quarta-feira, 30 de abril de 2014

A ERA DOS MORTOS - EPÍLOGO


EPÍLOGO


Um ano depois...

- Você esqueceu-se de mim novamente, não é? – perguntou Lex, lançando um olhar de reprovação quando sua amiga Janaira desembarcou do helicóptero.

- É muito bom ver você também, querida amiga! – falou Janaira, num tom irônico, mas as duas se abraçaram por alguns minutos. – Estava morrendo de saudade.

- Quinze dias! Está passando cada vez mais tempo na fortaleza.

- O “Senhor da Fortaleza” exige a minha presença, o que posso fazer? – comentou Janaira, divertida.

- É isso ou é o fato de você estar cada vez mais apaixonada pelo “Senhor da Fortaleza”? – implicou Lex, com um sorriso.

- Daniel tem sido um bom amigo. Ele perdeu a esposa. Eu perdi Casper. Acho que nos entendemos. Somos um bálsamo um para o outro. Mas estamos indo com calma, caso pense algo diferente. Nós nunca ficamos juntos. É que realmente ele tem dificuldade em organizar tudo na fortaleza e precisa de mim. Há tantos desafios. Sabia que tivemos o primeiro nascimento desde o apocalipse? Uma menina linda chamada, adivinhe, Alexia Bittencourt. O casal é muito fofinho. A mãe, Sarah estava no supermercado. O pai, Donato, foi transformado em zumbi durante a invasão da fortaleza. Quando eles se reencontraram, enquanto nós ainda estávamos no casarão, resolveram que precisavam ter um bebê. A história é linda. Eu chorei muito quando a escutei. Queria que Casper estivesse aqui. Seria lindo ter um bebê dele.

Janaira ficou triste. Ela ainda sentia a falta de Casper. Não conseguia esquecê-lo, embora Daniel Dantas estivesse sendo uma companhia muito agradável a ela.

- Muito linda a história, mas ainda não explica porque você esqueceu do meu carregamento. – exigiu Lex.

- Não é fácil ser a chefe da logística, Lex. Muitas demandas e você sabe que o chefe mandou dar prioridade para Melanie e Lanister. O hospital e o laboratório estão de vento em popa.

- Claro! E se tivermos um ataque surpresa de zumbis na nossa porta, Janaira? Como é que vamos conter um pequeno exército. Com pedras e paus? Minha reserva de armamento está uma piada!

- Já fizemos isso antes, espertinha! – provocou Janaira, mostrando uma caixa de papelão na mão. – E isso era mais importante do que suas balas e granadas, Rambo!

- O que é isso? – Lex perguntou curiosa.

- É pro seu pai! São amostras. Os testes com os voluntários foram um sucesso, Lex. A cura é definitiva agora! Você não ser mais um saco de sangue ambulante. Ele fez isso por você! Você deveria ser mais grata, amiga! Ele é a única família que você tem agora!

Lex baixou a cabeça. A morte de Lizzie ainda a assombrava.  Lex nunca imaginou que Lizzie iria morrer. Mas sua pneumonia foi se tornando cada vez mais agressiva. Depois de alguns meses e diversas paradas respiratórias depois, sua irmãzinha não resistiu.  Lex achou que iria morrer, então, a dor foi diminuindo. A vida continua. É dura, é difícil, mas continua e é preciso achar uma forma para continuar. E Lex havia achado a forma em seu trabalho e havia muito trabalho a se fazer.

- Sinto muito, Lex. Sei que não gosta de lembrar da Lizzie. – disse Janaira, envolvendo Lex em seus braços. Janaira era uma boa amiga. Era sua melhor amiga. Havia perdido sua irmã, mas havia ganhado outra - Só estou querendo dizer que Lanister é sua família agora e ele está tentando de verdade chegar até você. Você é que é arredia. Leva isso pra ele. Acho que ele vai querer contar os detalhes pra você.

Lex entrou no Orgão Central e desceu os elevadores. Agora, o laboratório de Lanister era no 24º andar. E o 25º, 26º e 27º eram todos dedicados ao hospital que abrigava pessoas que necessitavam de atenção médica, não zumbis. Todos os experimentos com zumbis eram realizados na Fortaleza sob a monitoria de Bio.

- Lex!!! – berrou Lanister animado assim que ela desceu dos elevadores. – Trouxe meu pacote?

Ela entregou para ele e Lanister rasgou o papelão como se abrisse um presente na manhã de natal. Desde o dia da libertação da Cidadela, Lanister havia se transformado num novo homem. Parecia cada dia mais consciente, mais centrado. Sua sanidade havia retornado aos poucos.

- Sabe o que é isso? – disse ele, mostrando-lhe uma ampola.

- Janaira me contou por cima. É uma cura definitiva, não é?

- É mais do que isso. Aumenta a retroatividade de 48 horas para 5 até 7 dias. Isso quer dizer que mesmo que você seja infectado há mais dias, ainda há uma esperança de curá-lo definitivamente e eu quero fazer mais, Lex. Quero chegar a uma retroatividade infinita, salvar todos os zumbis que você salvou. Isso pode trazer todos de volta, até os que já se transformaram há mais de um ano atrás. Quem sabe um dia, eu possa trazer seu pai Teddy de volta. Isso seria bom, não é, não é, Lex?

- Isso seria ótimo! – falou Lex, dando um beijo na bochecha de Lanister. – Assim eu terei dois pais de volta!

Lanister piscou repetidamente depois de alguns segundos absorvendo o que Lex havia dito. Janaira tinha razão. Lanister queria ser seu pai e já o fora. Porque ela insistia em mantê-lo afastado? Ele era a única família que lhe restara.  

- O que disse, filha?

- Eu disse que terei dois pais de volta.... pai!

Lanister a abraçou e dessa vez Lex deixou-se abraçar. Repousou a cabeça no ombro de Lanister e deixou que ele acariciasse seus cabelos.

- Ah, filha... – disse Lanister. Quando Lex ergueu a cabeça para seu pai, viu que o velho cientista tinha os olhos marejados. Nunca o vira tão feliz!



Lex passou o dia inteiro no laboratório de Lanister. Ele havia feito mais das balas adaptadas e Lex precisava muito daqueles pentes de balas, uma vez que Janaira costumava esquecer de passar na Trevor & Associados para buscar mais armamento. Depois, subiu para o 10º andar que havia sido modificado para abrigar um centro de treinamento de agentes. Assim que desceu do elevador, Abril gritou:

- Homens sentido!!! Marecha MacNicholsl!!

Todos os homens e mulheres presentes fizeram uma saudação para Lex que retribuiu da mesma forma.

- Descansar! – disse ela, fazendo seus soldados moverem-se imediatamente para a posição de descanso: as mãos nas costas, as pernas levemente abertas. – Tenho uma boa notícia para todos, senhores! O chefe nos deu permissão para iniciarmos a limpeza de Parnaso, uma vez que agora todos os setores da Capital estão livres da presença de zumbis. Mas Lanister disse que o repelente que nós usamos não vai segurar os zumbis fora das áreas para sempre. Assim, precisamos continuar com o processo de limpeza. Há outra notícia muito importante para todos. Lanister ampliou o efeito da cura para até 7 dias. Isso demonstra que a decisão sempre questionada de reter os zumbis, ao invés de destruí-los, mostrou-se acertada uma vez que a retroatividade da cura pode ser aumentada.

Lex percebeu nos rostos de seus soldados que aquela notícia era mais do que feliz. Durante o processo de limpeza da Capital, os soldados capturaram mais de trezentos mil zumbis. A princípio, a mesa de Agentes Especiais havia declinado à decisão de mantê-los. Muitos cidadãos da Cidadela propuseram que se fizesse uma grande pilha de zumbis e que se tocasse fogo, destruindo-os para sempre. Mas Lex resolveu abriga-los num grande galpão da Capital, mantendo a monitoria virtual, através de câmeras conectadas ao “Painel de Controle” da Cidadela, chefiado por Danielle Dantas que era responsável pelo setor de Tecnologia e Comunicação.  Assim como Janaira, Danielle havia sido promovida a General.

Muitas vezes, Lex sentiu-se insegura diante da decisão de salvar os zumbis. Se os mortos-vivos fugissem, a missão de limpeza da Capital seria um grande fracasso e Lex não poderia se manter no cargo que agora ocupava: o de chefe da Segurança e Marechal. Entretanto, com a ajuda de Lanister, Lex conseguiu manter os zumbis contidos dentro de um certo perímetro usando uma espécie de repelente para zumbis, partindo da mesma composição da cura.

Aquilo surtiu o efeito esperado. Os zumbis nem tentavam fugir. Ficaram letárgicos, parados, esperando eternamente uma carne fresca e suculenta que nunca viria. Talvez agora, houvesse alguma esperança para eles.

- O major Abril e os coronéis Andrei e Souza estão convocados para uma reunião amanhã às nove no Pavilhão de Eventos para organizarmos os detalhes da nova missão. Isso quer dizer que vocês não podem exagerar na festa de hoje a noite... – disse Lex com um meio sorriso. – Daqui a um ano, quando estivermos festejando a libertação da Cidadela, espero que a festa tenha mais de quinhentos milhões de pessoas, a quantidade estimada de zumbis, de acordo com os estudos de John Casper.

Lex ainda falou algumas palavras de motivação e em seguida saiu, tomando o elevador. Abril correu para tomar o mesmo condutor.

- Senhor... Senhora, quero dizer – Abril sempre ficava nervoso na presença de Lex. A informação do que Lex havia feito durante a libertação da Cidadela há uma ano atrás ainda ecoava nos corredores e ruas da Cidadela. Isso mantinha as pessoas afastadas dela. As pessoas tinham medo, respeito. Era ruim por um lado, mas dava às pessoas a confiança de ela poderia manter todos a salvo se algo de ruim acontecesse. – Onde vamos manter os zumbis de Parnaso, não podemos manter todos no galpão da Capital. Já está cheio, não é?

- Eu tenho pensado nisso. Acho que a resolução mais rápida é encontrarmos um novo local no perímetro da cidade e instalar a monitoria virtual. Entretanto, não poderemos fazer isso se as operações de limpeza continuarem. Lanister está avançando nas pesquisas, mas precisamos ser cautelosos, não é. John Casper está com um projeto para criarmos um lugar parecido com a Cidadela, sem o órgão central, os pavilhões, as praças: apenas o muro e alguns postes com câmeras para monitorarmos os mortos-vivos. É uma ideia interessante, mas isso precisa ser aprovado pela Mesa dos Agentes Especiais... então... vamos esperar para ver o que vai acontecer, Abril.

- Claro, obrigada senhora...


Depois de sair no seu andar, o 50º, modificado para ser o lar dos agentes especiais, Lex correu para seu quarto. Estava atrasada. Com certeza, os outros já estavam indo para a festa.

Lex abriu o armário. A maioria de suas roupas eram macacões e roupas de agente, mas agora já se via alguma cor. Depois da Libertação da Cidadela, cada escravo tornou-se um cidadão e precisava cumprir uma agenda de trabalho. Como havia muito mais gente na Cidadela do que na Fortaleza e muito mais recursos, logo as coisas começaram a melhorar. Agora havia uma pequena fabriqueta de tecidos e roupas no antigo pavilhão 4, junto com uma série de outras fabriquetas. Por isso, o pavilhão havia sido renomeado de Pavilhão de Fábricas.

Escolheu um vestido roxo escuro muito delicado, com um ótimo caimento, algo digno de uma marechal.

Tomou um bom banho, penteou os cabelos em um coque sóbrio, colocou alguma maquiagem, produzida na fabriqueta de perfumes e cosméticos, calçou os sapatos novos e saiu. No saguão do 50º andar, não havia mais ninguém, nem mesmo Janaira que levava um tempão para se arrumar. Era mais do que óbvio que ela estava atrasada.

O bom de estar atrasada é que os elevadores não pararam em nenhum andar e ela logo se viu no saguão do Órgão Central.

Quando desceu as escadas do Orgão Central, escutou a música alta e sorriu. As pessoas se dirigiam para o Pavilhão de Eventos, o antigo pavilhão nº 5. O lugar havia sido transformado. Estava todo enfeitado e perfumado. No palco montado, havia uma pequena filarmônica tocando. Surpresa, Lex viu John Casper em todo aquele tamanho, tocando um delicado violino e sorriu. Depois viu Janaira, acenando maluca para ela. Só faltava ela na mesa dos Agentes Especiais. “Ah, droga!”, pensou ela, apressando-se. Meio desastrada, Lex tropeçou no último andar dos degraus do palco e cairia se não fosse salva por duas mãos hábeis em sua cintura. Lex ficou corada ao se virar.

- Está atrasada! – falou ele, seus olhos azuis fixos nela, repreendendo-a.

- Eu tive muito trabalho hoje!

- Eu ordenei que desse prioridade para a festa, menina!

- Ah, Jack... sem sermão dessa vez, por favor... e pare de me chamar de menina!

Jack a guiou até a mesa, com uma mão em suas costas. Era o suficiente para deixar Lex nervosa. Já fazia um ano desde que haviam terminado e Lex ainda não conseguia controlar o nervosismo na presença dele.

Ele puxou a cadeira para que Lex se sentasse e sentou-se ao lado dela. Ao lado de Lex, Janaira estava sentada e ao seu lado, Danielle. Do lado de Jack, estavam Lanister, Bio, Melanie e Dantas que só tinha olhos para Janaira.

- Achei que Daniel não viria! – falou Lex, para Janaira cujos olhos brilhavam.

- Ele fez uma surpresa, filho da mãe. – disse a bela morena, mordiscando o lábio inferior. – Acho que vai ser hoje a noite, Lex. Acho que eu estou pronta, você não acha?

A festa estava maravilhosa. As pessoas conversavam animadas e outras dançavam. O jantar foi servido e era possível perceber que Babucha, a chefe das cozinheiras, havia caprichado na comida. Quando todos já estavam satisfeitos, Jack se levantou e a filarmônica parou. Havia milhões de pessoas naquele pavilhão e ainda assim, todos se calaram. Era assim que Lex via Jack: um líder nato.  Jack puxou um pequeno microfone e sua voz reboou pelos alto-falantes da Cidadela:

- Caros cidadãos da Cidadela, da Fortaleza, da Trevor & Associados e do Casarão... – disse Jack, apontando para Steve e seu cão Bob que estava num cantinho, perto de uma das colunas do pavilhão. – Eu agradeço a presença de todos não só para comemorarmos a libertação da Cidadela, mas para comemorarmos a nossa existência. A nossa continuidade. Apesar de tudo o que cada um aqui presente passou, nós continuamos. Uma sábia pessoa uma vez me disse que a vida é dura e é difícil e é um dia atrás do outro. Todos nós sofremos, perdemos pessoas importantes em nossas vidas, mas, porque continuamos, encontramos outras pessoas que se tornaram especiais em nossas vidas, pessoas que nos fizeram continuar. Essa sociedade não é perfeita e não busca a perfeição, porque somos humanos. Mas nós buscamos nos transformar como tais, buscando a solidariedade, a colaboração, a fraternidade que foram esquecidas por pessoas que só queriam o poder. Isso não pode mais acontecer. Porque há uma hierarquia, não quer dizer que não somos iguais em essência. Todos nós temos uma tarefa, um trabalho, somos igualmente importantes. E isso precisa estar sempre em nós, naquilo que fazemos, naquilo que somos... Aproveitem, festejem, sejam felizes porque vivemos, porque continuamos... porque somos livres...

O pavilhão de eventos explodiu em palmas e a filarmônica recomeçou a tocar.

- Gostou do discurso? – perguntou Jack, virando-se para Lex que não tinham palavras. Ele havia tomado suas palavras e elas significavam muito para ela.

- Obrigada, Jack... você me ajudou a continuar quando Lizzie... – ela não conseguiu terminar pois sua voz havia ficado embargada.

Mesmo antes de sua irmã falecer, Jack havia ficado do seu lado, no hospital, aguardando enquanto Lex esperava uma notícia. Quando Melanie informou que Lizzie não havia conseguido. Lex desabou no chão, chorando como nunca imaginou que choraria. De alguma forma, ela sempre achou que continuava para proteger sua irmã e agora que ela se fora, não havia mais sentido em viver. Ela tremia em desespero e imaginava que jamais seria feliz novamente. Mas então, ele estava lá. Jack a abraçou. Permaneceu com ela. Dormiu em seu quarto quando ela teve pesadelos. Cuidou dela quando ela estava doente. Nunca atravessou os limites que ela havia imposto. Nunca aproveitou-se de sua fragilidade naquele momento de dor. Ele apenas ficou ali, como um bom amigo, mesmo sendo muito mais do que um amigo.

Foi Jack, Lanister e Janaira que ficaram ao seu lado. Deram-lhe forças e a vontade para continuar. Em seu coração era grata por aquilo. Ela estava feliz hoje. Via rostos felizes, música no ar, alegria como há muito não se via. Era possível continuar...

- Uma dança? – falou Jack, oferecendo a mão direita para ela, tomando-a de surpresa.

- D-dança...? – perguntou Lex, nervosa. – Eu não sei dançar.

- Eu também não. Vamos...

Ainda nervosa, Lex aceitou o convite de Jack que a conduziu para até o espaço onde os outros estavam dançando. Nos primeiros passos, Lex percebeu que Jack sabia muito bem dançar.

- Mentiroso! – disse ela, com um sorriso tímido nos lábios.

- Relaxe, Lex, deixe que eu te guie.

Jack a guiava com maestria e muitos dos que observavam apontavam os dedos para eles e sorriam: era o chefe da Cidadela e a chefe de segurança juntos. Agora, a história de ambos era de conhecimento geral.  Mas Lex não ligava para ninguém. Simplesmente não conseguia desviar daqueles olhos azuis tão enigmáticos.

- Sabe... eu fiquei apavorada a primeira vez que olhei nesses olhos. – disse Lex, tornando a distância entre seus corpos cada vez menor. Jack é claro percebia.

- Ainda te deixo apavorada? – disse ele, descendo as mãos das suas costas para a sua cintura, pressionando-a levemente, trazendo-a mais para perto de si. A canção ia num ritmo diferente do deles. Eles deslizavam em câmera lenta, leves como plumas, embora houvesse uma grande tensão no ar. Naquela noite, ambos eram pássaros dourados. Sem conseguir resistir ao magnetismo dos olhos de Jack, Lex entreabriu os lábios e sussurrou em seu ouvido:

- Eu quero mergulhar nesses olhos... quero me banhar nesse azul... eu quero segurar seus cabelos contra minhas mãos... quero sentir o seu calor contra o meu...

Lex estava chocada. De onde vieram aquelas palavras? E, no entanto, ela não conseguia desviar os olhos. Era a hora de sair correndo. Quebrar o encanto, romper o clima. Por que não conseguia sair dos braços de Jack? O que a prendia ali?

- E por que não faz isso? – perguntou ele, se aproximando. Tornando a distância de seus lábios inexistentes. O tempo parou. Sentiu seu sabor não em seus lábios, mas em seu ser, na sua alma. Milhões de pessoas ao redor e o universo parecia ter se reduzido a apenas aos dois. Já haviam se beijado antes, mas aquilo era diferente. Era um beijo de saudade, de ansiedade. Dias e dias de espera. E Jack a provocava. Era doce e suave em um segundo e passional noutro instante – Desculpe, querida, por isso. – disse ele, afastando seus lábios dos dela. - Não resisti. Eu precisa te beijar: você está linda e graciosa neste vestido.

Lex sorriu.

- Você também não está mal nesse terno tão alinhado. – disse ela, apertando um pouco a gravata de Jack em seu pescoço. – quem diria que nós dois iríamos vestir roupas de gente normal.

Jack sorriu também.

- Sabe, Lex, eu jurei pra mim mesmo que seria paciente dessa vez. Eu jurei que lhe daria todo o tempo do mundo. Fiquei de longe observando esse tempo todo. Eu até pensei que poderia te deixar ir. Vejo você sempre com Abril e sei que ele é jovem, tem a sua idade, é um rapaz ideal pra você. Se eu fosse um homem decente, ficaria afastado para sempre, dar um pouco de espaço para ele conquistar seu coração... mas eu não consigo, Lex.

- Abril? – Lex perguntou, com um sorriso nos lábios, e envolveu os braços no pescoço dele. – Abril é apaixonado por Melanie, Jack. Ela está grávida e eles vão se casar quando o bebe nascer.

- Eu achei que você e ele...

- Ele é meu amigo. É meu braço direito, sabe, mas ele adora a Melanie. E pra falar a verdade, eu tenho mais motivos para sentir ciúmes de você e Danielle do que você de mim e Abril.

- Acho que não! – falou Jack, divertido – Danielle tem uma queda por mulheres.  Ela namora a Madalena, a arquiteta que construiu as casas residenciais e a muralha externa da Cidadela.

- Jura? Como somos bobos então! – disse Lex encarando Jack. – Eu sei que eu tenho estado afastada de você. Tenho sido arredia. Mas eu precisava saber, precisava entender o que havia entre nós dois. Eu queria saber se eu era pra você mais do que apenas uma cura.

- E agora você sabe? – perguntou ele, franzindo o cenho. Ele parecia aborrecido. Lex não queria aborrecê-lo, não queria fazer nada que pudesse estragar aquela noite, mas precisava resolver aqueles conflitos. – Você acredita tão fielmente na minha palavra quando eu lhe dou uma ordem na condição de líder. Você confia em mim, luta ao meu lado, salva-me. Por que não acredita na minha palavra como um homem apaixonado, Alexia?

- Você diz que quer ser paciente, então tenha paciência comigo. Eu estou aprendendo a amar, Jack. Você sabe minha história, sabe que Brandon criou em meu coração algumas cicatrizes. É difícil pra mim confiar... mas eu confio em você. Eu confio! É que tem acontecido tanta coisa...

- Sempre acontece, Lex... – disse Jack, puxando Lex para mais perto. Ela colocou sua bochecha contra o peito dele, sentindo os braços dele a envolverem como quem envolve um bebê ou um tesouro precioso ao mesmo tempo que escutava seus batimentos cardíacos. – Você sabe o que eu sinto por você. Sabe o quanto eu a amo. Mas não vou me aproximar mais a não ser que você permita. Por favor, permita!! – acrescentou ele com aquela voz suave que só ele conseguia fazer.

Lex ergueu a cabeça para olhar naqueles olhos azuis...

Ergueu a mão e enfiou os dedos naqueles cabelos negros, sedosos, brilhantes...

Jack e ela eram iguais. Se ela tinha cicatrizes, ele também as tinha. Se ela sofrera, ele também. Se ela lutara, ele também. Eram pássaros negros. Mas até os pássaros negros podem amar, não podem?

- Eu também amo você, Jack. – disse Lex, novamente. Ela ficou na ponta dos pés para dar-lhe um beijo mas foi surpreendia com um abraço, sentiu a pequena mãozinha envolvendo sua cintura e olhou para baixo para ver a carinha de Cindy, sorrindo.

- Vocês estão juntos! – disse Cindy. - Eu vi vocês se beijando!

- Você iria gostar disso, Cindy? – perguntou Lex, fazendo uma carícia nos cachinhos da menina.

- Acho que já está na hora de você ir dormir, mocinha! – falou Jack, com um tom amoroso em sua voz suave.

- Ah, pai... só mais um pouquinho. Se vocês ir na frente, a tia Danielle me leva depois...

Jack olhou para Danielle que estava ali perto e ela estava de mãos dadas com Madalena.

- Eu levo ela depois... – falou Danielle, olhando para Lex, entendendo tudo.

Então Jack olhou mais uma vez para Lex. Eram pássaros. Não precisam de palavras para se comunicar. Seus olhares carregavam mensagens que só os dois poderiam decifrar. Ele sabia. Ela sabia. Pertenciam um ao outro. Eternamente. Vivos....

ou mortos.


Um pássaro negro sobrevoa a Capital. Nenhum pássaro se vê no céu além dele. Os pássaros agora não gostam daquele cheiro. Aquele cheiro ocre de remédio e química que humanos espalharam por todos os espaços. Mas aquele pássaro era diferente. Repelentes não lhe afetavam.

Ele nascera de outro pássaro infectado. Ele fora uma aberração desde o nascimento. O ovo partiu-se no corpo da ave mãe e ela fora devorada pelo filhote faminto de carne. Qualquer carne: viva ou morta! Ele aprendeu a voar, a atacar outros pássaros, a atacar coisas mortas. Ele aprendeu a tolerar o cheiro do repelente e a distinguir diferentes cheiros. Agora estava em busca de algo diferente. Entrou no deserto a procura do que lhe apetecia o olfato. Aquele cheiro tinha um sabor especial e o pássaro negro o buscava: era cheiro de sangue. Não coagulado, pútrido, mas sangue vivo e vibrante correndo a uma velocidade absurda nas veias da criatura lá embaixo. Era uma mulher. Ela estava muito acima do peso e corria para ir a festa no Pavilhão de Eventos da Cidadela. Hipnotizado por aquele cheiro, o pássaro negro fez um rasante e atacou. Com o susto, a mulher caiu de joelhos, ralando a perna. Tentando reagir rápido, bateu com a mão na ave, mas esta já lhe havia arrancado um pedaço de pele e carne e retomou seu voo feliz.

O sabor era indescritível. A ave comeu o pedaço como se fosse o próprio néctar de Zeus. Segundos depois a criatura fez seu último rasante para o chão. O sangue coagulou em seu estomago e levou-o a uma morte instantânea.

A mulher atacada e confusa com o ataque súbito achou que poderia continuar. Não era nada sério. E ela queria ir à festa. De repente, o cheiro das pessoas concentradas naquele espaço parecia encantador. Não percebeu que nas suas costas uma grande mancha roxa ganhava espaço. Ela não sabia, mas já havia morrido.

Esta é uma era estranha. Mortos vivem. Vivos morrem... 

FIM?
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ESCRITO POR - ELIS VIANA
DIREÇÃO DE ARTE - MÁRCIO GABRIEL
DIREÇÃO - FÉLIX
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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