PALAVRAS
DE MÁRCIO FERRARI
Quando enfim me recuperei, desliguei o celular, pois
estava com ódio da Gabi e ela nem imaginava o porquê. Olhei ao meu redor: o
quintal da casa de Lara era enorme e felizmente, não havia cachorros ou
qualquer coisa para manter a segurança dali.
Avistei o portão que dava acesso a casa e corri até lá.
Estava trancado com um enorme cadeado.
Mission failed.
Desesperado, comecei a gritar para dentro da casa. Chamava
por Lara, como se aquilo valesse a própria vida dela. E talvez valesse mesmo.
Lara apareceu alguns segundos depois e correu para
próximo ao portão. Ficamos nos olhando um pouco, ela do lado de dentro, e eu do
lado de fora.
— Cara, eu não acredito que você pulou! Mas... e agora?
Tá trancado.
— Pois é, eu acho que eu só tentei pular por impulso. Eu
tô preocupado com você sozinha com essa louca. Como você está?
— Márcio, eu vou ficar bem. Eu só te peço que, caso eu
suma... — ela falou com um pouco de amargura na voz — fique atento porque ela vai estar envolvida.
— Lara, por que você tá falando isso? Eu tô com medo!
— Não fica, QI. — ela sorriu, talvez para me passar
tranquilidade — Vai dar tudo certo.
Passei meu braço pela grade do portão e segurei a mão de
Lara. Olhei em seus olhos por uns instantes, retribuí seu sorriso e saí.
Consegui pular o muro de volta.
Ainda
bem.
☺
PALAVRAS
DE DOUGLAS LORETO
Lupe pediu umas pizzas e jantamos assistindo um festival
de shows na TV por assinatura. Valentim e Bárbara ficaram se agarrando no sofá
e mal tocaram na massa. No máximo, tomaram algumas cervejas.
— Vou tomar um banho. — disse Valentim. Levantou-se e
deixou Bárbara sozinha no sofá.
Lupe e eu continuamos entretidos, com nossas cervejas e
nossos pedaços de pizza. Ele, já estava quase capotando de tanto beber. Bárbara
se aproximou, indo até o sofá onde eu estava. Fingiu estar assistindo TV e, de
repente, pôs a mão direita na minha coxa e foi subindo. Repeli a garota na
mesma hora.
— Que foi? — sussurrou ela.
— O cara com quem você está se encontra exatamente sob o
mesmo teto que nós, neste momento. Mais precisamente no banheiro.
— Você sabe quem é o cara com quem eu queria estar
agora...
Eu sabia que Bárbara queria ter algo a mais comigo, mas sabia
também que Valentim sempre foi muito gamado nela. Eu estava perdido, pois ela
dormiria lá naquela noite. Eu tinha que resistir. Achei melhor maneirar nas
cervejas.
— Bárbara, sai. Por favor...
Bárbara continuava avançando o maldito sinal. Aquele sinal
que indicava que eu era o melhor amigo do cara com quem ela estava ficando. A
garota mordiscava minha orelha e, enquanto eu revirava meus olhos, minhas mãos
diziam o contrário: que Bárbara deveria ficar longe de mim. Pro meu bem, pro
nosso bem.
— Eu sei que você
ainda não esqueceu aquela Lara... mas eu posso fazer você se esquecer dela
rapidinho. — sussurrou em meu ouvido.
Virei o rosto para o chão, onde Lupe estava deitado, e vi
que ele finalmente havia capotado. Sua cara, aliás, estava inchada de tanto
álcool que ele havia ingerido. Bárbara se sentia um pouco mais segura sabendo
disso.
Enquanto ela beijava o meu rosto, lembrei-me
imediatamente de Lara. Assim, do nada. Era um daqueles pesos de consciência que
só eu tinha.
— Sai daqui, sua... sua vagabunda! — empurrei ela bem
forte, o que a fez se afastar.
Bárbara deu um sorriso de glória. Ela sabia como eu
estava me sentindo.
Eu estava derrotado.
E era aquilo o que ela queria.
Valentim saiu do banho e voltou para a sala. Bárbara
continuou se agarrando com ele no outro sofá, como se nada tivesse acontecido.
☺
PALAVRAS
DE GABI CARVALHO
Como o traste do
QI não atendeu o celular e ainda desligou, pedi que Valeska dormisse debaixo da
minha cama (pro caso da minha mãe não ter que vê-la caso ela entrasse no meu
quarto) e tentei ligar para aquele
nerd no dia seguinte.
— Alô? — ele
atendeu. Era por volta de seis da manhã.
— Márcio QI, seu anta, onde é que você esteve? Por que
não me atendeu? Por que desligou o celular?! Olha, eu vou dar tanto na tua
cara!
— Me ligou só pra
encher o saco, Gabriela? São 6 da manhã e eu tô todo quebrado de uma queda que
eu levei.
— Aff, não quero saber não. — realmente não estava dando
a mínima — Eu preciso de sua ajuda.
— Sério? Você me
trata desse jeito e ainda quer ajuda?
— É caso de vida ou morte. Escuta logo... — pensei um
pouco — Márcio, vem aqui em casa e traz algumas roupas suas. Mas não quero
roupa feia. Traz umas roupinhas bonitinhas, as menos nerds que você tiver.
— O que você vai
fazer?
— Para de fazer a egípcia e vem logo pra cá. Já!
Desliguei.
***
Valeska estava assustada. Pedi que ela sentasse em frente
ao espelho que havia no meu quarto.
— Amiga, sabe que eu te amo, né. — falei — Mas o que eu
vou fazer é pro seu próprio bem.
Mal Valeska respirou para responder quando eu peguei a
tesoura e fui de encontro com ela nos seus longos cabelos. Ela pirou.
— Tá louca! Era esse o seu plano? Se queria me disfarçar,
por que não pintou meu cabelo com água oxigenada? — perguntou, chorosa.
— Quem tá maluca é você. Anta do jeito que é, se eu
colocar água oxigenada na tua crina você vai virar uma ameba. Querida, por
favor, confie em mim. Se você se disfarçar de homem, ninguém vai perceber. É só
por enquanto.
Ela bufou, conformada, e eu continuei cortando os cabelos
dela. Márcio QI chegou e bateu na porta.
— Gabi! Sou eu! Trouxe o que você pediu!
Corri até a porta do quarto e abri. Ele quase caiu pra
trás quando viu Valeska no meu quarto, e ainda por cima com as madeixas curtas.
— Hã? Valeska?!
— Amigo!!! — ela se levantou da cadeira onde estava e foi
abraçá-lo. Tomei a sacola com roupas da mão de QI e entreguei pra Valeska.
— Márcio, vira pra trás. Valeska, veste isso aí.
Segundos depois, Valeska estava quase irreconhecível.
Comecei a encher a camisa que ela estava vestida com alguns lençóis, de modo
que deixasse o corpo dela reto, para que as pessoas não percebessem os seios e
o bumbum.
— Minha mãe me deu essa camisa aí ano passado. Nunca
usei. Mas confesso que na Valeska ficou legal. — disse Márcio. — E então, qual
é o plano?
Fiquei olhando para Valeska de cima a baixo. Realmente,
com um pouco de maquiagem, ela ficaria mais irreconhecível ainda.
— Esse aqui — apontei para ela — é o Gustavo, o primo do
Márcio QI. Veio lá de Recife. — empurrei ela para cima de Márcio — e vai passar
uns dias na sua casa.
— Oi? — os dois se perguntaram.
— Valeska... Gustavo... sei lá, você tem que dar um jeito
enquanto a gente não coloca a demônia da Sheila atrás das grades. Você fica uns
dias na casa do Márcio QI, ele é menino e não vai dar confusão.
— Tá, eu vou dizer a minha mãe que é um amigo meu. —
disse ele.
— Por mim também não tem problema nenhum.
***
Música:
Adam Lambert – Cuckoo
Naquele mesma tarde, Márcio QI e eu levamos Valeska para
dar uma volta no bairro e fazer um test drive.
De início, como não estava acostumada a ser um garoto,
ela andava rebolando e jogando o (qual?) cabelo para trás. Algumas pessoas que
passavam na rua olharam para ela com o olho torto, achando que era um rapaz
gay.
— BICHONA! SAI DO ARMÁRIO QUERIDA! — gritou um travesti
que passava ali perto.
Valeska, sempre lenta, demorou uns cinco minutos até
perceber que as piadas do traveco ela para ela. Até que revidou:
— Tá rindo do quê ridícula?! Vem cá, que eu vou te dar
uns tapas! — bradou. O travesti, do outro lado da rua, tirou o salto e olhou
para os dois lados, para se certificar que não havia nenhum carro.
— Gente, ele ta vindo pra cá. — disse Márcio, com medo.
— Deixa esse travesti me bater, que eu jogo ele na
cadeia, enquadrado na Maria da Penha.
— Maria da Penha, Valeska?! — questionei, de olho no
traveco, que tentava atravessar a rua. — Primeiro de tudo, você agora é um menino.
Seu nome é GUSTAVO. Segundo: quem vai pra cadeia é você. E terceiro, corre,
negada, que a trava ta vindo pegar a gente!
Começamos a correr. O sinal fechou e o travesti
atravessou a rua, finalmente, e começou a nos perseguir. Enquanto fugíamos, não
pude deixar de dar uns tabefes na Valeska, ops, no Gustavo, pra ele deixar de
ser uma anta.
Despistamos a criatura.
☺
PALAVRAS
DE LARA PACHECO
Sheila estava
estranha comigo. Muito calada. Não deixava que eu chegasse perto da Clarinha.
Aquela menina, por mais que fosse sua filha, jamais teve atenção da mãe. E eu
estava com pena dela.
Estava também amedrontada. Tinha medo que Sheila
descobrisse que Márcio havia pulado o muro do quintal e falado comigo no dia
anterior àquele e tentasse algo contra ele, que nada com aquela história tinha
a ver.
***
Quando caiu a madrugada, ouvi uns ruídos estranhos vindo
da sala. Como eu não conseguia pregar o olho, aterrorizada com aquela gorda, e
ainda pensando em Douglas e no meu pai, qualquer barulhinho que fosse me fazia
acordar.
Os ruídos eram feios. Pareciam gemidos, com estalos e um
som que parecia que a pele de alguém estava sendo chicoteada. Quando lembrei
que Sheila poderia estar fazendo algo contra sua filha Clara, caí da cama e
corri até a sala.
Desci lentamente as escadas. Ouvi o som de um vaso caindo
e quebrando. Papai adorava aquele vaso
que sempre ficava na sala. Parei alguns instantes, pois estava com tanto
medo que me faltou fôlego.
Finalmente cheguei à sala. Deparei-me com Sheila beijando
um cara. Ela parecia que ia devorar ele, literalmente. O rosto dele estava todo
babado. Eles se amassavam, se jogando pela sala, de uma maneira tão selvagem
que parecia uma briga. O felizardo amante de Sheila era um rapaz negro, forte,
que tinha uns 18, 19 anos, e vestia uma camisa do Fortaleza Sport Club,
vermelha e azul.
Quando perceberam que havia mais alguém na sala, no caso
eu, o cara olhou em direção a escada, onde eu estava parada observando tudo.
Seu rosto então me pareceu familiar.
Lembrei da minha infância, do celular roubado, que depois
apareceu. De um carinha que sempre andava com o Douglas. Era um pequeno
marginal, já naquela época, e agora estava na minha casa, ocupando o lugar que
era do meu pai: JOÃO PAIXÃO.
— PEGA ELA! — gritou Sheila, apontando para mim.
NOVELA ESCRITA POR MÁRCIO GABRIEL
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE FÉLIX CRÍTICA
COPYRIGHT© TVV VIRTUAL 2014, TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO E NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A REALIDADE
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE FÉLIX CRÍTICA
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ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO E NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A REALIDADE