PALAVRAS
DE LARA PACHECO
A minha casa só
não era tão vazia porque eu tinha a minha meia-irmã, a Clarinha, para me fazer
companhia. Contudo, a convivência com Sheila não era as das melhores. Toda hora
ela jogava na minha cara que o meu pai morreu por culpa da minha fuga para o
Rio, e eu sabia, lá no fundo, que não era verdade.
Todas as manhãs, quando ia trabalhar, Sheila se
certificava de que as portas e os portões da que poderiam me levar para fora
daquela casa estavam todos trancados, assim impedindo uma possível e nova fuga
minha. A gorda me deixava sozinha com a Clarinha, trancada naquela casa, e sem
poder receber nenhum amigo, sem internet e sem o telefone.
Naquele dia, Sheila saíra apressada.
Olhei se Clarinha dormia no berço, desci as escadas e
corri para a sala, onde o telefone me esperava. Estava desbloqueado. A linha
funcionava.
Disquei rapidamente o número do telefone da casa de
Márcio QI. Uma mulher atendeu do outro lado da linha.
— O Márcio está?
— Quem deseja?
Preferi
não me identificar. Acreditava que, por esse meio tempo em que eu estive no
Rio, as fofoqueiras já haviam trabalhado em acabar com o resto de reputação que
eu tinha. A mãe de QI, então, ficou encafifada, mas chamou o filho para atender
ao telefone.
—
Oi.
Quando
eu ouvi sua voz pelo outro lado da linha, eu senti um pequeno arrepio. Era uma
boa sensação. Eu senti um alívio, eu parecia estar feliz depois de tantos dias
trancafiada naquela casa. O que quer que fosse, sua voz fez com que eu me
sentisse um pouco mais segura.
—
Márcio, sou eu, Lara. Olha, eu sei que eu não tenho o direito, mas... — as
palavras estavam engasgadas em minha garganta — eu preciso muito de sua ajuda.
—
A Sheila tá te maltratando? Por que você
não me ligou antes? Você sabe que pode contar comigo pra tudo! — disse ele.
Esbocei
um pequeno sorriso no meu rosto e o desfiz quando ouvi um barulho vindo da
porta. Os passos estrondosos de Sheila estavam tão próximos que não deu tempo
eu colocar o telefone de volta no gancho e correr de volta para o meu quarto.
Assustada, apenas fiquei olhando fixamente para o rosto
da madrasta gorda, que bufava furiosa pelas suas ventas. Ela exalava uma ira
típica daquelas pessoas que não gostavam de ser contrariadas.
— Eu te dou uma colher de chá e é isso o que você faz não
é, vadiazinha? Ligou pra quem? — perguntou e eu fiquei em silêncio — LIGOU PRA
QUEM? — voltou a perguntar, agora histericamente, me sacudindo com as duas
mãos.
— Não te interessa!
— Se a polícia bater aqui, Lara, você tá frita.
— Cárcere privado é crime. E eu ligo pra quem eu quiser.
A casa é minha, o telefone é meu.
— A casa é sua? — gargalhou — Querida, nem a calcinha com
que você tá vestida é sua.
Ela se aproximou. Eu podia sentir o ar quente saindo das
suas narinas. Sheila não gostava de ser contrariada. E, quando pensei que o
pior fosse acontecer, ela apenas arrancou o telefone das minhas mãos, deu meia
volta e saiu.
Agora era rezar para Márcio ter entendido algo.
☺
PALAVRAS
DE MÁRCIO FERRARI
Fiquei um pouco
desesperado quando a ligação de Lara caiu repentinamente e eu não consegui
contata-la novamente. Contudo, sabia que até aquele momento, pelo menos, Lara
Pacheco estava bem.
Peguei rapidamente minha carteira (que nem tinha
dinheiro) e saí da minha casa, pois iria até a casa de Lara custasse o que
fosse.
***
Cheguei lá. Bati palmas e não escutei nenhuma resposta.
Quando estava quase desistindo e virando as costas para ir embora, ouvi uma
voz. Ela vinha de uma janela, da parte de cima da casa.
—
Ei, aqui! Me ajuda! — disse ela, um
pouco baixo, mas o suficiente para que eu pudesse ouvir.
—
O que aconteceu, Lara? Por que você tá presa aí?
—
A Sheila tá me maltratando. Cara, eu tô
com muito medo do que ela pode fazer comigo. Sabe se lá Deus o que ela fez com
o meu pai. Pode ser que aconteça algo parecido...
—
Calma! Eu vou te tirar daí — tentei deixa-la mais calma, mas eu estava tão
nervoso quanto ela — Eu já volto.
Corri
para a outra rua, a qual havia um terreno baldio e um muro muito alto que dava
para o quintal da casa de Lara. Dava se alguém pulasse.
Eu
pularia.
Mesmo
que, quando pulasse, não fosse saber o que fazer.
***
Entrei no terreno abandonado. Havia um cheiro de podre
quase insuportável. Parecia que alguém havia sido morto e jogado ali no meio
daquele matagal. Andei em frente, tentando chegar no muro do quintal da casa de
Lara, tentando não prestar atenção nos detalhes fedidos ao meu redor.
No fundo, minha vontade era de sair correndo dali daquele
amontoado de germes e bactérias. Contudo, me lembrar que Lara estava precisando
de mim me fazia esquecer de tudo.
Finalmente cheguei no muro. Era bem alto. Não estava
rebocado e alguns dos tijolos expostos tinham alguns pequenos furos,
provavelmente quebrados por algum vagabundo que outrora estivera ali para a
mesma coisa que eu: pular.
Usei os buracos dos tijolos para escalar. Coloquei um pé,
outro e calmamente tentei me firmar com as mãos em outros buracos no muro antes
de dar um impulso e escalar. Consegui subir um pouco, mas me desequilibrei e
caí.
E isso se repetiu por mais cinco vezes antes de eu
desistir.
☺
PALAVRAS
DE GABI CARVALHO
Era férias e
todos sumiram. Eu passava o dia todo dentro de casa, preocupada com a Valeska,
que naquele dia seria transferida para o internato, e pensando em procurar a
Lara.
Mas eu não a procuraria. Lara foi muito bocó com todos
nós. E mais bocó estava sendo o Márcio, que ficava direto na cola dela.
Sim, eu confesso que estava com pena dela. Perder o pai e
ficar sob a guarda de uma mulher sem nenhum escrúpulos eu não desejaria nem
para o meu pior inimigo. Porém, eu acreditava que não poderia fazer nada por
ela, para resolver toda a situação.
Talvez eu estivesse enganada.
Bom, naquele dia, depois de preparar o jantar, o qual eu
não comi, dei um beijo no rosto da minha mãe e fui dormir. Eu não estava com
saco nenhum, pra nada. Era como se um pedaço meu estivesse faltando e sem ele
eu não pudesse mais ter razão pra viver.
Como eu sentia falta daquela doida da Valeska!
Abri a janela do meu quarto e esperei que o vento
entrasse e levasse aquele calor dos infernos embora. Minha mãe não gostava que
eu fizesse isso porque sempre eu esquecia de fechar a janela e aquilo era um
prato cheio para os marginais entrarem na minha casa.
Acabei dormindo e esqueci de fechar a janela. Bom, na
verdade eu não fechei por preguiça. Quando eu comecei a pegar no sono, senti
preguiça de m levantar só pra fechar aquela droga.
E, venhamos e convenhamos, corria um ventinho tão bom que
seria um pecado acabar com ele. Resumindo: dormi com um peso na consciência,
mas a preguiça fala mais alto que qualquer coisa.
Acordei com alguém me sacudindo. Meus olhos estavam tão
pesados de sono! Parecia que eu não dormia há dez anos e, todos sabem que meu
sono é como o número 8: se deitar, vira infinito.
— Ai, mãe, foi mal. Depois... depois eu fecho a janela. —
balbuciei, colocando o travesseiro na cabeça.
Ouvi o barulho da janela fechando e me tranquilizei, pois
achei que realmente era minha mãe que estava no quarto. Só que, em seguida,
ouvi o som da chave girando e trancando a porta do quarto.
Assustei-me. Lentamente, levantei minha cabeça e abri os
olhos. Já estava um pouco escuro. Peguei o celular e com a luz do visor apontei
para a porta. Dei de cara com a última pessoa no mundo que acharia que fosse.
E, talvez, uma das primeiras que eu queria ver.
Corri até Valeska e a abracei.
— Sua vaca! — dei dois tapinhas nas costas dela — Quer me
matar de susto?! Pera, você saiu do reformatório? Descobriram que você é
inocente? Ai, eu não tô entendendo mais nada!
Ao contrário de mim, Valeska não sorria. Parecia não
estar feliz.
— Eu fugi. — respondeu, finalmente — Foi o único jeito,
Gabi. Eu não quero pagar por algo que eu não fiz!
Chocada, me sentei na cama. Ela acendeu a luz do quarto,
no interruptor, e sentou ao meu lado, em seguida.
— Agora eu vou ter que ficar fugindo da polícia. Acho que
eu vou tentar suicídio. — continuou ela.
Dei um cascudo nela. Já estava com saudades.
— Mulher, deixa de ser bocó! Você fugiu, pronto, tá
fugida. Eu já falei que a Sheila vai pagar por essa babaquice que ela fez. Só
que você não teve paciência, né?
— E o que é que eu faço? Eu fiquei desesperada! Você sabe
que eu não sou louca e nem assassina!
— Realmente... — fiquei pensativa por alguns instantes —
Tive uma ideia. — entreguei o meu celular a ela — Olha, aproveita que eu tô com
bônus e tenta ligar pro Márcio. Quando ele atender, pede pra ele aguardar na
linha que eu vou lá na cozinha buscar alguma coisa pra você comer.
Saí do quarto, rapidinho, e deixei Valeska sozinha ao
telefone.
☺
PALAVRAS
DE MÁRCIO FERRARI
“Eu sou brasileiro
e não desisto nunca”, eu pensava, enquanto tentava escalar pela milésima
vez aquele muro. Todo o sofrimento por causa de todas as tentativas anteriores
virou sangue nos meus olhos. Eu estava disposto. Estava quase conseguindo.
Minha mão direita já alcançava o topo do muro. “Força, QI!”, pensei enquanto as reunia para finalmente me apoiar no
tão desejado topo do muro do quintal da Lara.
— CONSEGUI! É PRA GLORIFICAR DE PÉ! — gritei, vitorioso,
colocando os braços para cima.
De repente, um susto. Algo vibrou repentinamente dentro
das minhas calças. Com o susto, dei um pulo de cima do muro e caí. A parte boa
foi que caí para dentro do quintal.
Comecei a remexer minhas calças, ainda quebrado da queda.
Era meu celular: Gabriela Carvalho chamando.
“Por isso que odeio
celulares”, pensei.
NOVELA ESCRITA POR MÁRCIO GABRIEL
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE FÉLIX CRÍTICA
COPYRIGHT© TVV VIRTUAL 2014, TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO E NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A REALIDADE
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
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