quarta-feira, 12 de março de 2014

Alta Tensão - Capítulo 09




NONO CAPÍTULO

     ― Minha filha, não procura esse homem. Você não sabe do que ele é capaz!
     ― Então por que a senhora me contou? – Ingrid encara Inês.
     ― Eu não sei, minha filha. Foi por impulso.
     ― Agora é tarde. — Ingrid se levanta da cama e sai do quarto. Na cozinha ela chama por Cidinha, (que quando viu que Ingrid estava se aproximando correu de volta até a mesa).
***

     ― E aí, pra onde a gente vai? – Cidinha pergunta, caminhando com Ingrid em meio ao lixão.
     ― Vamos voltar até a casa da Dona Inês, tomar um banho, nos arrumar como gente e ir até o prédio da Flash Magazine. Precisamos entrar lá.
***

     Ugo faz uma massagem em Wagner, portando uma cara de nojo. Parece que ele não havia se acostumado com o contato extremo com o patrão, mesmo depois de tantos anos.
     ― Ugo... Chega de massagem. Ponha-me de volta na cadeira. Preciso me cuidar para o compromisso de hoje à noite.
     ― E eu posso saber que compromisso é esse?
     Wagner encara Ugo por alguns segundos. No exato momento, o motorista o pega no colo e o coloca de volta na cadeira de rodas.
     ― Vai dizer que não sabe? Show da Jennifer Lopez! — responde. – Mas antes nós vamos dar uma passada na Flash. Quero ver como andam as coisas lá na revista.

***

     Enquanto isso, Fidel chora enquanto sua filha Analú pega um bife na geladeira para que o pai possa colocar no seu olho roxo.
     ― Esse Ugo me paga, ele me paga. Ele me paga!
     ― Calma pai. Do jeito que o senhor falou, o senhor mereceu.
     ― O quê?  A senhorita está ficando contra moí? — Fidel adorava misturar as línguas. Francês, por exemplo.
     ― Não, só tô sendo realista. — Analú entrega o bife e Fidel o coloca sobre o seu olho.
     ― Agora como eu vou ao show da Jhenny? Hein? Me diz? Com esse olho roxo as bichas vão mangar* de mim, mulher! Ainda mais eu nem sei se vou.
     ― Papai, o senhor pagou 150 reais suados nesse ingresso. Agora sou eu que to mandando o senhor ir. Diz que apanhou do marido, sei lá!
     ― Falando desse jeito parece a minha mãe. — faz beicinho. — Mesmo assim o Wagner e o xucro do Ugo não vão deixar. Tô parecendo a escrava Isaura. Lerê, lerê, gatinha.
(*Mangar: debochar)
***

 
Época de férias. Muitas celebridades vêm até Fortaleza aproveitá-las. O calçadão da Beira Mar é um lugar perfeito para se exercitar. O assédio dos fãs é um obstáculo, mas nada que alguns seguranças não deem conta.
     Isso atiça o faro dos paparazzi, ainda mais quando uma das divas do pop se encontra na cidade do sol. Jennifer Lopez talvez estivesse com vontade de experimentar as águas do litoral fortalezense e por isso agora se encontra dentro d’água, exibindo o seu corpo escultural enquanto os fotógrafos de plantão enchem a memória de suas máquinas fotográficas com belas fotografias da diva.
     Bruno é um deles. Recém-chegado ao Brasil, e à sua cidade natal, mal pôde esperar para dar os seus primeiros flashes.
     ― Com essas fotos aqui, posso conseguir uma boa grana lá na revista Flash. Quem sabe até um emprego lá? – pensa alto, guardando a câmera na mochila. — Próxima parada: prédio da revista Flash.
***

     A revista Flash Magazine evoluíra muito desde os seus primórdios. Principalmente a sede no Brasil, situada em Fortaleza. Contava com funcionários competentes, dentre eles escritores, colunistas, repórteres, fotógrafos, designers, enfim. Além de uma gráfica, que imprimia os exemplares semanais, que se situava bem ao lado do prédio.
     Wagner decidiu ir até lá. Não costumava visitar aquela propriedade desde que ficara preso à cadeira de rodas (devido à fraqueza causada por sua doença). Mas, quando ia, gostava de ficar na sua sala, trancado. Nostálgico, preso ao passado, e contemplando a vista para o oceano.
     Mas sempre acontece de alguém interromper o seu momento. Sua secretária, Magnólia Reis:
     ― Desculpa Dr. Wagner, mas tem um rapaz aqui que insiste em falar com o senhor.
     Bruno invade a sala. Wagner quase se levanta da cadeira, mas não pode. Está completamente furioso.
     ― Dr. Wagner, eu quero vender umas fotos aqui para a revista Flash. Garanto que são boas. A Jennifer Lopez tomando banho de mar...
     Bruno saca a máquina fotográfica de sua mochila, porém Wagner é irredutível:
     ― Você poderia ter fotos do Papa dançando poli dance. Sabe quantas pessoas já vieram aqui para vender fotos da Jennifer Lopez só hoje? Ah... por mim você já estava fora daqui. Seguranças! Seguranças! Ugo!
     Mesmo assim, Bruno entrega a máquina. Wagner, por sua vez, reúne suas poucas forças e a joga na testa de Bruno. A testa do paparazzo começa a sangrar.
     ― Olha o que o senhor fez!
     ― Ponha-se pra fora daqui! Já!



     Ingrid e Cidinha estão esperando na recepção. Como manda o figurino, fizeram seus currículos (com falsas informações) e se arrumaram decentemente. Mesmo que fosse para um emprego de faxineira, era digno.
     — Cara, eu tô com medo.
     — De quê, Cidinha?
     — Se me pedirem pra ler, eu não sei ler direito. E se me pedirem pra assinar alguma coisa, eu não sei escrever meu nome direito.
     ― Fica calma, vai dar certo. Aguenta aí, vou até o banheiro.
     ― Beleza, fica fria. – respondeu, pegando uma revista (Flash, claro) em cima da mesa.

***

     O banheiro mais próximo ficava no andar de cima, como disse uma pessoa a qual Ingrid pedira informação. Subindo as escadas, ela notou que um homem chorava com a cabeça abaixada e sentado no primeiro degrau.
     ― Aconteceu alguma coisa, moço?
     Bruno imediatamente levanta a cabeça. O sangue causado pelo ferimento da câmera escorre pela sua testa e desce no seu rosto. “Quem se importaria comigo?”, ele pergunta a si mesmo. Mas ele apenas olha fixo nos olhos daquela moça e responde:
     ― Não é nada.
     ― Eu posso te ajudar. Vem comigo até o banheiro feminino. Você ta sangrando muito.
     Ele parecia hipnotizado com a beleza de Ingrid. Nem ligava em estar no banheiro feminino. E ela não era de se jogar fora. Ingrid tinha boa aparência, por mais que suas condições financeiras não permitissem. Ela era loira, e seus cabelos curtos, pareciam que foram cortados grosseiramente com uma tesoura por ela mesma. Seus olhos, negros, eram profundos, mas escondia o sofrimento que vivera na sua vida.
     Bruno, por sua vez, tinha por volta dos seus 35 anos. Tinha uma boa forma, devido aos diversos exercícios físicos que fazia. Seu andar parecia que estava a cortejar alguém.


      Enquanto Ingrid cuidava do ferimento dele, Bruno apenas olhava fixo nos seus olhos. O banheiro, branco, vazio, com cheiro de produtos de limpeza, não era um ambiente bem romântico, digno de uma paixão a primeira vista, mas ele estava sim apaixonado.
     Ingrid não. Estava concentrada. O seu instinto era materno. Queria apenas ajudar aquele homem.
     ― Pronto. O sangue tá estancado, moço.
     Bruno não respondeu. Apenas continuou olhando nos olhos de Ingrid. Ela fechou a torneira e apenas repetiu:
     ― Moço?
O homem voltou a si. Do seu transe maluco por causa de uma desconhecida.
     ― Ah, sim desculpa.
     ― Não vai me explicar o que aconteceu?
     ― Melhor não. — Bruno sorri e segura o queixo de Ingrid. — Muito obrigado moça. Posso pelo menos saber o seu nome?
     ― Ingrid.
     ― Prazer, Bruno.
     ― O senhor trabalha aqui?
     ― Até gostaria, mas fui mal recebido. Bem mal. Mas isso não vem ao caso. E você? Trabalha aqui?
     Ingrid resolveu mentir. De certa pensara que ele ia perguntar do que ela vivia. “Um moço bem apessoado desse não bateria papo com uma reles catadora de lixo”, pensou.
     ― Sim. Sou secretária.
     Aquilo aguçou o interesse de Bruno pela moça. Ele estava a amando, mas pelo menos uma amizade com ela poderia fazê-lo aproximar-se novamente de Wagner.
     Mentiras após mentiras, ele pediu o número do telefone dela.
     ― Desculpe, Não tenho celular. Fui assaltada hoje cedo. ― mentiu novamente― Mas se você quiser me encontrar, eu vou estar aqui.
     ― Sempre?
     ― Sempre.
     ― Mais uma vez obrigado então, Ingrid.
     Bruno era galanteador. Se Ingrid não estava interessada nele, mudou seu olhar depois do beijo no rosto que ele dera nela antes de se despedir.
 
***

     ― Onde você estava Ingrid? Daqui a pouco vão te chamar e...
     ― Ingrid Ferreira? – Magnólia, a secretária, interrompeu o sermão de Cidinha.
     ― Me deseja boa sorte. Depois você me conta como foi sua entrevista.
     Correu tudo bem. Ingrid precisou mentir, claro. Mas caso eles resolvessem ligar para a empresa a qual ela inventara dizendo que já trabalhara, Dona Inês acobertaria tudo.
     ― Amanhã mesmo você pode começar. Um salário mínimo por mês, trabalhando das 7 da manhã às 5 da tarde. Combinado?
     ― Combinado, moço.

***

     Wagner e Ugo aparecem na mansão à noite, para se arrumarem para o tal compromisso importante. Fidel fica contente em ver o patrão, pois tentara falar com ele o dia o todo e não conseguira.
     ― Sabe o que é, doutor Wagner... — Fidel se aproxima ― Eu preciso ir pro show da J-Lo, não dá pro senhor me liberar?
     ― NÃO! – Wagner o assusta. — Trate de ficar aí.
***


No quarto, Wagner e Ugo conversam enquanto se arrumam.
     ― Já pensou se o Fidel aparece lá no show, hein doutor? — comenta Ugo.
     ― Nós ficaremos na área VIP. V-I-P, meu querido. E hoje o Fidel não vai a lugar algum.
     ― Não?
     ― Não. Espere e verá o que eu vou fazer.
     Wagner guia sua cadeira de rodas até a cozinha. Ele nota que Fidel e Analú estão no quarto assistindo à novela. Wagner abre a geladeira e começa a retirar algumas coisas de lá, como sucos, frutas e tudo o que possa sujar. Ele joga tudo no chão, e depois quando termina a bagunça, chama pelo seu mordomo.
     ― Fideeeeel!
     O mordomo aparece logo após o chamado. Wagner apenas aponta para o chão e diz:
     ― A bagunça é sua. — vira-se — Ugo!
Ugo aparece e guia a cadeira de Wagner até a saída.
Enquanto isso, Fidel agacha-se e começa a limpar o chão, chorando:
     ― Mas eu queria ir ao show da Jennifer!



COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE -  MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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