CAPÍTULO 08
Alis não sabia o que dizer, nem o que fazer, mas aquela proximidade de
Lucas que a sustentava firmemente em seus braços a desconcertava. Ainda sentia
em seus lábios o beijo que ele surpreendentemente lhe dera. Nunca havia sido
beijada daquela forma. Não com aquela ternura e carinho e imaginava que Liz era
uma mulher abençoada por tê-lo como esposo. Não podia imaginar isso dele, logo
de Lucas que parecia um homem tão ameaçador e inquisidor, observando a tudo e a
todos como se fosse um falcão prestes a atacar uma presa. Mas agora não. Ele a
observava, sim, cautelosamente, Alis podia sentir os olhos de Lucas em seus
rosto, esquadrinhando-a, tentando desvendar seus maiores segredos, mas ao mesmo
tempo, passava-lhe calma, ternura, preocupação. Algo havia mudado nele. E Alis
agradeceu a Deus por isso. Estava se sentindo fraca, exausta, e não poderia
participar de uma guerra psicológica naquele momento, pois, desmaiaria, ou
acabaria contando toda a verdade sobre ela e Liz.
- Você está melhor? – perguntou Lucas, sem tirar os olhos de Alis.
Alis assentiu com a cabeça. Mantinha seus lábios bem grudados um no outro, com medo que ele tentasse novamente beijá-la e ao mesmo tempo, secretamente, desejando que o fizesse. Uma vozinha na sua consciência, entretanto lhe dizia: “o que está acontecendo com você? Ele é o marido de sua irmã e seu marido a aguarda em casa!”. Ela sentia-se como a Cinderela a aguardar pela última badalada da meia-noite, quando todo o encanto se dissiparia e ela voltaria para a miséria.
- Vou levá-la para a sua cama, então... – comentou Lucas e antes que Alis pudesse fazer qualquer coisa, já havia sido erguida nos braços daquele homem que a sustentava como se ela fosse não mais pesada do que uma pena.
“Essa mulher deve ter uns dez quilos a menos que Liz!”, pensava Lucas enquanto atravessava o corredor de sua mansão e adentrava no quarto de Liz. “Como eu não percebi antes que se tratava de outra mulher?”, continuava Lucas a pensar, enquanto colocava a sua falsa esposa delicadamente sobre a cama. Aquela mulher estava tão fraca que tinha medo de machucá-la. Não conseguia entender como essa mulher poderia ser tão parecida com Liz, mas agora que havia constatado a diferença, estava cada vez mais claro para ele. Era alguma armação de Liz. Não havia dúvida. Provavelmente Liz havia contratado essa mulher para que se passasse por ela. O problema era descobrir até onde essa falsa Liz estava envolvida e qual o seu propósito. E enquanto não conseguisse descobrir, manteria aquela farsa. De qualquer forma, tinha pena daquela moça. Algo muito errado havia acontecido com ela para que ela se acuasse apavorada ao menor sinal de enfrentamento. E havia também a cicatriz na têmpora que indicava que alguém a havia machucado. Sendo uma farsante ou não, era seu dever ajudá-la.
- Quer que lhe traga um chá? – perguntou ele, enquanto cobria a garota com os cobertores. Ela parecia estar muito nervosa ainda, mas já não respirava com a dificuldade de antes.
- Não, obrigada. Não quero dar trabalho... – falou Alis, sinceramente. Agradecendo o cuidado de Lucas.
Lucas saiu do quarto que estava na penumbra. Alis imaginou que ele não voltaria mais, mas depois de alguns minutos, ele retornou, com uma xícara na mão.
- Oh... eu não queria... que se incomodasse... – falou Alis, ajeitando-se na cama para receber o chá.
- É camomila e erva-doce, Liz! Vai ajudá-la a se acalmar. – Falou Lucas, sentando-se na beirada da cama. Lucas percebeu que cada vez que ele chegava perto dessa ‘falsa Liz’ ela parecia mais nervosa, como se tivesse medo dele, ou de homens em geral.
Ela concentrava-se firmemente em tomar o chá, evitando olhar para ele. Não poderia mesmo ser Liz. Sua esposa só tomava chá com xerez, muito xerez. Mas era muito fácil confirmar essa teoria.
- Eu sinto muito por estar agindo como um idiota nos últimos dias. Sei que Lucas é seu bebê e como mãe, você tem o dever e o direito de estar com ele.
O rosto da falsa Liz se iluminou de repente. Era algo que jamais empolgaria Liz que fazia questão de deixar claro o quanto repudiava o bebê. Mas não bastava para ele. Ele precisava ir mais fundo nessa história.
- E para compensar pelo meu comportamento ultimamente, estava pensando que já é hora de tirarmos a nossa segunda lua de mel e tentar resolver nossos problemas. Você tem cobrado tanto isso de mim e agora que já fizemos a homenagem a seu pai, poderemos desfrutar de umas férias com mais tranquilidade.
- A-acho que sim... – respondeu Alis, sem saber direito o que dizer. Mas férias era uma boa coisa. Talvez fosse a solução para os problemas conjugais de Liz e Lucas passarem tempo juntos em férias.
- Então... que tal irmos para o mesmo lugar? – perguntou Lucas, de forma
bem capciosa, notando cada expressão no rosto da garota. – Você se apaixonou
pela Índia na nossa primeira lua de mel. Achei que aquele país paradisíaco
poderia fazer bem a nós dois.
- Er... sim... creio que sim... – falou Alis um pouco insegura. Liz não havia comentado a ela onde passara a lua de mel com Lucas, mas achava que qualquer lugar seria perfeito para que um casal pudesse se reencontrar e se Liz havia se apaixonado pela Índia, ficaria muito satisfeita com aquelas férias. Assim que a viagem fosse marcada, Alis deveria alertar a irmã. Talvez devesse fazer isso antes que ela tomasse qualquer decisão. Precisaria fazer a troca com Liz e deveria ser amanhã mesmo. Sentiria falta dos cuidados que tinha na mansão Trevor, mas era seu dever para com sua irmã que a colocara ali em primeiro lugar. – Acho que uma viagem a Índia seria muito legal!
Lucas sorriu tentando fingir apenas um leve contentamento. Na verdade, ria sarcasticamente por dentro. A sua lua de mel com Liz fora em Paris. Era ele quem queria ter ido para a Índia, mas Liz falou que ‘jamais poria os pés naquele país horroroso’. Liz estava muito mais interessada em gastar dinheiro nas lojas de roupas e perfumes do que passar o tempo com Lucas. Já na lua de mel, teve a primeira indisposição com Liz que não pararam desde então.
- Ótimo... assim que marcar, eu lhe direi... – falou Lucas, levantando-se satisfeito: havia constatado e confirmado que aquela garota não era Liz. Agora só faltava descobrir quem era ela e o que ela fazia ali, na cama de sua esposa, tentando passar por alguém que não era.
[...]
Alis acordou um pouco mais tarde do que o seu habitual, remexendo-se
preguiçosamente na cama macia e confortável da sua irmã. Também pudera o dia
anterior havia passado num turbilhão de emoções. Primeiro, havia cantado e
tocado piano na frente de uma pequena multidão, dentre os quais, estavam as
figuras mais importantes da cidade. Depois, foi ameaçada pelo suposto amante da
irmã, ajudou seu querido sobrinho e quase desmaiou duas vezes nos braços de
Lucas. Bem, se a segunda vez não desmaiou foi graças ao marido da irmã que,
repentinamente, mudou o comportamento para com Alis de inquisidor para
preocupado e carinhoso.
E aquele beijo? Ainda podia sentir aquela energia perpassando seu corpo como se ela pertencesse somente a ele. Sentia-se mal por pensar desse jeito. Seu marido era Brade. Ah, como queria que Brade fosse como Lucas. Que fosse preocupado com ela, que a acalmasse, que lhe trouxesse chá no meio da noite, que a sustentasse nos braços quando ela se sentisse fraca. Brade não era assim, pelo contrário. Era depois que Alis caia no chão, fraca, assustada e desesperada, que ele costumava intensificar os castigos que dava a ela. Eram chutes, arranhões, puxões. Era uma vida de terror que vivia. O problema é que se habituara. Achava por fim que tinha sorte em ter Brade, pois sem ele não teria mais ninguém – a não ser é claro a Ir. Ágatha.
Agora que descobrira, através de Lucas, que um homem poderia ser forte e
ao mesmo tempo carinhoso e protetor é que percebeu o quanto sua vida fora da
mansão Trevor era miserável, não em questões financeiras, pois não ligava para
isso, mas em questões românticas.
Ainda assim, aquela vida é que era a sua e não essa de lençóis finos e
cobertores confortáveis. De homenagens chiques e chás servidos à cama durante a
madrugada. Sua vida era trabalho e sobrevivência e ela, mesmo ao trancos e barrancos,
era uma sobrevivente. E pensando assim, tomou coragem para finalmente
levantar-se, arrumar a cama e aprontar-se. Já era quase dez horas quando desceu
as escadas. Por sorte, conseguiu pegar Lucas na sala de jantar tomando o
desjejum antes que ele saísse.
- Uhm... finalmente acordando um pouco mais tarde. Deve estar melhor – falou Lucas, tentando ser cordial.
- Sim, estou. Obrigada por ter me dado chá ontem a noite. Eu dormi muito bem depois disso.
- Não há de quê! – falou Lucas, imaginando que Liz jamais tomara um gole
de chá sem alguma coisa alcoólica junto em toda a sua vida.
Alis olhou para Lucas tentando memorizar seu rosto. Depois do café, iria para a escola novamente e então, contaria sobre a viagem para Liz e destrocaria com ela. Já era tempo e a homenagem já havia passado. O trato inicial era esse. Ficar para a tal homenagem. Mas não queria esquecer Lucas. Não sabia direito porquê, mas se não retornasse àquela casa, se Liz não quisesse apresentá-la como sua irmã à sua família, então teria que se afastar de uma vez por todas de Lucas, de Amélia, do bebê e de Dunga. Era verdade que com Dunga tivera pouco contato, mas Amélia, a mãe de Liz, o bebê Lucas e o próprio Lucas ficariam para sempre na memória dela, apenas dos poucos dias de contato.
Imaginar que talvez nunca mais fosse ver os olhos verdes de Lucas
faziam-na suspirar tristemente, como se estivesse prestes a perder algo muito
valioso.
- Você está bem, Liz? – perguntou Lucas, percebendo que a ‘falsa Liz’ suspirava desanimada, olhando para ele com admiração.
- Não é nada... só que... – Alis parou. Não poderia completar aquela frase “... só que não sou Liz, sou a irmã dela”. – não é nada...
A garota parecia prestes a lhe contar algo. Talvez o fizesse se tivesse mais pressão, mas Lucas precisava ser cauteloso.
- Vou ficar o dia inteiro na empresa. Tenho uma reunião atrás da outra, Liz. Mas a noite, gostaríamos que jantássemos juntos, se não se importar. – falou Lucas, olhando atentamente para ver a reação da ‘falsa Liz’. Ela não parecia aborrecida.
- Acho que será bom, passarmos um tempo juntos. – comentou Alis, meio tristonha, imaginando que à noite, Liz já estaria de novo em seu lugar e que ela, Alis, voltaria a Brade, tão diferente de Lucas. Seu marido violento e brutal.
Ao mesmo tempo, Lucas sorria vitoriosamente. Era mentira que passaria o dia na empresa. Já havia ligado para o escritório e desmarcado todos os compromissos. Naquele dia, Lucas concentrar-se-ia em seguir a `falsa Liz` e descobrir quem era aquela mulher misteriosa e frágil.
O que ambos não sabiam é que seus planos iriam mudar drasticamente...