O táxi parou em frente ao local abandonado, praticamente um pouco fora da grande São Paulo. Ela desceu, pagando o motorista. Lembranças vieram em sua mente assim que pôs o pé no chão. Lembranças de quando aquele lugar era um boteco, onde conheceu uma das pessoas que mais estragou a sua vida: Luigi. Foi ali que se viram pela primeira vez.
Mas esqueceu do passado e focou no
presente, no que estava acontecendo. Já eram mais de dez da noite. As pálpebras
estavam avermelhadas, ou cansadas de das lágrimas escorrerem. Antes de entrar,
Angélica fez o sinal da cruz. Começou a andar, e ao mesmo tempo, sentiu algumas
pontadas em sua barriga, que já estava doendo.
– Chegou tarde, maninha querida. – Disse uma voz. Angélica soltou um grito, apavorada, olhando para os lados. Foi então que uma luz surgiu naquela escuridão. Era a luz de uma lanterna, que mostrava o rosto da mulher diabólica, a qual não parava de soltar gargalhadas. Angélica a fitou como nunca, olhando no fundo de seus olhos, e não a vendo como irmã, e sim: como um demônio. De repente outra figura se aproximou. Angélica soube exatamente que eram os dois. Estava cara a cara com as pessoas que destruíram sua vida há muitos meses. Ficou séria.
– Se eu pudesse eu passava em cima
de vocês com um trator. Pra ter prazer de ver a morte lhes destruindo.
Desgraçados.
– Angélica! – Miguel gritou no meio
do escuro. A mulher chamada foi na direção da voz e acabou trombando numa
cadeira, podendo sentir o corpo do amado.
– Miguel, meu amor. – Sem conseguir
vê-lo, ela passou as mãos em sua boca, em seu nariz, para se certificar de que
ele estava ali. – Ai, Miguel. A gente vai sair daqui, meu amor. A gente vai
embora. A gente vai ser feliz e...
– Quem disse? – A voz masculina
interrompeu o diálogo. – Vocês só saem daqui mortos. Tão entendendo? Acha mesmo
que a gente te chamou aqui pra reencontrar seu namoradinho, Angélica? – Luigi
chutou as costas da mulher. – Hein, sua vagabunda! Responde!
– Desgraçado é você Luigi! –
Angélica estava caída no chão, com a lanterna segurada por Eliana focando em
seu rosto. – Eu sabia que você não valia nada. Você... É uma merda! Foi você
que matou a Bianca, não é? Confessa, desgraçado! Foi você?
– Fui sim e mataria de novo. Sabe
por quê? Porque eu não sou homem de ser traído por uma vagabunda!
– Você é homem de ir pra cadeia,
filho duma puta. – Ela gritou muito alto, antes de levar outro chute, fazendo
as dores que sentia ficarem ainda mais fortes.
Eliana pôs a lanterna no chão, assim como Luigi. Depois, o homem pegou a arma, e a encostou no pescoço de Miguel, o qual não parava de suar de tanta aflição e medo. O suor escorria pelo corpo do amado de Angélica, que observava tudo que Eliana fazia, ou melhor, dizia.
– Se você não contar pra gente como
ficou viva, sua desgraçada, o Luigi vai puxar aquele gatilho. E aí? O que
acontece? Seu amorzinho morre! Morre com os miolos espalhados pelo chão. É
agora ou nunca. Confessa, Angélica! Como ficou viva? Como?
– Não vou confessar nada! – Dessa
vez, não foi um grito, e sim um gemido, que dizia como ela estava: prestes a
ter seu filho. E os gemidos começaram a ser acompanhados por gritos muito
altos, que pareciam estar vindo de uma pessoa sendo morta ou perfurada. No
caso, vinham de uma mulher pronta para o parto. Eliana, pela primeira vez, a
olhou com piedade. Viu que sua irmã passava suas mãos pela barriga, e contraía
suas pernas, inquietamente. Ela se abaixou, podendo saber o que estava
acontecendo.
– Você... Cê tá grávida, Angélica?
– Tá vendo não, Eliana? To sim... E
tá nascendo. – Foi interrompida por mais um grito. – Me ajuda, Eliana. O bebê
tá nascendo. Por favor...
Eliana olhou fixamente para os olhos
da irmã, que estavam alagados por lágrimas. Então, colocou suas mãos nas pernas
da irmã, e levantou a barra do vestido, podendo ver como estava o progresso do
nascimento.
– Vai, você consegue. Força!
– Não, Eliana! – Luigi gritou não
acreditando no que estava acontecendo: Eliana ajudando a irmã a fazer o parto.
– Deixa essa desgraçada morrer. Assim matamos esse imbecil aqui e pronto.
– A gente não pode matar ela assim,
Luigi. Ela tá tendo um filho, não entende?
Luigi chutou a cabeça de Angélica,
que se pôs a gritar. Eliana o olhou, ferozmente, e pôs a raiva pra fora:
– Para, Luigi! Para! A Angélica não
pode morrer, ela tá tendo um filho. Para, seu idiota.
– Ela não quer contar, né? Então já
era! – Ele puxou o gatilho.
Angélica pôde sentir que suas pernas se abriam cada vez mais. Enquanto a dor se arrastava para fora, saindo do útero. Foi aí que escutou algo. Ou simplesmente: ouviu o tiro. Tiro que entrou profundamente no cérebro de Miguel, que fez jorrar sangue pelo local. Ela olhou para trás, agoniada, e viu o namorado morto, com a cabeça totalmente acabada. Soltou um berro. Berro de desespero. E junto a esse berro, um alívio aconteceu. Eliana sorriu quando viu o pequeno ser entre as pernas da irmã.
– Nasceu, Angélica. – Ao mesmo
tempo, sentia nojo do sangue do homem morto que se espalhava pelo o chão, e
manchava a roupa de Angélica, que batia os pulsos contra o cimento. Não tinha
forças pra se levantar, para poder ao menos tocar no amado. Não sabia se olhava
para ele, ou para o bebê. Mais uma vez soltou um berro. Estava num pesadelo. Um
pesadelo real e desumano. E já era possível ouvir as sirenes do carro da
polícia.