dia fora branco.
            O jornal mostrava em primeira mão uma entrevista com Nick Collins. Na foto estava ele, sua esposa Cindy Crawford e o filho do casal, Benjamin, de oito anos. Em outra foto, Nick apertava a mão do presidente.
            — Sim, Nick. Sim! Eu te amava... ao mesmo tempo em que almejava a sua inteligência, sorte e a sua posição no FBI. Tudo se desfez... menos a sua vida. Isso não é justo. — os olhos de Jacqueline Adams marejavam, talvez por arrependimento ou ainda pela inveja. Era tarde demais para qualquer ato de restauração.
            Jacqueline Adams usou a edição do The New York Times daquele dia para estancar o sangue que saía do ferimento de sua mão esquerda.
            Fora um dia cansativo. Nick pôs a cabeça no travesseiro e esperou sua esposa Cindy, que estava colocando Benjamin para dormir, entrar no quarto. Sentia-se um novo homem, mais realizado, feliz. Estava casado com uma bela mulher, tinha um filho inteligente e agora fazia parte da vida política do país, num posto cobiçado por muitos e alcançado por poucos.
            Mesmo após tanto tempo, contudo, Nick, ao fechar os olhos, recordava nitidamente o dia do incêndio em que ele quase perdera a vida e viu a vida de Jacqueline Adams, sua admiradora secreta, acabar. Seu corpo nunca foi achado. Suspeitavam de que a médica legista havia virado cinzas, fazendo o trabalho do FBI ser impossível. “Nenhum osso, nenhum pedaço de carne. Estranho”, sempre pensava Nicholas antes de dormir ou até mesmo, às vezes, ao fazer amor com sua esposa.
            — Terra chamando Nick! Ou melhor: o mais novo secretário de segurança pública dos Estados Unidos! — disse Cindy. Uma camisola branca cobria seu corpo negro, escultural. Nick a beijou, dominando-a e colocando o corpo dela abaixo do seu.
            — Devo tudo a você, minha Cindy. A você, e ao nosso querido Benjamin.
            — Você me dá orgulho. Bendita a hora em que você me usou para uma investigação, lembra? —Cindy sorriu.
            Ele respondeu à mulher com um ardente beijo. Nick gostava de beijar Cindy com os olhos fechados, todavia, naquela ocasião, ele os abriu. Não era mais Cindy que estava lá: era Jacqueline. O rosto dela parecia derreter, como no dia do incêndio. Ela pronunciava as mesmas últimas palavras antes de sua suposta morte: “EU SEMPRE TE AMEI”. Na verdade, era Cindy que gemia de prazer. Ela notou que seu marido estava em outro mundo, fingiu um orgasmo e virou-se na cama.
ރ
Toca a música Heart of Gold, de Johnny Cash.
            Os dias foram se passando e chegara finalmente o Halloween. Benjamin Collins queria sair e pedir doces, como fez nos últimos poucos anos de sua vida. O garoto, fantasiado de vampiro, estava sentado no banco do jardim de sua casa, esperando o pai, Nick, que prometera chegar cedo do trabalho para sair com ele, já que Cindy, sua mãe, ficaria de plantão no FBI, onde trabalhava como investigadora.
            As babás e as demais empregadas estavam ocupadas fazendo um verdadeiro banquete para o jantar e preparando os doces para as crianças que tão logo estariam à porta do casarão propondo “gostosuras ou travessuras”.
            Passaram-se uma, duas, duas horas e meia após o horário prometido por Nick. “Papai não vem”, pensava Benjamin. O menino desejava acima de tudo sair e mostrar às outras crianças do bairro o quão sua fantasia de vampiro era especial. “Irei sozinho”.
            Estava tocando um CD de Johnny Cash num carro, talvez bem longe, mas alto o suficiente para Benjamin cantar enquanto andava pelo jardim em direção ao portão de saída da casa. A música, Heart of Gold, era familiar ao garoto, pois seu pai sempre cantava para ele dormir.
            Saiu da casa, cruzando o portão e ninguém o viu. Benjamin continuava seguindo a música, levando consigo a abóbora onde colocaria os doces que pediria. O carro estava parado em frente à sua casa. Não era o de seu pai, mas bateria no vidro mesmo assim, tinha esperanças de que fosse ele mesmo.
          Seus cabelos loiros enrolados voavam contra o vento, assim como a capa da fantasia. Bateu finalmente no vidro do carro e a porta abriu. Uma mulher, com metade da face deformada saiu de lá e sorriu para o pequeno Benjamin.
            — Olá. Sou uma antiga amiga do seu pai. Vamos sair, pedir doces? Tenho certeza de que ele não ficará bravo. Me chame de Jacqueline.

            A abóbora caiu no chão e o carro deu partida.