PALAVRAS
DE MÁRCIO FERRARI
Talvez
aquilo que eu estava fazendo fosse uma das maiores loucuras da minha vida. Um
garoto de 16 anos, que nunca havia saído de sua cidade natal, estava agora
sozinho no meio de uma multidão de pessoas em uma das cidades mais violentas do
país (não que a minha não seja) e sem conhecer nada.
Procurar Lara Pacheco no Rio de Janeiro era como procurar
uma agulha no palheiro. Uma agulha teimosa.
Tomei um táxi numa avenida próxima a Cidade do Rock e me instalei
num hotel barato na capital. O lugar era bem imundo e confesso que nem meus
frascos de álcool gel deram jeito naquela colônia de bactérias.
Depois de me instalar, fui até a recepção.
— Preciso de um telefone.
A recepcionista do hotel, uma senhoria simpática, desfez
sua expressão de simpatia quando me viu limpando o gancho do telefone da
recepção com o meu amigo álcool gel. Retirei minha agenda telefônica de dentro
da mochila e disquei o número da Lara algumas vezes. Seu celular sempre chamava
até cair na caixa postal.
— Rapazinho, você está ocupando o telefone! — disse a
recepcionista.
— Não se preocupe, eu pago, já que a senhora está se
incomodando tanto. — respondi. Não que eu estivesse esbanjando dinheiro, mas
queria deixar aquela senhora calada e me concentrar na minha nova missão.
☺
PALAVRAS
DE LARA PACHECO
Um número desconhecido insistia em chamar meu telefone.
Não queria atender, pois provavelmente seria uma das garotas ou o chato do
Márcio QI enchendo o saco, claro, com razão, por eu não ter aparecido.
Desliguei o celular, guardei-o na bolsa e encostei a minha cabeça na janela do
carro, observando Douglas dirigir.
— Parece um sonho. Eu, você aqui, juntos, depois de tanto
tempo. — falei. Douglas parecia estar mais concentrado do que em mim.
— Ops, estava tão concentrado no volante que nem percebi
que você estava acordada. Por que não dorme? Ainda há alguns minutos de viagem
até chegarmos ao meu flat.
Cheguei mais perto do seu corpo e pude sentir sua
respiração um pouco até ofegante devido ao grande calor que fazia. Beijei seu
rosto. Sua barba pinicou meus lábios.
— Não consigo dormir. Confesso que estou um pouco
preocupada com o que vai acontecer na minha vida agora.
Confortei minha cabeça no ombro de Anjo e, ainda abraçada
a ele, fechei os meus olhos, tentando tranquilizar meu coração, que estava
apreensivo. Antes daquele dia, eu nunca tive medo do futuro.
Naqueles dias durante o festival, tive a oportunidade de
contar a Douglas no quanto minha vida era chata e vazia. Meu pai já era um
senhor de sessenta anos que tinha só a mim como filha. Sendo assim, isso tinha
algumas vantagens. Eu tinha sempre o amor do meu pai e o da minha mãe, até ela
morrer... e ele se casar de novo.
Minha madrasta se chamava Sheila e era uma mulher trinta
anos mais nova que papai. Ela era uma daquelas periguetes gordas que vestiam
shorts que, de tão curtos e apertados, quase entravam no útero. Infelizmente
ela vira no meu pai, um policial aposentado, um jeito de se dar bem na vida.
Sheila e papai se casaram, com direito a cerimônia
religiosa, banho de arroz, lua-de-mel em Buenos Aires e, de quebra, tempos
depois, um anúncio: a periguete estava grávida. Eu tinha treze anos quando tudo
aconteceu. Foi um baque atrás do outro e, confesso que fiquei com ódio quando a
minha meia-irmã nasceu. Os paparicos que eu sempre tive, sumiram.
Sheila, então, gostava de fazer papel mãe. Dava ordens
sempre e tinha uma voz autoritária, a qual eu nunca fui fã de obedecer, a não
ser por consideração ao meu pai, que estava cego de paixão por essa porca.
—
Lara, amor, acorda! Nós chegamos. — Douglas me sacudiu. Eu acabei dormindo,
mesmo encostada no seu ombro.
Saímos do seu velho carro e, ao me virar, quase me
assustei com o tamanho do flat onde Douglas residia: era enorme. Eu realmente
achei que aquele garoto morasse num lugar fétido, cheio de ratos, desprovido de
qualquer higiene. Entretanto, minhas apostas estavam erradas. Havia muito ainda
da vida de Anjo a descobrir. Eu descobriria?
☺
PALAVRAS
DE MÁRCIO FERRARI
Na tarde do dia seguinte, resolvi pedir a recepcionista
do hotel que me deixasse usar o telefone novamente. Para não fazer desfeita,
resolvi não usar o álcool gel daquela vez. Peguei o telefone do gancho e
disquei o número do celular de Lara enquanto observava a senhorinha simpática
me encarar. Da primeira vez, talvez por sorte, alguém atendeu.
— Alô? — disse
ela, do outro lado da linha.
Metade do peso que havia em cima das minhas costas
desabou naquele mesmo momento. Saber que Lara estava bem, para mim, era um
grande alívio.
— Lara, aqui é o Márcio. O que houve? Onde você está?
Você tá bem? Por que você fugiu? As meninas e eu estamos preocupados!
— Porra, cara,
parece que quer ser minha mãe! — exclamou — Já não basta a porca da Sheila, agora tem você também? Caralho para de
me seguir, eu tô bem, só resolvi acordar e viver minha vida!
— Não precisa me engolir pelo telefone, não, Lara. Mas
você não sabe o que é consideração não? A gente ficou na frente daquele hotel
com cara de idiota esperando você aparecer e depois você vem com quatro pedras
na mão achando ruim por nós nos termos nos preocupado? Ah, bem que a Gabriela
tinha razão! Não sou obrigado a limpar as merdas
que você faz.
Ela desligou na minha cara. Naquela mesma tarde, reuni
meus pertences, comprei uma passagem e tomei um ônibus de volta a Fortaleza.
☺
PALAVRAS
DE LARA PACHECO
Márcio QI era
chato. Confere. Ele não merecia o modo que eu o tratei. Confere. Mas desfazer
quaisquer laços de amizade com aqueles que eu mantinha em Fortaleza fazia parte
dos meus planos se eu quisesse realmente ter uma nova vida.
— Você acha que a sua madrasta vem atrás de você? —
perguntou Douglas, entregando-me uma latinha de cerveja. Sentei-me na cama,
abri a lata e tomei alguns goles.
— Talvez. Tratando-se dela, ela pode ir atrás de mim até
no inferno. — ajoelhei-me sobre a cama, de modo a ficar da mesma altura em que
Douglas estava. Rodeei meus braços no seu pescoço e lhe dei um beijo. — Mas não
há quem me tire de perto de você agora.
Derrubei a lata de cerveja no chão do quarto e, com a mão
direita, fiz um gesto para que Douglas deitasse comigo na cama. Despimo-nos e
logo estávamos nos amando novamente.
Douglas tinha um jeito diferente de beijar. Ele era
delicado, me respeitava. Como ele havia me dito antes, não tinha muitas
experiências sexuais e pelo jeito que ele me tocava, eu estava começando a
acreditar completamente nisso. Com ele eu via estrelas, viajava. Nos seus
braços, eu me sentia livre, segura. Era mágico.
— Meu anjo... — falei
próximo ao seu ouvido.
Mas Douglas para mim ainda era um enigma a ser
desvendado.
NOVELA ESCRITA POR MÁRCIO GABRIEL
COLABORAÇÃO DE ANA GABRIELA E LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE FÉLIX CRÍTICA
COPYRIGHT© TVV VIRTUAL 2014, TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO E NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A REALIDADE
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