quarta-feira, 2 de abril de 2014

A ERA DOS MORTOS - 38


CAPÍTULO 38


Jack olhou para cima quando viu o helicóptero partindo e seu alma se aliviou. Sabia que Lex estava em segurança e Casper asseguraria isso. Era muito importante para a sobrevivência do mundo que ela sobrevivesse a qualquer custo . E talvez fosse ainda mais importante para seu coração, embora Jack jamais fosse admitir isso. Era mesmo uma infelicidade que sua última lembrança juntos fosse tão triste como fora. Viu no rosto dela o quanto ela sofreu quando ele a rejeitou. 
Decepção. Era a palavra que ele usaria para descrever o sentimento que vira nela. Ele fora ríspido. Precisou ser.

Não queria decepcioná-la. Não mesmo.  Já o tinha feito antes quando não acreditou em sua palavra, quando a expulsou da Fortaleza. O quanto ela não sofrera na Cidadela, sendo um maldito rato de laboratório para aqueles animais? Para Abraham Smith?
Não tinha certeza do que sentia por Lex. E se arrependeu por ter dormido com ela. Não que não tenha sido maravilhoso tê-la em seus braços, mas sabia que precisava ter cuidado com a menina.  Ele pensou mais em si mesmo do que nela. Sabia que se a fortaleza fosse invadida, eles se separariam e talvez para sempre.  Jack sabia que não poderia separar-se dela sem verdadeiramente tê-la, nem que fosse por apenas uma noite.

O problema é que Lex não encararia isso da mesma forma e talvez, com essa atitude egoísta, ele tivesse causado nela mais uma cicatriz. Jack sacudiu a cabeça, tirando aquele pensamento da cabeça.

Ela estava longe e estava bem, pelo menos, fisicamente, e isso era tudo o que importava. Agora, restava sua situação a resolver.

Depois de alguns minutos gastando nos zumbis mais próximos as últimas balas de seu rifle e da sua Colt, Jack convenceu-se de que a situação da Fortaleza havia chegado a um limite intransponível. Havia mais zumbis dentro da fortaleza do que fora. Autorizou, enfim, a retirada da fortaleza.

Os poucos agentes que estava ali fora, cataram as pessoas que pareciam bem, privilegiando mulheres e crianças, e as colocaram nos dois ônibus da fortaleza e nos jipes.

- PARA O SUPERMERCADO!!! – gritou Jack, ajudando os jipes a transporem os portões, recheados de zumbis.

Os agentes sabiam o que fazer. Ir para o supermercado onde Lex ficara quando estava fora da fortaleza era o plano de fuga traçado por ele e repassado para os demais.

- Senhor, venha conosco!!! – gritou Abril, um dos agentes no último jipe.

- Vá!! Eu os encontrarei em breve! – mentiu Jack. Sabia que não havia muita esperança para ele próprio.

Depois dos jipes, foi a vez dos ônibus, lotados de pessoas. O primeiro ônibus teve sucesso na travessia, apesar da imensa quantidade de mortos-vivos ao redor, balançando o veículo.

O segundo ônibus não teve tanta sorte. Jack tentou de tudo. Atirou freneticamente nos zumbis que se agarravam as janelas do ônibus, tentando virá-lo a qualquer custo. Ele até se aproximou, arriscando ser mordido por alguns mortos que avançaram sobre ele. Nada deu certo. O ônibus tombou e diversos zumbis entraram. Era o fim para eles. Pela janela dos fundos, viu a terrível cena de pessoas sendo estraçalhadas por mortos famintos.

Jack retornou à fortaleza, desviando dos zumbis e pessoas prestes a tornarem-se um. O abrigo da fortaleza era seu último recurso.  Lá dentro, a situação não estava muito diferente: Zumbis atacavam as pessoas que corriam inadvertidamente para qualquer lado.

Ele subiu as escadas. Seu objetivo era chegar ao terraço, mas parou no primeiro andar. Olhou para o lado, onde ficava o dormitório que Lex ocupou por um bom tempo. Uma mulher zumbi tentava atacar Cindi, a menina que ele e Lex haviam resgatado na lanchonete da Avenida Atlantida. A menina estava escondida entre duas pesadas estatuas, mas a mulher esticava os braços para alcançá-la e o faria se ele não fizesse nada.
Jack estraçalhou a cabeça da mulher com sua faca e jogou seu corpo escadas abaixo. Cindi saiu das estatuas e correu para Jack que a segurou nos braços.

- Me ajuda, por favor – choramingou a menina, enterrando-se em seus braços, envolvendo os pequenos bracinhos ao redor do pescoço de Jack.

- Onde está Andrea, Cindi? – perguntou Jack, preocupado. Sabia que Andrea cuidava de Cindi como se fosse sua mãe.

- Ela morreu... – falou a menina.

Jack lamentou. Fez menção em subir as escadas, mas um grupo de zumbis estava no caminho, bem no meio da escadaria. Eles haviam despedaçado alguém. Havia sangue por toda a parte.

- É melhor fechar os olhos, Cindi. – falou Jack, preocupado com a menina que poderia entrar em choque com a situação.

Sem saída, uma vez que o Lobby de entrada, embaixo, estava completamente tomado, resolveu tomar o corredor dos dormitórios e entrou no nº 2, o que Lex ocupava.

Trancou a porta atrás de si e virou para contabilizar a situação. Havia umas vinte mulheres ali  e um menino de 12 anos que Jack conhecia como Pedro Afonso. Estavam assustados, mas pareciam bem.

- O Senhor veio nos resgatar? – falou uma das mulheres, com esperanças nos olhos melancólicos. - Estávamos achando que estava tudo perdido. Que era uma questão de tempo até que os zumbis nos achassem.
Jack não sabia o que dizer. Como explicar que eles estavam cercados? Que não havia esperança? Que ele fugia muito mais por instinto do que por chance?
Mas então, um lampejo de memória agitou seu pensamento. Lembrou-se do dia em que Lex, usando apenas uma toalha, saiu correndo do banheiro e esbarrou nele. Lembrou-se da sensação do momento em que ela o abraçou assustada e fragilizada. Ela dissera que Brandon estivera no banheiro feminino e que ele havia escapado por uma passagem secreta. Na época, achou que era produto da imaginação perturbada de Lex, mas quem sabe...?
- Para o banheiro... – disse Jack às outras mulheres – Acho que há uma passagem secreta...

O banheiro estava vazio e escuro. Jack colocou Cindi no chão e aproximou-se da porta de entrada para o dormitório 1. Não havia ninguém ali no dormitório, mas havia sinais de sangue da parede. Preocupado, Jack fechou a porta e travou-a bem. Depois foi até a porta do dormitório nº 3. Quando a abriu, assustou-se: havia uma grande infestação de zumbis ali e quando ele apareceu na porta, acabou chamando a atenção dos zumbis mais próximos que correram em sua direção. Jack fechou a porta com rapidez, mas quando se afastou percebeu que a porta se movia com a pressão que os zumbis estavam fazendo do outro lado.
- Não temos muito tempo. – disse Jack, alarmado com a situação. – Há uma passagem secreta em algum lugar da parede. Tentem descobri-la. É a única chance de escaparmos daqui vivos.

As mulheres se apavoraram com a informação de Jack, mas o obedeceram e passaram a investigar as paredes, e os chuveiros grudados às paredes. Depois de alguns minutos, foi Pedro Afonso quem surgiu com um sinal de esperança.

- Aqui... senhor Trevor...
Jack correu em direção ao garoto. Ele havia empurrado um das torneiras dos chuveiros e um vão apareceu na parede. Uma pesada porta disfarçada de parede se abrira.

Jack procurou a lanterna em seu coldre e a ligou. Desde sua experiência nos esgotos de Parnaso que Trevor não tirava a lanterna do coldre. 

- Eu irei à frente! – informou Jack aos outros que se aproximaram deles. – O último a entrar deve selar a porta.

Jack entrou na escuridão, sem saber exatamente o que iria descobrir. Sentiu-se extremamente aborrecido consigo mesmo por não ter acreditado em Lex quando ela jurou que Brandon havia usado aquela passagem secreta. O quanto ela não sofrera, acuada pelo maldito Brandon, semi-nua, naquele banheiro, espreitada pelo homem que a violentara? Ah, se ele tivesse acreditado em sua palavra. Se ele tivesse atirado Brandon da Fortaleza da primeira vez que ela lhe alertara sobre aquele inescrupuloso estuprador, um psicopata fingindo ser psiquiatra.

Se tivesse acreditado em Lex, tudo teria sido diferente e as pessoas da fortaleza estariam a salvo agora.

- Onde isso vai dar? – perguntou uma das mulheres.

Nem Jack sabia. Ajeitou Cindi nos braços quando viu uma estreita escada espiral e subiu tentando fazer silencio contra os andares de ferro que faziam barulho a cada passo.

Subiram diversos degraus até chegarem a uma porta. Jack gelou quando ela pareceu estar fechada. Colocou Cindi no chão e tentou novamente. A menina, automaticamente agarrou-se a sua cocha.

Com dificuldade, Jack deu um pequeno impulso e bateu com os ombros contra a porta. Ela se moveu um pouco. O suficiente para Jack ver que ela não estava trancada, apenas estava escorada pelo que parecia ser um armário. Empurrou novamente e passou pelo vão, puxando Cindi em seguida e tomando-a nos braços.
Percebeu que estava no quarto de Brandon. Agora sabia porque Brandon havia insistido tanto para ficar com aquele quarto quando eles preparavam a fortaleza para ser um abrigo pós-apocalíptico.

Quando todas as mulheres saíram, lotando o pequeno quarto de Brandon, Jack empurrou novamente o armário no lugar, caso precisassem tomar aquela passagem novamente.

Depois disso, saíram para o corredor do andar dos agentes especiais.
Por pura sorte estava vazio, mas havia muito barulho um andar abaixo e isso indicava que o perigo estava muito perto.

- Rápido... por aqui – sussurrou Jack, tentando produzir menos barulho.

Correu para entrada das escadarias da torre e começou a subir de dois em dois passos. Pedro e as outras mulheres o seguiram. Quando eles haviam feito metade do percurso, escutaram um grande barulho. Jack  olhou para baixo, mas não conseguiu ver direito. Então, as outras mulheres começaram a se agitar.

- Zumbis! Estamos sendo atacados! – gritou uma das mulheres.

Antes que o exercito de mulheres apavoradas passassem por cima de Jack, ele segurou Cindi firme em seus braços, puxou Pedro Afonso pelo ombro e subiu correndo. Na torre de guarda, onde ficaram os agentes atiradores de snipers, Jack colocou Cindi no chão, empurrou ela e  Pedro Afonso para baixo e ficou aguardando as outras mulheres.
As primeiras mulheres que passaram pareciam bem, sem nenhum arranhão e ele deixou que elas passassem. Então viu que a próxima mulheres estava com uma grande 
quantidade de sangue em seu rosto e, antes que ela alcançasse a porta, Jack a fechou.

- Abra, por favor, Sr. Trevor... eu não fui mordida? – o desespero na voz da mulher era latente e Jack lutou contra o impulso de abrir a porta. Ele não poderia arriscar.

Virou-se para encarar os sobreviventes. Algumas mulheres olharam para ele assustadas, outras, lançaram olhares condescentes. Ninguém, entretanto, fez menção em abrir a porta. Olhou para Pedro Afonso que tremia dos pés a cabeça e o garoto fez apenas um gesto de concordância.

- Vamos subir para o terraço. Há um pequeno armazém lá com alimentos e outros recursos. Além do mais, há um porta de ferro que pode segurar essas criaturas longe de nós até...
- Até sermos resgatados? – completou uma das mulheres, com esperança no olhar.
Jack olhou para ela e balançou a cabeça concordando. Como dizer a elas que ele dera ordem para Casper jamais retornar à Fortaleza se ela fosse tomada pelos zumbis?
- Sim... claro, até sermos resgatados... – confirmou ele, sentindo-se mal por estar mentindo, mas achou que era a melhor coisa a fazer, dados os fatos.

- Senhor... podemos ir também? – perguntou um dos atiradores.

- Sim, vocês quatro também. – disse Jack. – Não há mais nada que vocês possam fazer daqui. E vou precisar de vocês lá em cima...

Dez minutos depois, Jack e todos os outros sobreviventes estavam no terraço, olhando ao redor, assustados com o que acontecia lá embaixo. Pouco se podia ver com nitidez, é claro, mas ainda assim, a impressão era de um formigueiro em chamas. Além do barulho ensurdecedor de pessoas gritando em desespero.  Jack certificou-se de fechar com bastante cuidado a porta de ferro que dava entrada para o interior da fortaleza. Cruzou o Heliporto e quebrou a fechadura do armazém com o cabo do rifle, entrando em seguida. O armazém era pequeno. Um quarto com uma pequena janela basculante que abrigava algumas caixas. Quase todas eram de alimentos em conserva. Uma das caixas continha remédios e uma outra, continha fazendas na cor preta e cinza para a manufatura dos uniformes da fortaleza. Isso era bom, pensou Jack. As fazendas serviriam como cobertores. Mas nada disso era o que Trevor procurava, entretanto. Revirou tudo até encontrar o que queria: um rádio portátil de longo alcance.

- Alô, testando... câmbio – Jack iniciou, movendo os botões para os outros canais. 
Sabia que o caçula Casper, da Trevor & Associados, sempre mandava e recebia mensagens no canal 2. – Aqui é Jack Trevor da Fortaleza, cambio.  Casper, você está aí? Câmbio.

Escutou um barulho de estática e com um pequeno “click”, escutou a voz de John do outro lado.

- Sr. Trevor? Estou aqui, algum problema? Câmbio.
- Não, nenhum problema John. Vamos mudar o protocolo de segurança para 196, eu repito, 196. Câmbio.
Sentiu que John hesitava do outro lado. 196 era o código para “a fortaleza foi invadida”. Não poderia falar livremente, pois a Cidadela poderia estar escutando.

- 196, Senhor, o senhor tem certeza? Câmbio.
- Sim, John. O heliporto da fortaleza está reparos, avise a Cidadela que Alexia foi enviada para o casarão.

- Para o casarão? Senhor, tem certeza de que é seguro informá-los da posição do casarão...
- Não há outra alternativa, John. Câmbio – disse Jack, tentando parecer o mais indiferente possível.

- Senhor... eu posso mandar um “engenheiro” para cuidar do heliporto. Câmbio.
“Engenheiro” era o código que eles usavam para resgate. Era óbvio que John já havia sacado a situação. A fortaleza fora tomada. Jack barricara-se no terraço e a situação não estava nada boa para que eles dessem a localização do casarão para a Cidadela.

- Não é necessário, John. – afirmou Jack, varrendo de si qualquer chance de resgate.  – A situação já está sob controle. Cambio.
- Senhor, Frank está no casarão? Câmbio. – perguntou John. Jack imaginou que ele estava preocupado com o irmão.

- Sim.John. Frank ficou responsável por Alexia. Assim que puder, ative o protocolo 126. Câmbio.

O protocolo 126 era para enviar recursos para o casarão. Jack já havia enviado recursos suficientes para o casarão, mas ainda assim, Casper e os outros necessitariam dos recursos da Trevor & Associados mais dia menos dia.

Com isso, Jack desligou o rádio e em seguida, quebrou-o em pedaços, antes que qualquer sobrevivente pudesse por os olhos nele. Sabia que todos seguiriam suas ordens por enquanto, mas quando a fome e o desespero se abatessem sobre eles, alguém poderia usar o rádio para pedir resgate e dar informações por rádio que poderiam colocar a situação de Alexia em perigo. Por enquanto, até que Lanister ou Bio conseguissem uma cura, era imprescindível que Abrahan acreditasse que a fortaleza estava em plenas condições de defender Alexia. Isso era quase inútil, pensou Jack, mas era melhor assim.

Depois de alguns segundos, refazendo a própria respiração, Jack saiu do armazém. Os outros ainda olhavam para baixo, distraídos com o que acontecia, Jack também se aproximou da beirada para ver o que acontecia. Cindi, automaticamente, aproximou-se dele e abraçou sua cocha. Jack sorriu para ela, tentando passar conforto, embora não tivesse muito sucesso com isso. A menina estava apavorada e lembrava-lhe Alexia. Não podia deixar de sentir seu coração se afundando no peito, imaginando se algum dia voltaria a ver a mulher que amava.

Amava!! Era tão doce o sentimento que nutria por ela. Nunca imaginou que poderia amar novamente, depois que perdera sua filha há seis anos atrás. Deixou que o sentimento de vingança preenche sua alma e endurecesse seus sentimentos. Tornou-se um homem cruel e selvagem. No entanto, Lex, com o seu jeitinho de ser, havia conseguido achar um caminho até seu coração. Ele a amava. Amava-a como nunca amara em sua vida e sabia que ela o amava. Que ela o completava. Que ela era a única coisa agora que o mantinha vivo.

Segurou Cindi em seus braços e envolveu-a como costumava fazer com sua própria filha e, sem conseguir segurar suas próprias emoções, chorou. Deixando as lágrimas rolarem pelo seu rosto. “Eu a perdi”, pensou Jack, desesperado por testemunhar a queda de sua querida fortaleza e ainda mais mortificado por ter perdido o amor de Alexia.

E todas aquelas pessoas lá embaixo que confiaram nele, que o respeitavam por tudo o que ele representava. Agora reduzidas a corpos rasgados e apodrecidos.

- Meu Deus... É o resgate!!! – gritou uma das mulheres e Jack olhou na direção para a qual ela apontava.

Jack uniu as sobrancelhas preocupado ao ver ao longe um helicóptero se aproximando. Não podia acreditar que John ou Frank Casper estavam desrespeitando sua ordem direta de não resgatá-lo. Sabia que era muito arriscado.Em sua mente, preparava um grande sermão, mas então algo chamou sua atenção. Não era o helicóptero da fortaleza, nem poderia ser o planador bimotor que Jack mantinha no casarão. Então...
Seu corpo todo se enrijeceu e sua mandíbula travou.

- Sr. Trevor... devemos atirar? – perguntou um dos agentes atirador de sniper ao perceber que era um helicóptero da Cidadela.

- Não... não adiantaria.

Rendição era a única alternativa. 


ESCRITO POR - ELIS VIANA
DIREÇÃO DE ARTE - MÁRCIO GABRIEL
DIREÇÃO - FÉLIX
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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