terça-feira, 6 de maio de 2014

Reaper: Origens - Episode One

EPISÓDIO UM
"SILAS MERYLNN"

Ela estava no lago se banhando enquanto eu a observava de longe. Era o ano de 1952, e nós não tínhamos sequer a malícia que as crianças de hoje em dia têm. Ela enchia as duas mãos com água e limpava seu rosto branco como a neve, seus olhos azuis combinavam com a cor da água e dava àquilo tudo um ar de tranqüilidade.
Eu estava atrás do arbusto, e senti uma leve pulsação no meu baixo ventre, mas ignorei esta sensação no minuto que ouvi o barulho de botinas descendo a mata. Escondi-me mais adentro da floresta, porém ainda conseguia ver Geneviéve recolhendo suas roupas e se secando com um pano bordado que eu dei para ela em seu aniversário ano passado.
O pai de Geneviéve era um chefe do exército, quase não parava em casa, mas sempre que aparecia causava problemas por conta de seu excesso de bebedeira ou seus surtos de raiva. Constantemente eu ouvia o barulho da mão dele em contato com o corpo da filha, fazendo-a gritar de uma dor sufocante. Nunca pude fazer nada a respeito.
Durante aproximadamente mais seis anos, isso se repetiu várias e várias vezes. Eu morava com meu irmão mais velho, Hector. Nós os Merylnn temos histórico de trabalhar nas minas, próximo aos trilhos do trem. Numa madrugada de quinta-feira, Hector e eu colocamos nossos macacões e fomos trabalhar. O caminho era longo, atravessávamos uma igreja, um cemitério e várias casas. Sempre exatamente as 05 e 17 da manhã, ouvíamos Geneviéve gritando porque o pai reclamou do café mal feito ou simplesmente por estar bêbado mesmo.
— Não aguento mais ouvir esta menina sofrer. Qualquer dia faço alguma coisa.
— Não seja tolo Silas, você sabe muito bem que não tem força suficiente para parar um homem nos 40 anos.
— Talvez você esteja certo. Mas eu não consigo viver imaginando a dor daquela menina.
— Olha Silas, o que você tem que fazer é baixar a cabeça e aceitar isso. Algumas famílias são desajustadas. Não quero ver você morrendo igual nosso pai morreu.
Abaixo a cabeça. Hector nunca fala sobre o nosso pai, Giuseppe, pois ele morreu numa briga de bar com o pai de Geneviéve, levou um tiro.
Chegamos ás minas.
Cumprimento alguns camaradas do meu trabalho e vou direto aos fundos da mina, pois lá é o meu setor. Aqui tudo é mais escuro e é mais abafado, então é normal que vez ou outra, os caras aqui trabalhem sem macacão por conta do calor excessivo, mas ninguém liga mesmo contanto que nós façamos o nosso trabalho.
Horas se passam de trabalho árduo, até que o barulho do trem indica que podemos ir embora. Já são quase oito da noite e eu não comi nada o dia todo exceto por um pão que eu dividi com Hector. Passamos o caminho de volta inteiro quando uma névoa cobre o caminho. De repente, não vejo mais Hector, não vejo mais nada.
A névoa se dissipa.
Não consigo me mexer.
Sinto uma mordida no meu pescoço e meu sangue sendo drenado numa velocidade impressionante. Estou quase sem forças, e de repente, sinto meu olho arder.
Ando por alguns metros coçando os olhos até cair num buraco. Eu estou no cemitério e acabei de cair em uma cova aberta. Bati minha cabeça no impacto e quebrei o meu pescoço.
Acordo dias depois.
Saio da cova batendo as mãos no meu macacão para parecer menos sujo. Está de noite e não vejo ninguém na rua. Não há névoa, não há nada. Decido voltar para casa.
Passando pela casa de Geneviéve, vi-a sentada no batente da porta, segurando o pano branco que eu lhe dei para estancar o sangue de uma ferida. Meus sentidos são atiçados. Uma onda de fúria toma conta de mim e eu avanço em cima dela. Meus dentes cravados em seu pescoço, sugando cada gota do seu sangue numa velocidade incontrolável. Tem gosto bom e eu não tenho vontade nenhuma de parar, até que o corpo dela torna-se mole. Não há mais sangue.
Geneviéve está morta.
Solto seu corpo no chão e o observo com a minha boca cheia de sangue. Ao virar, me deparo com Hector na esquina, me olhando como se eu não fosse eu. E provavelmente, não sou.
Chegamos em casa.
Hector bate a porta com toda a força e se tivéssemos vizinhos, todos teriam acordado. Ele grita comigo com uma expressão no rosto pior que todas que eu já vi.
— Você não percebe o que fez?! Você matou-a! – Hector grita.
— Eu não sei o que aconteceu... – Respondo, timidamente.
— Eu não me importo. Eu vou consertar isso e até lá, você não sai de casa!
Dormi no chão frio aquela noite.
O sol começa a raiar e minha pele começa a queimar incontroladamente, grito de dor por causa do susto e Hector corre para ver o que aconteceu. Minha pele queimou, mas está se curando. Isto é impossível.
— Como...
— Silas, sente-se.
Sento no canto da sala, onde o sol não bate.
— Acharam o corpo dela mais cedo hoje, e estão achando que foi um vampiro que a matou. No princípio achei loucura, mas não era você ontem a noite, e hoje você queimou sua pele no sol e ela se reconstituiu muito rápido. Você é um vampiro.
A ideia toda parece absurda para mim.
— Eu vou para as minas e aviso que você pegou lepra. Ninguém vai contestar isso.
Hector sai pela porta da frente e eu passo o dia em casa ouvindo o rádio até alguém bate na porta. É um dos vendedores que vem habitualmente aqui, é o Morthy.
— Olá Silas.
— Entre. – Digo, e depois fecho a porta rapidamente.
— Eu sei que você é um vampiro. – Morthy fala.
— Você bebeu?
— Não seja tolo, quem te transformou foi o próprio Conde Drácula. Eu ordenei isso. Eu estou organizando uma coisa muito grande, e vou precisar da sua ajuda. Você vem comigo ou não?
— O que eu ganho em troca?
— Por hora, nada. Mas no tempo certo, eu poderei reviver um ente querido seu.
— Certo. Quando e onde?
— Sabia que era um homem esperto. Encontre-me na frente do cemitério, à meia noite.
O relógio marca nove da noite. Ouço uma gritaria na rua. O pai de Geneviéve está caçando o assassino da filha dela. Abro a porta e uma arma é apontada para mim. Eu sei que posso me curar, mas fico imóvel.
— Parem! – Ouço a voz de Hector no meio da multidão.
— Ele não é o vampiro, eu sou. Eu matei a sua filha e quer saber mais? Eu acho que ela ficou agradecida de parar de sofrer. Tudo o que você fazia era bater nela até ela sangrar. Eu tirei todo o sangue dela de seu corpo até não sobrar mais e quer saber? Eu faria de novo, porque eu gostei.
Ouço o barulho de um tiro. Corro e consigo recolher o corpo de Hector no chão. Ele me olha com os olhos brilhosos e chorosos, o sangue saindo de seu peito muito rápido. Antes que ele possa dizer qualquer coisa, ele morre.
Minha fúria volta a atacar. Corro em direção ao pai de Geneviéve e ele me dá três tiros no ombro, nenhum deles me para. Quebro o seu pescoço e deixo o corpo dele no chão. Pego a sua arma e mato todos que estavam ali perto.
Só restou uma pessoa. Uma criancinha. A irmã de Geneviéve, Penelope. Aproximo-me dela para me despedir, quando vejo Morthy andando em direção ao cemitério.
— Você pode vir comigo. Se você ficar, vão achar que foi você que fez isso. Você quer vir comigo?
Penelope acena que sim com a cabeça. Pego o corpo de Hector e levo-o nos braços enquanto Penelope me acompanha. Andamos uns dois minutos quando encontramos com Morthy.
Despejo o corpo de Hector na cova e tampo-a com a areia que estava do lado. É horrível quando literalmente, você tem que enterrar um parente. Eu não posso deixar essa menininha sozinha no mundo, eu matei sua irmã e seu pai.
— O que é isso? – Morthy pergunta.
— É a Penelope, ela vai conosco.
— Ela não pode vir.
— Mas...
— Silas se você insistir nessa ideia eu mesmo mato a menina.
— Nós deixaremos ela num orfanato aqui perto, mas ela não pode ficar sozinha aqui, será estuprada com certeza.
Morthy pega uma faca, corta meu pulso e pinga meu sangue nos olhos da menina, em seguida, quebra o seu pescoço.
— Assim que ela acordar, ela será uma vampira e terá toda a força do mundo para sobreviver sozinha. Se quiser sobreviver, terá que fazer isso sem sentir o mínimo de remoço. Você vem ou não?
Morthy bate um cajado no chão e uma fumaça negra nos teletransporta dali.
— Bem vindo ao meu time, Silas Merylnn.