Capítulo 27: "Por que no fim das contas nada é indestrutível."
Nos capítulos anteriores...
Denise deitou em sua cama
passando mal, as lágrimas escorriam pelo seu rosto descontroladamente... Seu
cérebro buscava memórias de Pedro quando ainda tinha um aninho de idade. O
menino era lindo, estampou diversas capas de revistas, ele era o orgulho dos
pais e a inveja das colegas de Denise. Aos sete anos, Pedro havia ganhado uma
medalha de ouro em natação. Aos quatorze, Denise percebeu que ele notava muito
o corpo dos homens, mas sempre pensara que aquilo fosse uma fase da
adolescência. Sem poder suportar a dor, ela tomou dois comprimidos sedativos,
que congelaram sua alma e a fizeram dormir. Mas o dia seguinte ainda estava por
vir.
Rachel lia revistas, jornais e não gostava nada
de ver sua prima como uma das “famosas” mais influentes no mundo. A megera mal
esperava o dia para retornar ao palacete e ter o que era seu por direito, mas
tudo isso só depois de Joaquim enfartar. Rachel desviou o olhar para o lado, onde
o marido se encontrava, cego e imóvel, devido aos remédios fortes.
–Você
pode me ouvir querido? –Indagou Rachel, sorrindo.
–Sim... –Respondeu
Joaquim, que aparentava um estado crítico. –Rachel eu quero ver a minha mãe.
–Era
sobre sua mãe que eu queria falar. Mas acho que você não deve saber.
–Do que
você está falando?
–Ela
disse que não ia vir, por que você sempre foi um estorvo na vida dela e que não
faria diferença se suas condições de saúde atuais são graves.
Dois meses já haviam se passado após a virada do
ano e Sônia mudou muita coisa no império dos Gouveia. Em homenagem a Helena,
uma estátua inspirada na mesma foi feita e introduzida na frente da Fábrica de
Lingeries que agora se chamava “Império Feminino”. Dupré ocupava o carga do
diretor no Império, enquanto Silvana cuidava dos lucros. Rachel ainda não
exercia nenhum cargo, de acordo com ela, “ainda não era a hora”. E quem ocupava
a cadeira de presidente, era Sônia. [...]
O avião em que Denise estava embarcada havia
acabado de aterrissar. Ela se despediu de Flávio, que seguiu seu caminho, mas
antes dele ir, ela disse a ele que nunca desistisse de seu sonho de um dia
poder ser estilista. E ele disse a ela para não ser tão dura com seu filho.
Denise pegou um táxi e durante o percurso para sua casa, ela ficou refletindo
sobre o que Flávio havia lhe dito.
–Chegamos
senhora. –Disse o taxista.
–Obrigada.
–Respondeu Denise, sorrindo.
Denise não estava preparada para o que iria
enfrentar, mas algo dentro dela gritava: “Eu
preciso ver para crer.”. E foram esses gritos sufocados que a fizeram abrir
a porta da sala com a chave extra, sem tocar a campainha. Ela entrou
vagarosamente, passou de cômodo por cômodo, até que as roupas de Wagner e Pedro
estavam no corredor que dava para o banheiro de cima, onde ambos estavam
tomando banho juntos.
–Dona
Denise?! –Indagou Wagner apavorado, que estava encostado na parede de frente
para Pedro, que estava de costas para a sua mãe.
Denise fitou Wagner nos olhos e desviou o olhar
para seu filho que estava completamente nu de costas para ela. Ambos três estavam
com medo daquela embaraçosa situação momentânea. Uma mãe que acabava de
descobrir com seus próprios olhos a homossexualidade do filho e um casal
adolescente gay sendo intimidado por aquela que gerou um deles. Denise se
aproximou dos dois, com os olhos cheios de lágrimas. Ela pegou a toalha que
estava pendurada no pegador do box, cobriu os dois e em seguida os abraçou.
Wagner e Pedro ficaram incrédulos com a reação de Denise, eles imaginaram uma
surra, um sermão ou uma repreensão, mas em vez disso receberam um abraço
envolvido por lágrimas descontroladas de uma mãe aflita.
–Me
perdoa mãe! –Exclamou Pedro desesperado. –Me perdoa! Eu não podia magoar a
senhora e o papai, mas também não podia deixar o Wagner, eu o amo.
–Não diga
nada querido. –Disse Denise, beijando o rosto do filho. –Eu te amo,
independente de tudo.
–Eu
também te amo mãe. Por favor, me perdoa.
Eles ficaram lá de pé parados sentindo o calor
dos corpos se unirem. Denise podia dizer que estava tudo bem, mas Wagner
enxergava no fundo de seus olhos o seu sentimento de decepção com Pedro. O seu
filho que foi criado para ser heterossexual e lhe dar netos, mas em vez disso
ele havia se tornado gay e não podia mudar. Enquanto Pedro se vestia no
banheiro, Denise foi até Wagner, para ambos terem uma breve conversa.
–Posso
entrar?
Ela bateu na porta do quarto de hóspedes onde
Wagner se encontrava.
–Claro
dona Denise. –Respondeu Wagner. –Sinta-se a vontade.
–Eu quero
conversar um pouco as sós com você enquanto meu filho se veste, pode ser? –Indagou
Denise, sorrindo.
–Sim.
Denise tirou de sua bolsa tiracolo uma
fotografia tirada dentro do avião em que ela estava embarcada da câmera
polaroide de Flávio. Na foto, ela e o rapaz estavam abraçados usando pulseiras
com as cores gays. Ela entregou a foto nas mãos de Wagner e disse:
–Não
tenha medo. Eu não vou destruir o que você e meu filho têm. Vocês são homens
lindos, que se amam e daqui para frente irão se amar muito mais. –Ela estendeu
os braços para Wagner. –Me abraça?
–Mais é
claro! –Respondeu Wagner, com os olhos cheios de lágrimas. –Muito obrigado dona
Denise, a senhora não imagina o quanto a aceitação da senhora é importante para
mim.
–Não
chora meu amor, seus olhos são bonitos demais para armazenarem lágrimas. Assim
como amo meu filho, amo você também!
–Posso
fazer uma pergunta a senhora?
–Claro
que pode.
–Quem é o
rapaz da foto?
–O nome
dele é Flávio, nos conhecemos no avião que embarquei para vir a São Paulo. Ele
é gay e me contou a história dele, mas acima de tudo, esse rapaz me deixou
orgulhosa e foi por causa desse orgulho todo que eu disse a ele sobre a
homossexualidade do Pedro e do relacionamento de vocês dois. O Flávio me fez
entender que acima de qualquer decepção, o laço que nos une é o amor. E eu não
quero de jeito nenhum perder esse amor que você e meu filho sentem por mim, por
que no fim das contas nada é indestrutível.
Com um sorriso de orelha a orelha, Pedro
observava sua mãe e Wagner abraçados. Algo sincero naquele momento fazia tudo
se tornar especial. E nada do que ele imaginou aconteceu. Sua mãe havia
aceitado sua opção sexual. Coisa que Pedro pensava ser impossível ela aceitar.
–Atrapalho?
–Indagou Pedro, entrando no quarto de hóspedes.
–Claro
que não querido. Venha cá, quero contar para você sobre o Flávio. –Respondeu
Denise, sorrindo.
–Mãe,
antes de a senhora contar sobre esse Flávio, me responda uma coisa.
–O que?
–O meu
pai também aceitou?
–Seu pai
são outros quinhentos e acho melhor mantermos isso em segredo por mais algum
tempo. Por que além do mais tem a família do Wagner e a Silvana não é nada
fácil.
–Sua mãe
tem razão Pedro, é melhor esperarmos mais um pouco. A reação da minha mãe com
certeza não será nada agradável. –Disse Wagner.
–Se vocês
dizem, vamos fazer assim então. Agora me contem sobre esse Flávio, já estou
super curioso!
De volta ao palacete dos Gouveia, após passar um
dia inteiro com seu amado Lúcio, Soninha se deparou apenas com João Pedro e os
empregados da casa. Não havia mais ninguém. Dupré estava organizando algumas
papeladas da fábrica, Rachel aparentemente havia saído com Joaquim e Silvana
havia ido ao shopping. Soninha ainda sentia uma insegurança mútua de ficar a
sós com aquele homem que ainda vivia dentro de seu coração.
–Olá... –Disse
Soninha a João Pedro. –Se não se importa eu vou subir, preciso de um banho.
–Espera. –João
Pedro segurou os braços de Sônia. –A Silvana me viu olhando uma fotografia sua.
–E por
que você está me contando isso?
–É que
talvez eu tenha cometido o pior erro da minha vida em ter te deixado e...
–Você
cometeu sim, mas não pense em repará-lo, por que já é tarde demais. Eu vou me
casar e estou grávida.
–Como?
–É isso
mesmo que você ouviu... Sinta-se honrado de ser o primeiro, a saber. Eu e o
Lúcio iremos ter um filho e eu anunciarei isso amanhã à noite em um pequeno
jantar.
–Então...
Seja feliz. Você merece.
Sônia subiu as escadas e pode sentir que João
Pedro a fitou desde o primeiro ao último degrau que dava ao segundo andar do
palacete. Ela se sentiu aliviada por ter resistido aos encantos daquele homem.
As coisas estavam diferentes agora, já que seus sentimentos por João Pedro não
estavam tão fortes como antes. Talvez a única coisa que ligasse ambos, fosse essa
criança que habitava seu útero.
–Você
terá um pai muito melhor que aquele que te gerou e será muito amado meu filho. –Pensou
Sônia, tocando sua barriga.
Rachel estacionou seu carro conversível em um estacionamento
privado. Ela vestia um vestido azul colado no corpo, que possuía um enorme
decote, deixando a metade dos seios à mostra. A peruca loura que cobria suas
madeixas castanhas enganava até os especialistas em cabelo. Era impossível
dizer que não era natural. Rachel havia encarnado Judith, para dar uma boa
lição em Rafael Azevedo, que de acordo com ela era um jornalista mais do que
incompetente. Ela caminhou algumas ruas até chegar ao prédio onde se localizava
o apartamento do jornalista. De elevador, “Judith”, chegou ao seu destino.
Iniciando seu plano com apenas um toque na campainha.
–Você? –Indagou
Rafael, surpreso.
–Eu disse
que voltaria, querido. –Respondeu Rachel, sorrindo.