sexta-feira, 18 de julho de 2014

Duas Faces no Espelho - Capítulo 03


CAPÍTULO 03

Alis acordou cedo. Nunca tivera uma noite tão maravilhosa. Pelos lençóis macios, os travesseiros cheirosos e suaves, o tempo que passou com o sobrinho e, principalmente, pela ausência de Brade. Mas tinha preocupação com a irmã. Teve que resistir a tentação de ligar para ela.

Levantou-se e arrumou a cama, terminava de alisar a última dobra quando Lucas surgiu no quarto. A princípio ele veio falar algo, mas ao ver que ela arrumava a cama, parou boquiaberto.

- Eu vim acordar você... sua amiga Lisa está aí... parece que o resultado do divórcio saiu e ela está chorando lá embaixo, fazendo o maior escândalo... Sabe, em cinco anos de casamento, nunca vi você acordando antes das 10 e nunca vi você fazendo sua própria cama. Acho que algo de muito importante está acontecendo com você...

- Er... – Alis não sabia o que dizer. Sua irmã não falou nada sobre horários, agora percebeu que ela não lhe falara porque não havia horários na vida de sua irmã. E também sua irmã não lhe falara nada sobre essa tal de Lisa. – São nove horas... já é tarde pra mim – falou Alis, sorrindo graciosamente. E passando por ele, saiu do quarto.

Já no hall da escada viu a tal amiga no sofá no piso inferior. Era uma mulher loira e bem vestida, mas chorava exageradamente, chacoalhando todo o corpo. Dunga estava no sofá ao lado da mulher e, olhando para Alis, fez uns trejeitos gozando da mulher que parecia desesperada.

Alis desceu rapidamente a escada e quando pisou o último degrau, a mulher já estava sobre ela, enlaçando seu pescoço.

- Ah, Liz... Liz... você não vai acreditar... – disse a mulher chorando. – Nós precisamos conversar. Será que podemos conversar em particular?

Alis olhou para Dunga que ria ironicamente, imitando a mulher às suas costas.

- Claro, vamos até meu quarto. – falou Alis, querendo ser amigável.

- No seu quarto? – falou a mulher, estranhando a sugestão. – Sempre vamos ao ateliê.

“Ateliê?”, pensou Alis, desconcertada, “Liz não comentou sobre nenhum ateliê”.

- Er... claro, vamos... você na frente. – falou Alis, nervosa. Felizmente, a mulher passou a sua frente e entrou por um corredor que havia embaixo da escadaria. Passaram por muitos aposentos que Alis teria que visitar depois até chegar a um enorme ateliê.

Era um quarto grande, recheado de telas e quadros pendurados por todo o lado. Havia tintas e telas inacabadas e muitos dos retratos mostravam Liz e Dunga juntos, abraçados. Finalmente havia descoberto o que fazia sua irmã: era uma artista plástica... e seus quadros eram belíssimos. Cores em tons escuros com jogo de luz nas faces retratadas. Mas eram todos quadros tristes. O rosto da irmã aparecia sempre com um olhar distante e entristecido. Aquele lugar era mágico e, tocada pela aula daquele ambiente, seus olhos encheram-se de lágrimas.

- Ah, amiga, está chorando por mim. Eu não podia imaginar que você ficaria tão chateada quanto eu. – Lisa falava, ainda banhada em lágrimas. Parando vez ou outra para respirar ou assear o nariz num pequeno lenço – É um desastre. Eu estava quase ganhando. Arrancaria milhões daquele muquirana. Mas o desgraçado apareceu com fotos de mim com o Ruan. Que droga, Liz, como Tomas pode ter descoberto que eu tinha um caso com o Ruan. Somente eu e você sabíamos. Você não diria isso a Tomas, não é?

- Não.. não, óbvio. Eu jamais faria isso a uma amiga. – falou Alis, sinceramente, mas não tinha a certeza se Liz seria capaz de fazer algo do tipo.

A conversa com Lisa durou quase toda a manhã. Ela chorou e reclamou e ficou contando detalhes sobre seu caso com um tal de Ruan que era seu motorista e segurança e, não por coincidência, era irmão de Raul, o motorista de Liz e único que sabia quem era ela.

Muito perto do meio-dia, uma mulher de meia idade veio anunciar que o almoço estava servido. Alis convidou Lisa para almoçar, mas ela resolveu ir embora.

- Eu preciso ir. Preciso empacotar tudo e voltar para o apartamento de mamãe, afinal. Bem, só passei aqui para conversamos mesmo. Mas vou embora um pouco preocupada com você, você está distante, distraída, magra e esse cabelo? O que está acontecendo com você, querida? Você precisa tomar cuidado com as dietas malucas que você está usando e não deixe Lucas desconfiar do seu affair, não seja idiota como eu.

Alis arregalou os olhos surpresa com aquela informação. Estaria Liz tendo um caso com alguém como Lisa? Sua irmã deveria ter lhe dito. Mas é claro, poderia ser apenas uma brincadeira de Lisa e, por isso, sorriu, abraçou a nova amiga e deixou-a partir.

Foi fácil descobrir onde era a sala de jantar, bastou escutar o tilintar dos pratos e talheres, mas ficou um pouco apreensiva ao entrar na sala, por ver que todos já almoçavam. Na mesa, Lucas estava sentado a cabeceira. No lado direito, havia um lugar vago que provavelmente seria para Liz. Defronte ao lugar de Liz, uma senhora de meia idade estava sentada. Era a mãe de Liz, uma mulher muito elegante, magra, de cabelos loucos e olhos verdes, muito parecida com Dunga que estava ao seu lado.

- Com licença – falou Alis e sentou-se ao lado de Lucas. A comida era muito estranha e toda enfeitada e teve um pouco de dificuldade em saber o que fazer. Mas, observando Lucas, comeu o que podia, saboreando os pratos.

- Que bom que resolveu se juntar a nós, querida – falou Amélia, mãe de Liz. – Você está tão magra. Deve parar com essa dieta. Há dias que não vejo você comer com tanto gosto quanto agora.

- Está tudo delicioso...er... mãe.. – falou Alis, sorrindo, mas percebeu que cometera uma gafe, pois tanto Lucas, quanto Dunga e a mãe de Liz pararam o que comiam para olhar para ela.

- Mãe? – Amelia disse, parecendo surpresa e ao mesmo tempo contente. – Você não me chama assim... desde que era uma garotinha...

- É muita dieta, mãe. – falou Dunga, debochado. – Ela deve estar com tanta fome que está delirando.

Alis olhou para os três. Amélia parecia emocionada. Dunga ria-se, divertido e Lucas parecia sério estranhando o comportamento da mulher.

Alis respirou fundo. Por mais que tentasse, não poderia ser como Liz. Todo o tempo alguém ficava lhe dizendo que não estava agindo como Liz. Então havia chegado a hora de parar de tentar ser como sua irmã e tentar ser como ela mesma.

- Porque não chamaria minha mãe de mãe? Eu sou mãe agora, também. Acho que isso muda qualquer pessoa.

- Seis meses depois do nascimento de um filho? – falou Lucas, parecendo amargo.

- Acho que nunca é hora de tentar fazer o certo, você não acha?

- Ok... quem é você e o que fez com a minha irmã? – perguntou Dunga, olhando sério para Alis.

Alis suspendeu a respiração, sem saber direito o que responder, mas, no instante seguinte, Dunga caiu na gargalhada, levando Alis e Amélia também a sorrirem. Somente Lucas continuou sério, alimentando-se silenciosamente.

Quando o almoço acabou e Lucas levantou-se da mesa, Alis resolveu fazer o mesmo. Esperou, olhando pela janela do seu quarto, até que o carro de Lucas sumisse na estrada que levava para fora da mansão, para descer rapidamente e sair pela porta da frente. Pensou em achar Raul, mas não era ali no pátio e no jardins que ficava a garagem onde Raul deveria trabalhar.

Andou ao redor da casa e ficou ainda mais perplexa com o tamanho, agora com a luz do sol brilhando sobre os jardins. Encontrou um homem que cuidava de rosas. Ele cumprimentou-a brevemente e voltou ao seus afazeres, um pouco surpreso com a atitude de Liz.

Depois de encontrar uma estufa e uma casa de máquinas, Alis entrou num labirinto verde muito bonito que ficava grudado ao lado esquerdo da casa. Divertiu-se passeando por ele e sentindo o cheiro de capim recém-cortado e a brisa fresca.

De certa forma, sentia que aquele labirinto era a imagem de sua vida. Havia tantos caminhos, a tomar, tantas encruzilhadas. Mas não conseguia achar a saída para a sua vida. Para a situação em que entrara. Como sair de um casamento com Brade?

Era o amara um dia... mas há muito tempo, aquele sentimento havia se extinguido. Não queria pensar nisso. Pensar no seu casamento a entristecia. Preferia pensar no casamento de sua irmã. Liz precisava voltar para casa, voltar para o marido e o bebê e resolver as coisas.

Finalmente, depois de ter errado alguns caminhos no tal labirinto encontrou a saída e logo a garagem. Era no pátio posterior da casa que também era enorme. Havia, pelo menos, seis carros e três motoristas. Felizmente, Raul estava entre os motoristas de plantão que jogavam baralho numa mesinha, na cozinha da garagem.

- Vai precisar dos meus serviços, dona Liz? – falou Raul ao vê-la, levantando-se rapidamente. – Deveria ter mandado a governanta atrás de mim.

- Eu queria dar uma volta por essas áreas... Faz tempo desde a última vez que estive aqui.- mentiu ela, enrubescendo um pouco.

- A senhora nunca esteve aqui... – falou outro motorista, mais jovem que Raul.

- Bem... vamos logo Raul, estou com pressa... – falou Alis, tentando disfarçar, saindo para o pátio.

Minutos depois, a limusine parou logo ao seu lado e Alis entrou.

O vidro de separação da cabine do passageiro estava aberta e Raul preocupado, virou-se para ela.

- A senhora não deve ir nas áreas dos empregados. A Sra. Liz nunca se mistura com os empregados. Vão desconfiar.

- Já estão desconfiados à beça. – Falou Alis, desabafando. – Isso não vai dar certo. Foi tolice trocarmos de identidade. Não posso ficar aqui nesta casa e minha irmã não saberá lidar com... com a minha vida. Leve-me até a minha escola, por favor.

- Não é uma boa idéia. A Sra. Liz não irá gostar...

- Não me interessa, Raul. Não posso fingir ser algo que não sou. Leve-me, por favor...



Raul franziu o cenho, pensando por alguns segundos no que fazer. Por fim, virou-se para frente e a limusine começou a andar.