segunda-feira, 28 de julho de 2014

Duas Faces no Espelho - Capítulo 07


CAPÍTULO 07

Lucas ficou observando o rosto pálido da sua esposa, desmaiada em seus braços, sem saber direito o que fazer. Depois chamou por Vanessa, mas era certo que a babá deveria estar no andar inferior junto com o bebê e Amélia. Segurando-a contra seus ombros, usou a mão direita para alcançar o celular. Ligou mais uma vez para Dante, mas ele não respondeu. Ergueu-a, então nos braços e a colocou sobre a cama. Depois puxou a coberta e a cobriu. Posicionou melhor seu pescoço no travesseiro e tirou no rosto, alguns fios de cabelo. Foi então que a cicatriz na testa de Liz chamou sua atenção. Sua esposa havia comentado que fora apenas um arranhão, mas aquilo era muito diferente. Parecia ter sido algo sério, como se alguém a tivesse espancado. Algo estranho e misterioso estava acontecendo com Liz. E o mistério que a envolvia era algo que começava a perturbá-lo mais do que imaginaria.

Essa mulher parecia muito diferente da mulher com quem vivera os últimos anos. Liz antes tinha uma personalidade ácida e fútil, preocupava-se somente com ela e era perigosa. Lucas sabia do caso de Liz com Dante, mas em respeito ao velho Eagleton, resolveu permanecer calado, observando tudo o que acontecia. Também sabia que Liz detestava e repudiava Eagleton porque ele havia desperdiçado a sua riqueza e agora deixara toda a família empobrecida. Quando Eagleton fora assassinado, Lucas não deixou de ter uma centelha de dúvida em sua mente. Desconfiou, não pode evitar, de que fora Liz a mandante do assassinato. No dia do funeral, Liz apareceu com um provocante vestido vermelho, pintada exageradamente. Enquanto todos choravam quando o corpo estava sendo cremado, Liz gargalhou alto e, quando Lucas a repreendeu com o olhar, Liz berrou que o velho morrera em tempo.

Lucas não desejara a morte de Eagleton e nem queria que ele se fosse, afinal o respeitava, tinha-o como a um pai. Mas, de certa forma, a morte de Eagleton liberava-o daquele casamento. Havia dito a si mesmo que, depois da homenagem ao sogro, iria encaminhar o pedido de divórcio, não importando o que Liz fizesse, mas a verdade era que agora mostrava-se abalado pelas artimanhas de Liz. Nos últimos três dias, Liz havia se transformado de megera a esposa recatada, filha carinhosa e, principalmente, mãe preocupada. Pareciam duas pessoas totalmente diferentes: essa Liz de agora e a outra anterior. Entretanto, se havia uma coisa que Lucas admirava na Liz anterior era a força. Liz sempre fora dona do próprio nariz, intimidadora, sempre sabia o que queria e o que tinha que fazer para conseguir. Essa Liz, pelo contrário, parecia confusa, fraca, ingênua, uma mulher completamente opaca e submissa.

Sabia que ela havia desmaiado porque ele a estava pressionando. A Liz de antes jamais faria uma coisa assim. Ela o provocaria, não ficaria acuada como um bichinho que apanhou muito de seu dono. E, ainda por cima, Liz havia dito um nome: Brade. Suplicou para que não a machucasse, como se Lucas fosse esse tal de Brade.

Seria um novo amante de Liz? Talvez um amante perigoso, um amante que possa estar causando toda essa mudança de comportamento? Talvez sim, pensou Lucas, meio amargurado. E levantando-se, resolveu abandonar o quarto. Se Liz estivesse em apuros, ela que resolvesse os próprios problemas. Já estava farto disso.

Entretanto, apesar de já ter resolvido em sua consciência que seu casamento estava fadado ao término, não poderia deixar de sentir um certo apreço pelo que Liz fizera durante todo aquele dia: a homenagem a Eagleton e o cuidado com Jr. Era um jogo, ele o sabia, mas não conseguia deixar de sentir abalado.

Por causa disso, Lucas retornou e sentou-se numa poltrona ao lado da cama de Liz.  Depois de zelar o sono de sua esposa por muitas horas, Lucas resolveu deixar o quarto. Estava claro que Liz não passava mal, apenas dormia.

Alis acordou muitas horas depois sobressaltada. Por um minuto achou que acordaria em seu casebre, ao lado de um homem vil prestes a espancá-la. Mesmo depois de perceber que estava na cama de Liz, o medo que parecia ter penetrado sua pele não a deixou. Escutou o bebê chorar e levantou-se sem poder evitar. Cruzou o corredor e adentrou o quarto de Jr. Aproximou-se do berço e retirou o bebê. Ninou-o com carinho nos braços e quando o bebê pegou novamente no sono, depositou-o cuidadosamente na sua caminha. Sorrindo, Alis virou-se, sobressaltando-se ao perceber Lucas logo atrás de si.

- O que está fazendo aqui? – falou Lucas num tom baixo e grave, não querendo acordar o bebê.

- Eu... er... – Alis não sabia o que dizer ou fazer. Tinha medo de Lucas, tinha medo que ele a machucasse, não podia evitar. Parecia ver Brade nele e, cambaleando, deu dois passos para trás. – Eu ouvi o bebê chorar... me desculpe...

Alis ficou ali parada, tremendo dos pés à cabeça, sem conseguir se controlar. Por outro lado, Lucas observava a frágil figura a sua frente. Não poderia ser somente um joguinho psicológico de Liz. Não havia ninguém no quarto, nem ela havia percebido que ele a observava. Não havia ninguém para ver o showzinho. Seria sincero aquele carinho, aquela preocupação por Júnior?

– Por favor, deixe-me ir, não me machuque...

Lucas franziu o cenho, sem entender, enquanto esquadrinhava o rosto de Liz. Ela estava visivelmente transtornada, segurava-se para não chorar e não sair correndo e gritando como se ele fosse machucá-la.

- Alguma vez eu já te machuquei, Liz? – falou Lucas, num tom aborrecido, mas calmo o suficiente para abrandá-la. –E quem é Brade?

Alis ficou ainda mais pálida. Brade? Ele a escutou dizendo Brade? Como é que ela explicaria isso?

- É seu amante... esse Brade?

Lucas previu que Liz desmaiaria novamente e rapidamente a segurou nos braços.

- Não... dessa vez não! – falou Lucas, sustentando Alis como se ela fosse um bebê. – Respire, Liz... respire.

Alis obedeceu com uma certa dificuldade. Estava mole, completamente entregue nos braços de Lucas que a segurava. Ela mantinha a cabeça apoiada no amplo ombro de Lucas e com a pequena mão sobre o próprio peito, concentrava-se na respiração. Ainda assim, sentia seu corpo todo amolecendo, o breu se aproximando.

Como que para interromper o desmaio de Liz, Alis viu os lábios de Lucas se aproximando e tomando os seus. Ela sentiu no mesmo instante um arrepio percorrendo seu corpo e aquela energia, de certa forma, animou-a. Depois de vários segundos quando Lucas interrompeu o beijo, Alis já não se sentia tão fraca, mas seu coração parecia querer irromper pela boca e saltar de seu próprio corpo. Alis só havia sido beijada por duas pessoas em toda vida: seu padrasto que a violentou pela primeira vez quando ela tinha apenas doze anos e seu marido Brade. E nunca nenhum dos dois havia mostrado tanta ternura e tanta paixão em um só gesto. E apesar de Alis estar corada e envergonhada, não conseguia tirar os olhos dos olhos do marido de sua irmã.


- Eu nunca a machucaria...- falou Lucas para tranquilizar a mulher que ele segurava nos braços, certo agora de que aquela mulher não era sua Liz. Sua Liz era avassaladora, apaixonante, capaz de levá-lo a loucura, mas também podia ser fria e calculista. O beijo daquele mulher revelava claramente que ela era tímida e ingênua, alguém que desejava ser amada, alguém romântica e inocente. Fora um beijo terno e gentil como nunca dera em Liz e como nunca recebera de Liz. Aquela mulher, portanto, não era Liz.