quarta-feira, 2 de abril de 2014

Alta Tensão - Capítulo 18





DÉCIMO OITAVO CAPÍTULO



Ugo e Ingrid se encaram durante algum tempo, até que ela o força a tirar a sua mão sobre a dela.
     ― Não estou com problema algum, senhor Ugo.
     ― Pelo jeito que reclamava, até parecia.
     ― Em todo caso, os problemas são meus.
     ― Por que me encara e me trata tão mal, signorita Cida?
Ingrid sabe que foi Ugo quem matou sua amiga (a verdadeira) Cida.
     ― Não trato ninguém mal. Só não lhe conheço pra estar te dando cabimento. Deixa de ser enxerido!
Ugo sai e pensa: “tem algo de muito errado com questa bambina.”
***
     Wagner está tão mal que não consegue ficar nem sentado na cadeira de rodas. Ele está sozinho e acaba desmaiando na cadeira, que está no corredor perto da escada. A cadeira começa a andar sozinha, e só não vai escada abaixo porque Fidel a puxa a tempo.
     ― Sr. Wagner, Sr. Wagner! Acorde.
     ― Hã? O que aconteceu?
     ― Ou o senhor desmaiou ou caiu no sono. Por pouco não rola escada abaixo.
     ― Oh, Fidel, obrigado por fazer o trabalho do Ugo. Aliás, onde este italiano incompetente está?
     ― Disse que foi até a Flash.
     ― Por favor, me leve até meu quarto.
     ― Não quer que eu chame um médico, senhor?
     ― Não.
     ― Dr. Wagner... Sei que é pedir demais, mas eu vou pedir assim mesmo...
     ― Diga.
     ― No dia do lançamento da nova Flash eu posso me apresentar? Agora que o senhor se assumiu é hora de levantar a bandeira gay. Ui! Eu pensei em me vestir de Stefanie Raio Laser e ...
     ― É hora de levantar a minha mão pra dar na tua cara, Fidel. Você vai sim para o lançamento, mas vai ser apenas o mordomo, como sempre foi. Compreendido?
     ― Sim. — Fidel abaixa a cabeça e guia a cadeira de Wagner até o quarto. Ele o coloca em frente à janela e sai.
     ― Bandeira gay... Assumir... Sou macho. E muito macho!
***
Música: Cansei de ser Sexy – Dynamite.
     ― Papai! Eu não acredito que o senhor disse isso a ele!
     ― Disse sim, Analú. E ainda ia dizer mais. — Fidel se senta no banquinho da cozinha e cruza as pernas. — Agora ele me deve a vida. Já pensou se ele cai de cima daquela escada? — gesticula com as mãos a possível queda. — Plaft! Seria pedaço de bicha pra todo lado.
     ― O senhor acha que ele é gay? Sei lá eu acho que ele é no máximo bi.
     ― Bi? Aquilo ali queima que é uma beleza, minha filha.
Fidel olha para o lado e se assusta ao ver que Ugo está parado no pé da porta ouvindo toda a conversa.
     ― Ai que susto, Ugo!
     ― Fidel, Fidel! Olha o que você anda dizendo. Se eu fosse você agradeceria de joelhos ao Wagner.
     ― Se você fosse eu, meu filho, você seria A estrela, A espetacular. Mas é apenas isso... Um italiano enrustido. ― Olha pra cima ― Ai, Santa Amy Winehouse, eu sempre te peço forças, mas você sempre diz “no, no, no” (imitando a música Rehab). Dai-me paciência, viu...
Ugo cerra os punhos e Analú evita a briga.
     ― É melhor parar, gente.
***
     Wagner acha que já está seguro, pois Ugo não está em casa. Sendo assim ele se levanta da cadeira de rodas.
     ― Eles acham que eu estou sem poder andar HAHA! – gargalha.
     Wagner anda, com dificuldades até a porta para girá-la e trancá-la, mas antes que ele chegue Ugo o surpreende a abrindo.
     ― Wagner? Está andando!
     ― Não! Por favor, esqueça que viu isso aqui.
     ― Estava mentindo esse tempo todo!
     ― Não, Ugo! Estou reaprendendo a andar aos poucos.
     ― Mas isso é... Isso é ótimo! Por que não me contou? – Ugo finge estar gostando da recuperação do patrão.
     Wagner se sente extasiado e acaba caindo no chão. Ugo o ajuda a levantar e colocá-lo na cama. Quando Wagner finalmente dorme, Ugo pega o telefone e liga para “Cérebro”.
     ― Cérebro? Trago notícias de Wagner. Sì... Wagner estava mentindo esse tempo todo.
     ― (voz distorcida) Como?
     ― Wagner consegue andar, Cérebro!
     ― (voz distorcida) Idiota! Mas o tempo dele está contado, Ugo. Agora que a filha dele está morta, não poderá mudar o testamento. Está na hora de dar os últimos passos antes da morte desse desgraçado. Wagner que conte seus últimos minutos de vida.

(ESPAÇO PARA A ABERTURA)

Ingrid abraça Inês e diz:
     ― Eu vou pra essa viagem e vai dar tudo certo. O Bruno vai comigo!
     ― Sinto que algo de muito ruim vai acontecer, minha filha.
     ― É uma viagem de navio. É a venda da revista Flash. Wagner faz questão de que eu esteja presente. Até deixou que eu levasse um acompanhante. Vou levar o Bruno.
***
Música: Lady Gaga – Paparazzi.
     O navio particular de Wagner Peregrini estava ancorado no porto da praia do Náutico em Fortaleza.
     Era o lançamento da nova Revista Flash, onde saberiam quem desembolsara bilhões de dólares para comprar as cinco filiais. Estavam presentes representantes e jornalistas dos principais sites de fofocas, revistas parceiras, emissoras de TV e editoras do mundo todo.
     Antes de sair de casa, Ugo imprimiu um documento enviado por Cérebro, guardou numa pasta e depois dentro de sua mochila, a qual ele sempre carregava.
     Fidel, Gisela, Vanessa, Ugo e Wagner entraram na limusine e desceram em frente ao porto. Flashes e mais flashes os cobriam. A noite estava espetacular e o mar agitado. Estavam apenas esperando os Peregrini chegarem para dar início à viagem e consequentemente à festa. Seriam dois dias de viagem até o Rio de Janeiro e depois mais dois dias de volta à Fortaleza.
O navio já estava em alto mar. Sinal para a cerimônia começar.
     Wagner subiu no palco ainda de cadeira de rodas, com muita dificuldade e fez as apresentações.
     ― Vos apresento Gisela Saboya, a nova dona da Revista Flash Magazine!
     Depois de uma salva de palmas e uma grande queima de fogos, Gisela acenou para todos os convidados. Enquanto ela fazia o discurso, Wagner foi falar com sua advogada Albaniza, que também estava presente. Os dois se encontraram num barzinho do próprio navio.
     ― Oh, meu amigo! Depois de vinte e cinco anos você vem me dizer que doença tem!
     ― Eu tive vergonha.
     AIDS não é vergonha. Se você tivesse se tratado desde aquela época, viveria bem mais. Conheço-te há bastante tempo. É um homem forte.
     ― Mas eu vivi muito. Descobri essa doença há exatos vinte cinco anos, e vinte e cinco anos depois estou contando para a primeira pessoa. Além do quê naquela época não se tinha tamanho conhecimento dessa doença como se tem hoje. Bom, você redigiu um novo testamento que eu lhe pedi?
     ― Sim. Tudo para a sua secretária Maria Aparecida dos Santos, vulgo Cida. Só falta assinar.
Albaniza põe o documento em cima da mesa e Wagner o assina.
     ― Wagner... Obrigada por confiar em mim. Prometo não contar nada a ninguém.
     ― Eu gosto muito de você, Albaniza. Depois dessa viagem, eu e Ugo viajaremos sozinhos pelo mundo no meu iate. Vou viver o resto dos meus dias ao lado dele.
     ― Vocês se amam? — a pergunta, por mais estranha, não soa indiscreta.
     ― Sim. Ugo me ama e eu o amo.
     ― Desejo que vocês sejam muito felizes. — eles se abraçam.
***
Música: Madonna – Spanish Eyes.
     Ugo está no quarto. Como desde criança, odeia festas, celebrações e qualquer tipo de comemoração. Ele lê o documento enviado por Cérebro que ele imprimiu e depois o guarda. Depois vai olhar sua caixa de e-mails no tablet e percebe que tem um e-mail não lido de Cérebro:
“Ugo. Está quase na hora. Já sabe o que fazer: Faça com que Wagner assine o documento que eu lhe enviei. Depois lhe dou um novo sinal para que acabe com a vida do desgraçado. Cérebro.”

“Será o certo?” Pensa Ugo. Wagner se mostrou um homem mais cuidadoso consigo nos últimos tempos. Fez planos para a vida a dois. Às vezes Ugo chegava a pensar se não estaria prestes a cometer uma injustiça.
     ― Claro que não! Wagner me impediu de viver. Wagner tomou de mim minha inocência. É... Não sou nenhum santo, mas ele me trata e sempre me tratou como escravo. Não há volta.
***
     Em outro quarto do navio, Bruno estoura um champanhe e coloca em uma taça que Ingrid está segurando.
     ― Está gostando da viagem?
     ― Muito, Ingrid. Quer dizer... Cida.
     ― Você me entende? Eu quero salvar o Wagner daquele homem que se diz motorista dele. Ele é um assassino nato. Ontem ele me encarou.
     ― Não acha perigoso? – Bruno coloca champanhe na sua taça enquanto fala.
     ― É. Mas é pro meu bem e pela memória da Cida.
Alguém bate na porta do quarto.
     ― Quem é? – Ingrid pergunta.
     ― Sou eu, Cida. Wagner.
     ― Vou me esconder no banheiro. Wagner não pode saber que eu estou aqui. Vai que ele me reconhece daquele dia em que me atacou na Flash? Só não demora.
     Bruno se esconde no banheiro. Ingrid abre a porta e Wagner, com dificuldades guia a cadeira para dentro do quarto. Ela o ajuda.
     ― Vim perguntar o que você e seu namorado estão achando da viagem.
     ― Estamos adorando, senhor Wagner.
     ― Oh, não me chame mais de senhor. Agora não sou mais seu patrão. Somos apenas amigos.
     ― É uma pena. Trabalhei pouquíssimo tempo para o senhor. Pra você...
Bruno observa a conversa dos dois de uma brecha da porta do banheiro.
     ― Mas a sua nova patroa, minha ex-sogra, é uma boa pessoa.
     ― Tão boa quanto o senhor? — Ingrid o elogia.
     ― Eu não sou uma boa pessoa, Cida. Todos nós temos os nossos defeitos. Bom, essa pode ser uma das últimas vezes em que nós nos falamos. Eu... Eu vou embora com o meu...
     ― Com o Ugo.
     ― Isso. Vou embora com ele. Tenho pouco tempo de vida e quero aproveitar esse tempo sendo feliz.
     ― Total apoio, Wagner. Você merece.
     ― Eu não conheci minha filha Ingrid, mas conheci você, Cida. Tenho um grande apreço por você. Posso te pedir algo?
     ― Se estiver ao meu alcance...
     ― Me dá um abraço?
Ingrid se agacha e abraça Wagner. Um sentimento de pai e filha foi despertado. Aquele sentimento estava sendo selado naquele momento.