quarta-feira, 11 de junho de 2014

A Pior Fic que já Existiu - Capítulo 03


III

Passaram os dias. Esse Henrique e eu continuamos brigando nas aulas de redação, eu ficava imaginando que uma hora ele iria levantar, segurar a cadeira e jogá-la em mim. E eu claro, pensava em trazer minha escopeta para escola e atirar na cabeça dele até os miolos se separarem num raio de 15 metros. Eu gostaria de dizer que sou super pacífica e detesto violência. Enfim, chegou a hora da gincana. Eu poderia relatar cada detalhe, mas vou tentar ser sucinta. No momento da dança foi um desastre, mas um desastre compacto (para quem vê gigante para quem anda). Erramos alguns passos, nada fatal ou que desse para perceber já que estávamos bem no fundo. Pedro ficou muito aliviado com o fim, e me fez tirar foto com ele para guardar de recordação – não pude evitar imaginar que a foto seria colocada no álbum do bebê com a legenda “Meu primeiro baile” . Não, não pude evitar. E o vestido? Fiquei parecendo um presunto com embalagem menor que o volume. No fim do evento arranquei meus sapatos dos pés e pus numa das mãos. Aí percebi que tinha um grupinho de pessoas na entrada do local. Fiquei esperando minha mãe vir me buscar, mas ela sempre atrasa. Mães... mães...Tão especiais e com manias tão parecidas, vai dizer que sua mãe nunca disse quinze minutinhos e demorou no mínimo uns quarenta minutos? A minha sempre faz isso.
Aí o tempo passou...passou...ok, ela demorou muito. Até que os grupinhos foram se desfazendo. Lá estava eu distraída em meus pensamentos quando alguém se aproximou e se encostou no portão, postando-se do meu lado.
– Helena né? – Ele falou olhando para os carros que passavam
Não respondi. Apenas movimentei a cabeça de má vontade acenando que sim. Como assim meu nome? Ele sabia meu nome. Alô idiota você discuti comigo em toda aula de redação durante os 2 últimos meses. Certo, eu não disse isso, mas que deu vontade, deu.
– Esperando virem lhe buscar?
Não. Estou me divertindo olhando os carros passarem. Eu também não disse isso. Ao invés disso fiz um “sim” mais para mim do que para ele.
– Gostou da gincana ?
Sabe quando você faz barulhos estranhos como resposta? Um tipo de gemido...Foi isso que eu fiz.
– Cansada...?
Existem pessoas e pessoas. Umas entendem quando você não quer papo e vão embora e têm aquelas que permanecem e ainda tentam puxar assunto, é aquela pessoa que você responde com frases curtas e desinteressadas, mas ela continua ali. Conversando.Resolvi falar, foi como uma desistência.
– Estou muito cansada – E aí eu olhei para ele, e a expressão dele era diferente do que eu pensei encontrar.
Culpa minha. Eu imaginei que ele estivesse com um sorriso puxado de lado uns chifrinhos de diabinho e dando uma risadinha maléfica. Ele estava só olhando para frente como eu estava antes de me virar. Usava seus óculos de armação preta, percebi que ele tinha umas feições meio asiáticas ou sei lá. Desculpe, eu sou péssima contadora de histórias, a intenção é que é das melhores garanto. Sei lá, isso é jeito de descrever alguém? Vamos fazer direito.
Henrique: 1,75 m de altura , magro, não muito , cabelo preto com uns fio brancos aqui e ali - o que era engraçado – o rosto dele sempre parecia mostrar uma careta, que eu sempre interpretei como reflexo de desprezo. Contudo excepcionalmente hoje, digo nesse momento, não era bem assim. O rosto dele refletia o de alguém que tenta puxar assunto enquanto espera ir embora.
– O que foi? – Ele me encarou
– Am? – Eu tinha mesmo que ficar olhando, não podia ter sido uma olhadela rápida?!
– Nada...só ...pensando.
– Em que?
– Nada
Você já viu alguém pensar em nada? Anotação mental: Treinar mais diálogos no espelho do banheiro. Enfim, resolvi que era minha vez de puxar assunto.
– Gosta de futebol ? – Esse assunto era bom com garotos, na maioria das vezes, e o melhor eu podia falar sobre isso.
– Gosto – Ele refletiu por um instante – Eu torço para o Coringão e você?
– Palmeiras – O problema de falar de futebol é quando a conversa pode acabar em pancadaria – Gosta dos Beatles?
– Muito! – Ele sorriu, ok, ele tentou sorrir, mas a cara dele ficou realmente contorcida – Mas geralmente ouço mais algo como Nirvana ou Blink 182
– Ah...Muito bons! – Agora eu me empolguei, até me ajeitei no portão
– Você curte rock? É muito difícil achar uma garota que prefira cantar “Always i know you 'll be at my show” do que “Vou passar cerol na mão” – Certo, ele realmente cantou encostado no portão.
Eu quis responder mas tive que acabar de rir. Não consegui, aí respondi entre uma risada e outra mesmo.
– Essa do cerol – Risos – É meio velha né não?
Ele também riu, acho que mais da minha cara – que deve ter ficado toda vermelha, estilo moranguinho do agreste – do que do comentário em si.
– Ah eu não atualizei meu histórico de funks
– Entendo
– E livros? Gosta de ler?
Aí estava uma coisa que eu amava, meu pai é jornalista como eu já lhe disse, então sempre tive um grande acervo a meu dispor que devorei com muito gosto. Livros são meu ponto fraco, ou forte depende do ponto de vista – Gosto muito, estou lendo um sobre história italiana, mas é um romance, é O Arminho dorme, já leu?
– Não, vou anotar na minha lista mental de livros que Helena disse para eu ler –Ele disse isso rindo, claro.
– Devo anotar algum na minha lista de livros que Henrique recomendou? - Eu também sou uma grande piadista como vocês vêm.
– Hum.. – Algumas risadinhas – Você já leu O morro dos ventos uivantes?
– Ainda não, mas já ouvi falar. É bom?
– Sim muito. Eu lhe empresto, quer?
– Sim claro, se você não se importar...
Depois disso tive que me despedir porque minha mãe finalmente chegou, aliás chegou quando a conversa estava ficando realmente boa.
Na segunda feira ele veio até mim com um exemplar do livro que me prometeu. Disse que não tinha pressa e que esperava que eu gostasse.Cheguei em casa depois da aula, almocei, fiz o dever de casa, estudei e resolvi ler o livro.
Emily Bronte começou assim:
“Acabo de retornar da visita que fiz ao meu senhorio- meu único vizinho que talvez possa me importunar.Certamente esta é uma bela região!(...)”
(...)

Eu, Tâmara e Jorge conversávamos sobre qualquer coisa nem tão interessantes. Eu vi quando ele se aproximou e disse.
– Bom dia pessoal – Henrique cumprimentou a gente
Um murmurado bom dia foi a resposta.
– E aí já começou a ler?
– Sim! – Eu me empolguei porque havia começado a ler e simplesmente adorado – É ótimo, eu li umas vinte páginas ontem, mas parei porque já era tarde e eu tinha que dormir
– Que bom que você está curtindo – Nessa parte ele fez uma carinha tipicamente emoticon.
Então ele se despediu e voltou para o grupinho de amigos dele. Chegando em casa tentei terminar meus afazeres o mais rápido possível para poder ler O morro dos ventos uivantes.
Deitei na minha cama, dobrei o travesseiro para que ele ficasse numa altura suficiente, pus os pés para cima e voltei ao mundo imaginário (real?).
“Quão inúteis e volúveis nós somos! Eu, que resolvera manter-me afastado de todo contato com as pessoas e agradecer às estrelas por ter, enfim, descoberto um lugar onde poderia viver em quase completa reclusão(...)”
Parei um bom tempo depois com umas batidas na porta do meu quarto. Minha mãe anunciava a sopa de verduras do jantar. Ainda li um pouquinho antes de dormir. Tive que reduzir a leitura para aumentar meu estudo sobre movimento harmônico simples e eletroquímica o que me deixou realmente radiante, e eu espero que você sinta toda a ironia na minha voz – no nosso caso, nas minhas palavras – tudo que eu queria era ler um dos maiores clássicos da literatura inglesa, mas não. Eu tinha era que estudar ânodos e oxidações e cátodos e reduções. Não quero despertar a ira contra essas matérias, o problema, minha gente, é que eu estou irada com isso.
No fim de semana eu resolvi voltar para minha leitura. A culpa não foi minha, e não ouse discordar. Mas eu lia um pouquinho e me lembrava do dono do livro. A cada página Henrique se tornava menos detestável e concomitantemente mais agradável.Alguns trechos do livro foram chamando minha atenção de maneira inconsciente.
“Quero fazer as pazes com minha consciência e ficar convencida de que Heathcliff não tem ideia dessas coisas. E não tem mesmo, não é? Ele não sabe o que é estar apaixonado, certo? ’’.
OK, ok, eu sei o que você está pensando. Eu gostaria de mangar de você de novo, com todo respeito, gostaria de chamar você de sonhadora, de escrever de maneira bem jocosa e fazer você pensar que é uma pessoa ingênua, emotiva demais. Gostaria. Mas eis que é chegada a hora da revanche, pode ficar aí do outro lado da tela rindo e exibindo sorrisinhos com cheiro de “viu só” ou “eu sabia”. Porque o que eu sabia era que as coisas , em algum lugar dentro de mim, não eram mais as mesmas em relação a esse tal de Henrique. Não que eu estivesse apaixonada, não , não também não precisa exagerar. Só era...era...Na verdade eu não sabia o que era, mas eu sabia que não podia (e não queria) mais ignorar isso.
Quando eu descobri que as coisas aqui dentro de mim já estava assim confusas resolvi proteger-me. Foi o que pareceu sensato e o que meus instintos gritaram. Terminei o livro (que pode parecer maçante mas na verdade é fantástico) o mais rápido que pude para poder devolvê-lo.
– Obrigada – Ele me apresentou um dos melhores livros que já li e eu resumi meus agradecimentos em uma palavra. Não sei se eu estava sendo objetiva e sincera ou ingrata e medrosa.
– Gostou? – Ele segurou o livro
– Muito
– Aceita outra sugestão? Um outro livro?
– Não obrigada.
Não?! Como assim não?! As férias estavam chegando o que eu mais queria era um bom livro. Mas eu tive vergonha. VERGONHA. De deixar transparecer que eu nutria uma coisinha especial por ele.Aí em vez de dizer “sim por favor me empreste outro livro, aliás eu também quero lhe emprestar um, aposto que você vai gostar”;eu disse um seco, mentiroso e medroso “não, obrigada”.Eu sou definitivamente uma pessoa estranha, aliás você também. Por que nós não falamos a verdade, simples e pura? Por que esse medo de falar de dentro para fora? Para falar besteira a gente não tem esse medo todo. E se ele dissesse que não gostava de mim? Se me tratasse mal? E daí? Eu não morreria por isso e pelo menos teria tido a coragem, pelo menos tentado e não teria só permanecido calada enquanto via que ele ia embora, que eu poderia ter falado ou feito algo mais. Não sei, absolutamente, não sei.
(...)
Enfim, chegou Dezembro e com ele o espírito de Natal. Eu gosto muito do Natal,principalmente porque é sinônimo de férias. No começo eu fiquei meio entediada, meus amigos estavam a alguns quilômetros de distância na minha antiga cidade. Tâmara e eu saímos para tomar sorvete foi então que ela fez a pergunta:
– Você está gostando daquele asqueroso do Henrique?- Ela perguntou de maneira despretensiosa, ou que aparentava isso, entre uma colher de sorvete de creme e outra.
– Claro que não – Não me julgue por isso, por favor. Faça melhor, se ponha no meu lugar. Foi uma resposta instintiva.
– Não mesmo?
Agora ela me obrigou a refletir, eu olhei um pouco para os pedacinhos de chocolates dispersos no sorvete de menta, eles me encararam por alguns segundos e me disseram: Ela não é sua amiga ora bolas?- Esse é outro estranho hábito meu. Falar sozinha.Respondi de maneira esquiva e sincera : Não sei.
– Eu vejo como você olha para ele, sabe? Tipo como se fosse a última soda no deserto.
– É?
Ela fez um “unhum” enquanto puxava a colher da boca.
– Você acha que ele percebeu que eu olho desse jeito que você falou?
– Claro que não! Garotos, ainda mais como ele, são idiotas demais para isso.
– O Jorge que o diga – Eu segurei o riso enquanto ela olhava para mim com uma cara de ofendida.
– Como assim o Jorge? O que você planeja dizer com isso mocinha?
– Isso mesmo que você pensou – Ri sem consegui mais me conter
Nós debatemos um bom tempo quão alienados os garotos são. Foi muito bom poder dividir o que eu sentia com a Tâmara, ainda mais porque ela estava numa situação parecida. Depois disso um sentimento de coragem chegou em mim, resolvi fazer o que uma mulher sensata faria nesse caso: Procurar o Henrique no facebook. Fiz o pedido de amizade que foi prontamente respondido, ele estava usando o computador nesse momento. Me pediu que eu adicionasse o msn. Assim fiz. Nos dias que se seguiram três coisas ficaram claras:

Coisa 1) Nós tínhamos muito mais coisas em comum do que eu achava.
Coisa 2) Eu realmente gostava daquele peste
Coisa 3) Os outros contatos do msn deviam ter uma boa vida social porque só eu e ele passávamos toda tarde, noite e madrugada online.

Ele disse que o pai dele conseguiu entradas para uma peça baseada num conto da Clarice Lispector. Ele perguntou se eu queria ir. Não hesitei e disse que sim. Chega de medos. Aí o drama foi: o que usar? Sim, porque minhas roupas não eram muito variadas. É muito difícil achar roupas que fiquem bem no seu corpo quando você não tem o mesmo quadril de uma manequim. Depois de muitas blusas jogadas sob a cama minha mãe bateu na porta do meu quarto.
– E aí, pronta?
– Nem no começo
– Hum...- Ela refletiu por um tempo - Sabe, esse garoto...Henrique não é?! Ele chamou você para sair. Não outra pessoa. Então, talvez seja melhor a senhorita fazer o que sabe fazer de melhor : ser você.
Ela abriu a porta do meu guarda roupa e pegou um dos meus tênis favoritos, um all star preto, desbotado e surrado. Estendeu para que eu segurasse.
– Vai lá e arrasa, meu amor
Eu fui até ela e dei um abraço. Senti vontade de chorar, mas não o fiz, não era hora para isso. Peguei minha camisa do ursinho pooh com a frase “A little bit innocent”, pus uma calça jeans preta e meu querido tênis. Peguei uma bolsa azul marinho com uns broches presos nela. Pensei por um instante. Examinei minha instante de livros, peguei o livro do Stieg Larsson, Os homens que não amavam as mulheres. Lembrei da história, era forte e interessante. Pus na bossa.
E fui para o teatro. Chegando lá ele estava sentado no último degrau. Quando me viu se levantou, leu a frase na minha blusa e sorriu. No momento em que olhei para ele e vi uma camisa preta com o desenho do Dexter (aquele do laboratório) sorrindo para mim e um all star preto mais surrado que o meu, agradeci por telepatia a minha mãe.
– Realmente gostei da sua camisa – Ele disse quando nós chegamos ao lugares.
– Eu também gostei da sua, o Dexter é a sua cara – Sorri.
– Por acaso você está me chamando de enjoado?
– Imagina... – Eu ri, depois fiz uma careta imitando a cara que ele fazia quando resolvia discutir comigo nos debates das aulas de redação.
A peça ia começar. Ficamos em silêncio. A história era sobre o conto O corpo, foi interessante, mas o que estava por vir foi muito mais, Clarice que me desculpe.
Claro que a minha mãe demorou a chegar, o bom foi que ele também demorou a ir.Comentamos sobre a apresentação de maneira geral.
– Ah eu já ia me esquecendo – Tirei o livro da bolsa – Já leu?
– Não, mas já ouvi falar, valeu mesmo – Ele olhou o livro por um instante – Eu queria muito lhe emprestar um livro.
– Acho que dessa vez eu vou aceitar.
Combinamos de marcar para comer uma pizza (adoro pizza) e ele me entregaria o livro.
– Você é legal Helena
– Você é mais ou menos – Eu ri já com as bochechas coradas – Brincadeira, você é muito legal.
Senhoras e senhores. Agora eu lhe relatarei um dos melhores momentos da minha vida. Henrique Oliveira Dantas se aproximou lentamente, olhou para mim por longos segundos, longos porque pareceram horas. Se aproximou lentamente, na verdade deve ter sido rápido para quem via , mas para mim pareceu bem devagar. Até que seus lábios tocaram os meus bem suavemente, delicadamente. Meu coração primeiro gelou de súbito para logo depois disparar a toda velocidade. Quando ele se afastou senti meu rosto queimar.
– Desculpa aí...é que eu não levo muito jeito com isso... – Ele ia começar a se desculpar, mas eu interrompi prontamente.
– Não...- Certo, eu interrompi, mas o que eu ia dizer? Heim? Aceitaria sugestões rápidas.Resolvi por fim dizer a verdade – Foi bom.
Sorrimos mais para nós mesmos. Sabe aquele riso interno? Quando você faz qualquer movimento com a boca, talvez nem pareça um sorriso afinal, mas por dentro com certeza você está sorrindo. É como se cada célula do seu corpo despertasse com extremo bom humor num dia de sábado. Sorriso interno...Espero que já tenha acontecido com você, porque é realmente difícil de explicar.
Minha mãe buzinou e eu desejei ir e ficar mais ao mesmo tempo. Pensei muito sobre o que eu deveria dizer ou fazer. Não cheguei a nenhuma conclusão definitiva.
– Tchau – Fui me dirigindo aos degraus – Obrigada
– De nada, precisando... – Ele acenou com a mão e um sorriso sem jeito.
Quando eu já estava no terceiro degrau refleti sobre aquela noite. Eu nunca tinha me sentido daquele jeito antes. Especial para alguém, eu tinha amigos, meus pais eram legais, mas esse sentimento era completamente novo para mim. Resolvi voltar. Subi os degraus.
– Desistiu de me emprestar o livro foi?- Ele disse sorrindo com a própria piada.
Não respondi, aliás eu não disse nada. Me aproximei e dei um beijo de leve no rosto dele, na bochecha direita mais precisamente, nem tive coragem para ver a cara dele depois disso. Me esforcei para descer as escadas rapidamente, e claro, desastrada que sou, não quis tropeçar. Claro que quando cheguei no carro minha mãe fez um interrogatório constrangedor. Henrique recebeu o título de meu “paquerinha”. Eu estava tão feliz que até achei graça. Na verdade, gostei da ideia.