Capítulo 13
O Detetive Alex Cartumis esgueirou-se para fora da mansão, com cuidado
para passar imperceptível pela guarita de segurança onde um guarda estava mais
atento a TV do que qualquer outra coisa. Atravessou a rua, andando alguns
metros e, por fim, entrou na enorme Van plotada com a propaganda de uma
pizzaria local. Dentro do veículo, os dois policiais que ajudaram a implantar o
sistema de segurança na mansão Trevor estavam atentos aos muitos monitores.
- E então, como está o sistema? – perguntou Cartumis, sentando-se numa
cadeira atrás dos dois, observando alguns monitores.
- Consegui hackear as câmeras de segurança da mansão, então temos oitos
oito imagens externas. Na casa, há duas câmeras no corredor do andar superior,
o corredor do quarto da Sra. Trevor. Dois no corredor do térreo, um no porão,
dois na sala de star, um no salão de jogos, dois no salão de dança – acho que é
de dança – um no ateliê, e um na cozinha. O da cozinha está apresentando
problemas, chefe. – Reportou Roger, o mais novo, alto e magro – Às vezes o
sinal cai. Vou tentar entrar na mansão amanhã e consertar.
- E porque não entra agora? – perguntou Cartumis intrigado.
Roger deu de ombros, parecendo desconcertado.
- Bem... er... chefe eu...
Roger era excelente para esse tipo de serviço: a parte “Tech” da coisa.
Quando o assunto era ação, mesmo que uma reles infiltração em Mansão de
Família, Roger não servia para muita coisa.
- Tudo bem... mas se não tiver a oportunidade amanhã durante o dia, vai
à noite mesmo, entendeu, de amanhã não passa!
- Qualquer coisa eu vou, chefe! O Rogi ensina como arruma esse negócio
aí, daí eu vou. – disse Alfonso, tentando ajudar o parceiro. Alfonso era da
velha guarda. Um excelente policial, de índole, como poucos, mas tinha o sangue
quente e por isso nunca conseguiu uma promoção. Estava próximo da
aposentadoria, mas era um dos poucos a quem Alex confiava a própria vida.
- Certo! Fiquem atentos, rapazes, principalmente no corredor do quarto
da Sra. Trevor. Ela está doente e não deve ficar perambulando pela casa, então,
seja o que for, vai acontecer naquele quarto. Mandem mensagem para o meu
celular cada vez que alguém passar por aquela porta.
- Até mesmo o Sr. Trevor? – perguntou Roger, anotando num bloco de
anotações.
- Principalmente ele, Roger... qualquer um. – disse Alex, pensativo. O Sr. Trevor estava sendo muito solícito, solícito demais. Claro que ele estava no acidente e se não fosse por ele, a pobre moça, Alis, estaria morta, mas na sua profissão, não era bom confiar nas pessoas, mesmo que esse alguém estivesse bancando todo o sistema de vigilância montado e, ainda, feito uma gorda doação para o Departamento de Polícia da cidade. – Você deveria ter instalado uma câmera no quarto da garota, Roger, assim saberíamos imediatamente se ela estivesse em perigo.
- Mas, chefe, o protocolo de vigilância não permite instalar monitoria
em quarto privado, o senhor sabe...
- Que se dane o protocolo, Roger! – exasperou Alex, sem paciência. –
Esse caso é diferente! Há muita pressão do comissário-chefe para fecharmos esse
caso e descobrirmos o mentor do assassinato do ex-prefeito Eagleton. E se a
garota morrer, o caso morre junto.
- Bem, acho que eu consigo aumentar o áudio do corredor para captar os
sons do quarto...
- Faça isso então!
Roger abriu um notebook conectado aos monitores, mexeu naquilo que
parecia um equalizador e depois conectou um head
phone ao computador.
- Dá pra escutar, veja, chefe!
- Quando Alex colocou o headphone, escutou imediatamente a voz suave e
gentil de Alis Brade.
(...)
- Ah, Lucas... obrigada, você é muito gentil... obrigada...!
- É só um chá com torradas, Liz! – respondeu Lucas, sorrindo, mas sabia
que aquilo representava muito mais para alguém que não era acostumada com gestos
de solidariedade e carinho.
- É bom estar nesta casa... quero dizer... fora do hospital, sabe... –
falou Alis olhando ao redor. Não sabia quanto tempo duraria sua estadia ali,
mas queria aproveitar, principalmente, a companhia de Lucas. O marido da sua
irmã, sentado ali do seu lado, olhando para ela, era tudo o que Alis sempre
sonhou quando era só uma menina: um marido atencioso, carinhoso, disposto a
protege-la. Ir. Agatha uma vez dissera a ela que ideias românticas não iriam
ajuda-la e que Alis precisava mudar, se tornar uma pessoa mais forte, mais
dura. Quanto mais Ir. Agatha a aconselhava, menos Alis se sentia capaz de
cumprir seus conselhos. Sentia-se fraca e desamparada na presença de Brade. Ele
a dominava por completo, seu corpo e sua alma, e ela definhava aos poucos
vivendo uma vida que pouco queria para si mesma. E sabia que era isso o que
estava esperando por ela novamente, para longe dos muros daquela mansão.
- Está triste? Está com dor?
- Não, estou tomando tanto remédio que é meio impossível sentir algo...
– sorriu Alis. – Estava só pensando umas coisas...
- Que coisas? – provocou Lucas. Na verdade, ele gostaria de poder
pressioná-la até que ela lhe dissesse toda a verdade, mas como era uma pessoa
frágil, ela muito provavelmente desmaiaria antes de falar algo e ainda pioraria
o seu estado de saúde. Ela poderia ser uma mentirosa, enganadora, mas era dever
dele cuidar para que nada acontecesse a ela. E depois de tudo o que ela vinha
sofrendo, aquele tempo deveria ser como umas férias merecidas para ela. De
qualquer forma, mesmo depois que tudo estivesse terminado, não iria abandonar
Alis a sua própria sorte. Iria acompanha-la, convencê-la a denunciar seu marido
e apoiá-la durante todo o caso. Parecia-lhe uma boa ideia trazê-la para a
mansão e cuidar de tudo ele mesmo. Seria uma boa ideia.. seria na verdade uma
ótima ideia. É... isso mesmo. A ideia de ter Alis sempre consigo, fez Lucas
sorrir.
- Eu estava pensando que se eu tivesse morrido naquele acidente, não
estaria aqui... com você! – falou Alis, parecendo um pouco distante.
- Mas você não morreu, Liz.
- É, mas uma coisa assim faz a gente pensar: eu preciso mudar minha
vida... preciso aprender a enfrentar... (‘meu marido’, pensou Alis) as coisas
que acontecem. Ser mais forte...
- Bem... é sempre bom a gente ser forte, Liz. Mas há muitas formas de
fortaleza. O que você passou no hospital, o acidente, a cirurgia, a
recuperação, não são coisas que qualquer pessoa conseguiria enfrentar como
você fez. Eu acho que você é forte nesse aspecto, só precisa aprender a
não ficar calada diante de algumas situações. Em certos aspectos, ser forte é
gritar e denunciar aquilo que não é certo, aquilo que é injusto...
Se Alis não soubesse que Lucas se referia na verdade a sua vida com Liz,
Alis diria que aquele era um conselho para ela mesma: denunciar Brade era o
maior desafio de sua vida, a maior prova de fortaleza que podia dar... não para
os outros, mas para si mesma. Entretanto, quando pensava no rosto de Brade
retorcido pelo ódio, os punhos fechados, tremia de medo e raiva por sua própria
covardia.
- Bem, vou deixar você descansar agora... – disse Lucas e antes que Alis
pudesse dizer qualquer coisa ele já havia saído do quarto.
Alis apagou a luz do abajur e ajeitou como pôde seu braço e pensava em
adormecer logo quando escutou o ranger da sua porta. Acendeu o abajur e sorriu
ao ver que ela Amélia.
- Trouxe um chá para ajudar a adormecer, Liz... – disse Amélia,
entregando-lhe uma xícara.
- Ah... mãe, eu já tomei um chá, Lucas trouxe.
- Ah, querida, mas eu preparei esse chá com todo o carinho. Beba!
Meio sem graça, Alis bebericou, estava com um gosto estranho.
- Coloquei um pouco de Xerez, é como gosta do seu chazinho, não é?
- Ah.. é! – falou Alis e virou a xícara de uma vez. – Obrigada, mãe! –
disse ela, devolvendo a xícara.
Alis achou que Amélia sairia do quarto depois que ela tomasse o conteúdo
da xícara, mas ela continuava no mesmo lugar, com um estranho brilho nos olhos.
Parecia que havia uma sombra sobre seu rosto e Alis não conseguiu deixar de
sentir um arrepio cruzando seu corpo.
- Para alguém que conhece bem o gosto de Xerez, você caiu direitinho, a não ser que você... não seja LIZ! – falou Amélia, mudando seu cordial e melodioso tom de voz para um chiado sibilante e grave.
- Mãe... eu... – Alis tentou pronunciar alguma coisa, mas percebeu que
sua fala estava enrolada. O quarto começou a se mover como se estivesse
drogada. Imediatamente, Alis olhou para a mão de Amélia, divisando a xícara. –
O que t..tinha nes..sse cc..chá?
- Não se preocupe, filhinha... não vai doer... MUITO.
- L-ucas... – Alis tentou gritar, mas sua voz simplesmente não saía.
Tentou buscar forças de onde não tinha... tentou lembrar de Lucas e no bebê e
no quanto os amava... Sim, ela os amava. Eles eram sua família agora. Lembrando
dos olhos verdes dos homens da sua vida, Alis concentrou toda a força que podia
e a plenos pulmões, seu grito ecoou por toda a mansão:
- LUCAS!!!
(...)
Alex retirou da cabeça o headphone, sentindo um zumbido no ouvido.
- Que merda... ! – falou ele.
- Deu pra ouvir daqui, chefe...- falou Alfonso, apreensivo.
- Vai, vai!!! É agora! – gritou Alex, esperando que sua audição pudesse
retornar logo depois do grito amplificado de Alis.
Nem Roger, nem Alfonso esperaram pelo chefe. Ambos saíram da Van e
entraram nos jardins da mão com armas na mão.
Precavido, Alex buscou o interfone do rádio e chamou pela Central:
- Central! – respondeu a telefonista.
- Aqui é o Detetive Cartumis, distintivo Nr. 856243, solicito
reforços na Avenida Juarez Mendel Eagleton, na mansão Trevor, copia?
- Positivo, Tenente Cartumis! Solicito detalhes da emergência.
- Ainda não sabemos, mas uma tentativa de assassinato pode estar em andamento, copia?
- Positivo, Tenente, enviando viaturas.
Alex desligava o rádio quando escutou dois tiros altos.
- Que merda é essa? – falou ele, saindo apressado da van, invadindo os arredores da mansão Trevor. Ao passar pela guarita, entretanto, viu que o mesmo guarda que vira antes assistindo TV jazia agora morto no chão, com ferimento no peito consistente com uma bala. Aquilo havia acontecido há mais tempo, não fora nenhum dos dois tiros que Alex escutara pois o som havia vindo da mansão. Além disso, quem matou o guarda parecia ter usado alguma arma com silenciador. E silenciadores significavam apenas uma coisa: profissionais.
Alex deu dois passos para trás e retornou a Van. Certificou-se de ter trancado a porta da Van e passou a olhar para os monitores. Três homens vestidos e encapuzados de preto estavam entrando na mansão pelo hall da frente e dois homens estavam mortos no mesmo hall, com tiros a queima roupa pelas costas: Alfonso e Roger. Os dois tinham sido atingidos após terem entrado na mansão. Aquilo tudo foi premeditado. Talvez não soubessem da presença de Alex vigiando a mansão e Alex queria que continuassem assim até as viaturas chegarem. Enquanto isso, tentava pensar sobre aquela situação. Havia lido o relatório do assalto que culminou na morte de Eagleton, pai adotivo de Liz Trevor: três homens que batiam com as supérfluas descrições de Dunga haviam entrado na casa. Todos portavam armas, snipers e rifles de assalto profissionais. Agora, a situação parecia se repetir. Quem estivesse por trás de toda aquela cena só não podia pensar que havia olhos vigiando aquela ação.