PALAVRAS
DE LARA PACHECO
Alguns dias se
passaram e Douglas e eu continuávamos no flat. Raramente eu saía até a rua,
apenas ficávamos lá dentro daquele chiquérrimo cubículo. Eu tinha receio de
perguntar algumas coisas para ele porque acreditava que cada coisa viria ao seu
tempo. Numa dessas, enquanto nos beijávamos no sofá, eu não resisti.
— Douglas, onde estão seus pais?
— Por que isso agora, Lara?
Fiz merda. Continuei fazendo:
— É que sei lá, um cara de dezessete anos, morando
sozinho num lugar tão chique desses é um tanto quanto estranho. Você recebe
alguma ajuda financeira deles, não é?
Eu tinha certeza de que Douglas Loreto era de uma família
rica. Qual era mesmo o segundo sobrenome dele mesmo? Deveria ser bem
importante, tipo “Baldacci”, “Zimmerman”. Tentei puxar da memória, mas não
consegui.
— Minha mãe é empresária. Viúva. Ela — Douglas olhou no
relógio — a essa hora, deve estar em Nova York assistindo ao show de alguma
futura celebridade. Ela é uma importantíssima caça-talentos. Sempre me manda
uma mesada gorda para que eu me mantenha aqui. Satisfeita?
Acenei levemente com a cabeça, alegando que sim. Silêncio.
—
Que bom que você não foi com ela, então. — voltei a beijá-lo, mas ele não quis.
— Que foi?
—
Às vezes eu sinto que você não confia em mim. — disse ele, com aqueles olhos
brilhando, como se fosse um cachorrinho que acabara de ser maltratado. Douglas
tinha um jeito tão único e especial que às vezes era preferível medir palavras
com ele apenas para não magoá-lo.
Eu
não gostava de magoá-lo.
Afastei os cabelos de Douglas que cobriam sua orelha e a
mordisquei levemente. Ele revirava os olhos e passava as mãos no meu corpo. Aos
poucos ele ia cedendo. Depois eu me senti um lixo por usar sexo como desculpa
para arrancar de Douglas respostas para as minhas perguntas.
Dormimos abraçados no sofá.
***
No outro dia, acordei e percebi que Douglas havia saído.
E deveria ter saído sorrateiramente, pois não percebi quando ele desagarrara
meus braços do seu corpo ao sair do sofá.
Vesti
uma camisa dele, calcei minhas havaianas e procurei o Anjo pela casa toda, mas
não o encontrei. Vinte minutos depois, ele entrou em casa com uma sacola de
plástico nas mãos. Eu tomava café-da-manhã sozinha à mesa.
— Olá, meu amor.
Achei que ainda estivesse dormindo! — ele me deu um selinho e pôs o pacote em
cima da mesa. — fui comprar alguns ovos.
— Ovos? — questionei — Já tem tanto ovo lá dentro da
geladeira. Pra quê mais?
— Sério? — ele abriu a geladeira para conferir.
— Hum... Sério que você acordou tão cedo só pra comprar
ovos? — perguntei, de uma maneira até irônica e sutil, enquanto passava
margarina numa bolacha de água e sal.
Ele me entendeu
mal.
— De novo Lara? Porra, cara! Eu tô tentando ser um cara
legal, mas você fica duvidando de mim!
— Douglas, eu não tô duvidando de nada! Calma, só tava
brincando. Nossa, velho, que mau humor!
Ele se acalmou e foi tomar banho. Como ele demorava
bastante e eu estava apertada, entrei no banheiro e, pela sua sombra no box, pude perceber que Douglas se
esfregava com o sabonete mais do que o normal. Parecia que ele queria se livrar
de alguma sujeira impregnada há tempos. Qual fosse, eu não havia percebido.
☺
PALAVRAS
DE VALESKA SOARES
As aulas normais
voltaram algumas semanas depois. Estávamos no segundo ano do ensino médio e
logo agora começava o segundo semestre, acompanhando os nossos desesperos e
promessas de estudarmos mais.
Pelo
mesmo motivo, nós só voltamos a nos falar na escola:
— Minha mãe me deixou sem sair de casa, sem TV, sem
telefone e sem internet até o final das férias. Foi um tédio! — falei.
— A minha também. E ainda me fez tomar um banho de álcool
e fazer uma bateria de exames pra ver se eu não havia contraído alguma doença
enquanto estava no Rio. — disse Márcio QI.
Gabi e eu rimos.
— Gente, a minha também. Mas o que importa foi que a
gente estava no show do Red Hot e a gente vai poder se mostrar com isso pra
todo mundo. Eu nunca fiz uma redação com o tema “Como foram as Minhas Férias”
com tanto gosto! — disse Gabi.
— Aquela professora de redação acha que ainda estamos no
jardim, mas confesso que eu também gostei de ter escrito. Claro, tirei nota
máxima.
— Márcio QI, querido, todo mundo da sala tirou. Mas
mudando de assunto, notícias da Lara?
Todos se entreolharam. Ainda era um choque falar do que
acontecera. Foi algo tão surreal! Não é todo dia que alguém abandona a família
e os amigos para viver uma nova vida, mas se tratando da Lara, nada era
impossível.
— Bom, pelo que eu sei, Sr. Giuseppe não quer ver a filha
nem pintada de ouro. — falei. — Só que a Sheila está no pé do velho pedindo que
ele coloque pessoas atrás da Lara para trazê-la de volta pra cá.
— A Sheila? Que mentira é essa?! Aquele saco de banha
nunca gostou da Lara, por que agora ela tá com essa simpatia toda?
— Gabi, eu não sei, mas a Sheila fez o maior escândalo
quando o Sr. Giuseppe disse que a Lara não era mais filha dele. Parecia até a
Maria do Bairro chorando... Minha mãe conversou com ela e tudo o mais. Parece
que o Giuseppe não vai aceitar mais a filha caso ela volte.
Gabi se levantou do banco do pátio da escola, onde
estávamos, e ficou pensativa.
— Estranho... — suspirou ela, fazendo com que eu e Márcio
ficássemos curiosos.
— O que é estranho?
— Márcio, tipo... tá na cara que essa ceninha da Sheila é
por alguma razão. A gente conhece aquilo ali. Vocês sabem que ela sempre
procura vantagem em tudo. Todo mundo sabe que ela se casou com o pai da Lara
porque ele estava montado no dinheiro. E talvez ter a Lara de volta traga algum
benefício pra essa biscate.
— Gabi, aonde você quer chegar com tudo isso?
— Valeska, menina, põe essa cachola pra funcionar! — Gabi
deu três batidinhas leves na minha cabeça — Quem topa seguir a vaca da Sheila
depois da aula? Vocês sabem que ela trabalha aqui perto naquela facção.
— Credo, ela é bandida?
Gabi me deu um cascudo.
— Menina, mostra que esse teu último neurônio tem
serventia! Facção de costureiras, mulher! O marido acha que ela passa o dia
todo em frente a uma máquina de costuras naquela fábrica de lingeries, mas
vocês sabem muito bem que essa louca é cheia de podres. Bom... quem tá comigo?
Gabi estendeu a mão e eu coloquei a minha mão em cima da
dela. Ficamos olhando para Márcio esperando alguma reação.
— Tá certo! Mas saibam que eu não gosto dessa história.
Márcio pousou sua mão direita em cima das nossas.
Estávamos prontos para desvendar aquele mistério.
☺
PALAVRAS
DE LARA PACHECO
Naquela tarde, enquanto Douglas dormia no sofá, resolvi
sair do flat para dar uma volta. Li num cartaz fixado num poste em frente ao
nosso prédio que uma livraria estava precisando de moças que pudessem trabalhar.
O salário era ruim, porém a ideia de sair e fazer alguma coisa para distrair a
minha cabeça já me animava um pouco. Só que havia alguns “poréns”: Eu não
estava com todos os meus documentos, apenas minha identidade. Além disso, o
dono da livraria pedira que eu levasse uma declaração da escola em que eu
estava matriculada para comprovar que eu estava estudando. Qual?
—
Você é uma moça muito simpática. — disse o proprietário, um homem que tinha por
volta de trinta anos — Seria uma honra tê-la aqui como uma de nossas
funcionárias.
O lugar era bem legal e as outras funcionárias também
eram muito simpáticas. Confesso que nunca fui uma devoradora de livros, mas
alguns tipos de literatura me interessavam bastante e trabalhar ali talvez me
despertasse algum tipo de conhecimento.
— Bom, Lara Pacheco Oliveira, quanto à declaração da sua
escola, traga quando puder. Você me parece uma moça muito estudiosa, mas já que
é menor de idade, é preciso ter esse comprovante. Sabe como são essas coisas de
trabalho infantil...
— Muito obrigada! Eu vou trazer assim que a direção da
minha escola me der. — menti —Estou contratada? — perguntei.
— Contratadíssima. — ele respondeu, esticando a mão para
que eu a apertasse. Despedimo-nos depois de combinar os horários e fui embora.
***
Ao saber que eu havia conseguido um emprego, Douglas
apoiou totalmente a ideia.
— Nossa, que legal, meu amor! — ele me beijou — Eu também
preciso voltar a trabalhar, pois minha folga infelizmente acabou.
Será que eu deveria fazer essa mesma pergunta que você
está pensando? Que fosse.
— E... você trabalha onde?
Douglas me olhou fixamente por algum tempo e enfim
respondeu.
— Sou operador de telemarketing. É um trampo legal, não
pagam bem, mas eu só vou mesmo pra me distrair, já que dinheiro pra mim não é
problema. Ah, e no próximo fim de semana eu vou te levar pra conhecer a minha galera.
O que acha, Lara? — ele me perguntou, abraçando-me em seguida.
— Seria uma ótima ideia, meu anjo.
☺
PALAVRAS
DE GABRIELA CARVALHO
Assim que o sinal tocou (aleluia, que aula chata),
Márcio, Valeska e eu pegamos nossas mochilas e nos reunimos no pátio do colégio
para repassar todo o plano.
— Bom, pessoal, o plano é o seguinte: a gente fica de
guarda em frente a fábrica e espera a Raspútia sair. Ops, espera a Sheila sair.
Entendidos?
— Por que Raspútia?
— Por causa daquela personagem do filme Norbit. Ah,
esquece, Valeska. Vamos?
NOVELA ESCRITA POR MÁRCIO GABRIEL
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE FÉLIX CRÍTICA
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ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO E NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A REALIDADE