Quarto mês de gestação. Dezembro de 2011
PALAVRAS DE LARA PACHECO
Esconder a gravidez ficava mais difícil a medida que
o tempo passava. Eu era uma prisioneira, isolada do mundo, sem amigos, sem ter
como contar com ninguém. Pelas minhas contas, já estava no quarto mês de
gravidez e sabia que estava correndo riscos, pois eu não estava tendo nenhum
cuidado pré-natal com o bebê.
Contudo, faltava cerca de três meses para o meu
aniversário e eu jurei para mim mesma, em nome da criança que eu esperava que
assim que eu completasse meus dezoito anos eu colocaria os pés para fora daquele
lugar e nunca mais voltaria.
Estava decidida a procurar a ajuda de meus amigos e
lhes contar tudo o que aconteceu.
Principalmente falar a Márcio QI que, naquele dia,
fui obrigada a mentir e magoá-lo.
☺
PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI
Falaram que em 2012 o mundo iria acabar. Estava
esperando que as ondas, que os terremotos, que os vulcões, ou que uma explosão
súbita acabasse com o planeta e que assim eu pudesse morrer logo.
Depois pensei não estar sendo
mesquinho e egoísta. E, claro, acreditando numa coisa impossível.
O meu problema era ainda pensar na
Lara. Pensar no jeito que ela me tratou naquele dia, e da frieza como ela falou
comigo aquelas coisas. Uma amargura tremenda tomava conta do meu peito, como se
fosse uma faca que estivesse dilacerando o meu coração.
“— Vá embora, Márcio QI. Me
esqueça! Eu não quero me aproximar de você, nem da Valeska, e nem da Gabriela.
Eu odeio vocês! Por isso que eu fugi pro Rio de Janeiro. E eu tô voltando pra
lá. Vou ficar com o Douglas. Ele sim é um homem de verdade!”
O jeito que aquelas palavras ecoavam na minha mente só me
mostravam o quanto eu estava o tempo todo sendo um imbecil, guardando no meu
peito um amor que nunca seria correspondido.
Eu poderia ter continuado guardando aquele sentimento.
☺
PALAVRAS DE GABRIELA CARVALHO
Enquanto
Valeska continuava com o time de futebol, lá em Recife, Sheila e João Paixão
continuavam presos — para a nossa felicidade — Márcio QI via com toda a
empolgação do mundo, só que não, os fogos de artifício cobrirem os céus de nossa
cidade anunciando que o ano de 2012 acabava de chegar.
—
Que desânimo é esse, Márcio QI? — perguntei, abraçando-o — Feliz ano novo,
cara!
O
rapaz apenas olhava para os desenhos que os fogos formavam no céu; sem dizer
nenhuma palavra ele virou as costas e saiu. Foi para dentro de sua casa.
Olhei
ao redor: as pessoas da rua onde morávamos estavam comemorando, bebendo muito,
dando abraços falsos. Nada daquilo agradaria a Márcio QI. Ele estava ainda
passando por uma decepção amorosa. Talvez sua primeira decepção, talvez o
primeiro fora que ele havia levado na sua vida.
Segui
também para dentro da casa de Márcio QI, subi as escadas e bati duas vezes na
porta de seu quarto. Estava aberta; entrei. O garoto, deitado em sua cama e
virado de costas para a porta. Toquei seu ombro.
—
QI , vai ficar com isso até quando? Olha, cara, vai começar o ano assim, pra
baixo? Isso dá azar.
Virou-se
para mim e me encarou.
—
Mais azar do que eu tenho, Gabi?
—
Você tem azar? Deixa de ser egoísta, cara! — fui firme — enquanto você fica se
remoendo, a Lara deve estar lá no Rio, ao lado daquele cara, provavelmente
vendo a queima de fogos em uma daquelas praias chiques e com shows ao vivo mais
chiques ainda. Para com isso, porra! — dei-lhe um safanão — Se eu tivesse dez
por cento da inteligência que você tem, eu seria feliz e não estaria nem um
pouco preocupada com o ano de vestibular que está chegando aí. Cara, vai viver
a tua vida, ela está vivendo a dela!
Márcio
me olhou fixamente.
—
Você tem razão, Gabriela... Acho que você foi a pessoa mais sincera que eu
encontrei na minha vida até hoje.
Sorri e afaguei seus cabelos de nerd.
—
Querido, com Gabi Carvalho é assim: trago seu amor próprio em três tapas na cara.
Agora vamos lá pra fora rir das velhas bêbadas dançando forró? É a melhor coisa
do réveillon.
—
Só se você me prometer que não vai beber. Lembre-se de que não tem idade para
isso.
—
Márcio QI, sendo Márcio QI... — suspirei — Tá, vamos?
Naquela noite, Márcio
QI até dançar forró junto com as beberronas ele dançou. Rimos muito e aquela
foi a primeira vez, depois de muito tempo, que o vi se divertindo.
***
Quinto mês de gestação. Janeiro de 2012
PALAVRAS DE LARA PACHECO
Eu ficava muito enjoada e não conseguia controlar as
ânsias de vômito, que poderiam vir a qualquer momento. A comida que serviam no
convento já não atendia às minhas necessidades e então irmã Carolina – a única
que ainda possuía algum contato com o lado exterior àquele antro – dava um jeito
de me trazer alguns alimentos com mais sustância, os quais eu deveria comer
escondida.
Tomar banho nas minhas condições e no lugar onde eu
estava era uma das coisas mais difíceis, pois aquele convento mais parecia um
quartel general. Precisávamos ficar nuas uma frente as outras. De início, eu
levava aquilo na boa, mas a barriga estava explícita e ficar vestida com um
hábito frouxo era a única solução.
Eu tomava banho quando não havia mais nenhuma irmã
acordada.
Era contra as regras andar pelos corredores do convento
pela madrugada.
☺
PALAVRAS DE VALESKA SOARES
Quando
o árbitro apitou, soube que era o início do jogo. Era o último jogo que eu
jogaria antes de voltar para casa. O time estava unido, mais unido do que
antes.
O
Regatas Futebol Clube, pela primeira vez em décadas, estava na final de um
campeonato. E por minha causa!
Tudo
isso foi resultado de muito treinamento e muito esforço. Esforço em dobro,
porque me disfarçar de garoto não estava sendo fácil, principalmente nos
vestiários.
Suspirei.
A bola começava com Isaac. Ele estava mais bonito naquele dia, eu não sabia o
porquê. Parecia um pouco mais confiante do que de costume, acho que aquilo
melhorou o seu semblante. Piter, por sua vez, piscava para mim sempre. Eu era a
única – o único, no caso – que sabia do seu “segredo” mais profundo.
Isaac
tocou a bola para mim. A torcida gritava por “meu nome”: “Vai, Gustavo!” Aquelas pessoas acreditavam em mim. Eles queriam
que eu ganhasse. E aquele coro, aquelas palavras me deram forças, agilidade e
eu pude driblar aqueles jogadores adversários.
Toquei
a bola para Piter enquanto os outros jogadores do nosso time se posicionavam e
já se preparavam para um possível gol.
E
haveria gol sim!
Corri
mais um pouco, estava perto da trave. Piter chutou a bola e eu a cabeceei.
Estufei a rede e a galera foi à loucura. Os jogadores me colocaram para cima e
comemoraram por alguns segundos, até a partida ser retomada.
***
Minutos depois, todos os
jogadores, inclusive eu, o craque do time, entraram no vestiário carregando a
taça. RFC nunca havia ganhado uma taça num campeonato. Foi a maior festa!
Técnico Eriberto estourou um
champanhe enquanto nós jogadores pegávamos nossas taças. Isaac propôs um
brinde:
— Proponho um brinde em
agradecimento ao Gustavo, que foi uma das melhores coisas que aconteceram nesse
time em tempos!
Após dizer isso, Isaac
sorriu pra mim. Virei o rosto, um pouco sem graça. O jeito que ele me tratava,
me deixava encabulada. Ele era tão gentil! Parecia que ele sabia realmente que
eu, Gustavo, era uma garota o tempo todo. Pois, por mais que eu me mostrasse
forte, talvez eu ainda demonstrasse que, no fundo, eu era frágil e precisava de
alguém que me protegesse.
E Isaac parecia
realmente saber disso.
Após as comemorações,
como de costume, esperei que todos saíssem do vestiário para que eu pudesse
tomar um banho sossegada. Quando me certifiquei que não havia mais ninguém,
entrei em uma das cabines, retirei o uniforme suado, os panos que eu enrolava
no meu corpo para deixa-lo o mais reto possível, livrando-me também daquele
calor terrível e liguei o chuveiro.
Minutos depois, perdi a
concentração do meu banho quando ouvi passos dentro do vestiário. Desliguei
rapidamente o chuveiro, abri minha bolsa e vesti rapidamente uma daquelas – confesso
que – complicadas roupas masculinas e abri aos poucos a porta da cabine.
— Poxa, cara! Você
molhou o vestiário todo! — era Isaac que, brincando, ria, observando a
inundação que eu acabara de fazer no local. — você não ouviu os caras dizendo
que não pode deixar o chuveiro ligado no máximo?
— Desculpa! — falei
aquilo com minha voz fina, de Valeska, o que percebi depois. — Quer dizer, Foi
mal, velho — engrossei a voz, abri a cabine do chuveiro e, cobrindo-me com a
toalha, pois eu acabei por vestir-me molhada e deixando a roupa transparente, aproximei-me
de Isaac. — É que eu não sabia mesmo.
Dei mais dois passos e
me desequilibrei e escorreguei naquele chão liso. Quando achei que iria dar com
as minhas fuças masculinas no chão, eis que ele, rápido, me segura. Fico em
seus braços, olhando em seus verdes olhos por alguns segundos. Uma troca de
olhares que mais pareceu uma eternidade e eu não queria que aquela eternidade
tivesse fim.
Boiolagem no vestiário?
Quando dei por mim que estava rolando um clima, tentei me soltar, mas ele
continuou olhando para mim. Isaac jogava no mesmo time que Piter, literalmente?
Ou então parecia, realmente que ele sabia que eu não era um homem, e sim uma
garota, uma garota que entrou ali naquela confusão por causa dele, por uma
admiração boba, que foi se transformando em amor. E por ele eu continuaria ali.
Sem graça, Isaac
finalmente me soltou.
— Err... Gustavo, vamos?
Eriberto e os outros jogadores nos esperam no ônibus pra voltar pro hotel e,
finalmente pra Fortaleza. COM A NOSSA TAÇA!
— sacudiu meus ombros e saiu.
NOVELA ESCRITA POR MÁRCIO GABRIEL
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE FÉLIX CRÍTICA
COPYRIGHT© TVV VIRTUAL 2014, TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO E NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A REALIDADE
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
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