sexta-feira, 28 de março de 2014

Assim que Amanhecer - Capítulo 18

               


    O táxi parou em frente ao local abandonado, praticamente um pouco fora da grande São Paulo. Ela desceu, pagando o motorista. Lembranças vieram em sua mente assim que pôs o pé no chão. Lembranças de quando aquele lugar era um boteco, onde conheceu uma das pessoas que mais estragou a sua vida: Luigi. Foi ali que se viram pela primeira vez.
    Mas esqueceu do passado e focou no presente, no que estava acontecendo. Já eram mais de dez da noite. As pálpebras estavam avermelhadas, ou cansadas de das lágrimas escorrerem. Antes de entrar, Angélica fez o sinal da cruz. Começou a andar, e ao mesmo tempo, sentiu algumas pontadas em sua barriga, que já estava doendo.
           


      – Chegou tarde, maninha querida. – Disse uma voz. Angélica soltou um grito, apavorada, olhando para os lados. Foi então que uma luz surgiu naquela escuridão. Era a luz de uma lanterna, que mostrava o rosto da mulher diabólica, a qual não parava de soltar gargalhadas. Angélica a fitou como nunca, olhando no fundo de seus olhos, e não a vendo como irmã, e sim: como um demônio. De repente outra figura se aproximou. Angélica soube exatamente que eram os dois. Estava cara a cara com as pessoas que destruíram sua vida há muitos meses. Ficou séria.
            – Se eu pudesse eu passava em cima de vocês com um trator. Pra ter prazer de ver a morte lhes destruindo. Desgraçados.
            – Angélica! – Miguel gritou no meio do escuro. A mulher chamada foi na direção da voz e acabou trombando numa cadeira, podendo sentir o corpo do amado.
            – Miguel, meu amor. – Sem conseguir vê-lo, ela passou as mãos em sua boca, em seu nariz, para se certificar de que ele estava ali. – Ai, Miguel. A gente vai sair daqui, meu amor. A gente vai embora. A gente vai ser feliz e...
            – Quem disse? – A voz masculina interrompeu o diálogo. – Vocês só saem daqui mortos. Tão entendendo? Acha mesmo que a gente te chamou aqui pra reencontrar seu namoradinho, Angélica? – Luigi chutou as costas da mulher. – Hein, sua vagabunda! Responde!
            – Desgraçado é você Luigi! – Angélica estava caída no chão, com a lanterna segurada por Eliana focando em seu rosto. – Eu sabia que você não valia nada. Você... É uma merda! Foi você que matou a Bianca, não é? Confessa, desgraçado! Foi você?
            – Fui sim e mataria de novo. Sabe por quê? Porque eu não sou homem de ser traído por uma vagabunda!
            – Você é homem de ir pra cadeia, filho duma puta. – Ela gritou muito alto, antes de levar outro chute, fazendo as dores que sentia ficarem ainda mais fortes.       




    Eliana pôs a lanterna no chão, assim como Luigi. Depois, o homem pegou a arma, e a encostou no pescoço de Miguel, o qual não parava de suar de tanta aflição e medo. O suor escorria pelo corpo do amado de Angélica, que observava tudo que Eliana fazia, ou melhor, dizia.
            – Se você não contar pra gente como ficou viva, sua desgraçada, o Luigi vai puxar aquele gatilho. E aí? O que acontece? Seu amorzinho morre! Morre com os miolos espalhados pelo chão. É agora ou nunca. Confessa, Angélica! Como ficou viva? Como?
            – Não vou confessar nada! – Dessa vez, não foi um grito, e sim um gemido, que dizia como ela estava: prestes a ter seu filho. E os gemidos começaram a ser acompanhados por gritos muito altos, que pareciam estar vindo de uma pessoa sendo morta ou perfurada. No caso, vinham de uma mulher pronta para o parto. Eliana, pela primeira vez, a olhou com piedade. Viu que sua irmã passava suas mãos pela barriga, e contraía suas pernas, inquietamente. Ela se abaixou, podendo saber o que estava acontecendo.
            – Você... Cê tá grávida, Angélica?
            – Tá vendo não, Eliana? To sim... E tá nascendo. – Foi interrompida por mais um grito. – Me ajuda, Eliana. O bebê tá nascendo. Por favor...
            Eliana olhou fixamente para os olhos da irmã, que estavam alagados por lágrimas. Então, colocou suas mãos nas pernas da irmã, e levantou a barra do vestido, podendo ver como estava o progresso do nascimento.
            – Vai, você consegue. Força!
            – Não, Eliana! – Luigi gritou não acreditando no que estava acontecendo: Eliana ajudando a irmã a fazer o parto. – Deixa essa desgraçada morrer. Assim matamos esse imbecil aqui e pronto.
            – A gente não pode matar ela assim, Luigi. Ela tá tendo um filho, não entende?
            Luigi chutou a cabeça de Angélica, que se pôs a gritar. Eliana o olhou, ferozmente, e pôs a raiva pra fora:
            – Para, Luigi! Para! A Angélica não pode morrer, ela tá tendo um filho. Para, seu idiota.
            – Ela não quer contar, né? Então já era! – Ele puxou o gatilho.
           
                          

   Angélica pôde sentir que suas pernas se abriam cada vez mais. Enquanto a dor se arrastava para fora, saindo do útero. Foi aí que escutou algo. Ou simplesmente: ouviu o tiro. Tiro que entrou profundamente no cérebro de Miguel, que fez jorrar sangue pelo local. Ela olhou para trás, agoniada, e viu o namorado morto, com a cabeça totalmente acabada. Soltou um berro. Berro de desespero. E junto a esse berro, um alívio aconteceu. Eliana sorriu quando viu o pequeno ser entre as pernas da irmã.
            – Nasceu, Angélica. – Ao mesmo tempo, sentia nojo do sangue do homem morto que se espalhava pelo o chão, e manchava a roupa de Angélica, que batia os pulsos contra o cimento. Não tinha forças pra se levantar, para poder ao menos tocar no amado. Não sabia se olhava para ele, ou para o bebê. Mais uma vez soltou um berro. Estava num pesadelo. Um pesadelo real e desumano. E já era possível ouvir as sirenes do carro da polícia.