NONO CAPÍTULO
―
Minha filha, não procura esse homem. Você não sabe do que ele é capaz!
―
Então por que a senhora me contou? – Ingrid encara Inês.
―
Eu não sei, minha filha. Foi por impulso.
―
Agora é tarde. — Ingrid se levanta da cama e sai do quarto. Na cozinha ela
chama por Cidinha, (que quando viu que Ingrid estava se aproximando correu de
volta até a mesa).
***
―
E aí, pra onde a gente vai? – Cidinha pergunta, caminhando com Ingrid em meio
ao lixão.
―
Vamos voltar até a casa da Dona Inês, tomar um banho, nos arrumar como gente e
ir até o prédio da Flash Magazine. Precisamos entrar lá.
***
Ugo
faz uma massagem em Wagner, portando uma cara de nojo. Parece que ele não havia
se acostumado com o contato extremo com o patrão, mesmo depois de tantos anos.
―
Ugo... Chega de massagem. Ponha-me de volta na cadeira. Preciso me cuidar para
o compromisso de hoje à noite.
―
E eu posso saber que compromisso é esse?
Wagner
encara Ugo por alguns segundos. No exato momento, o motorista o pega no colo e
o coloca de volta na cadeira de rodas.
―
Vai dizer que não sabe? Show da Jennifer Lopez! — responde. – Mas antes nós
vamos dar uma passada na Flash. Quero ver como andam as coisas lá na revista.
***
Enquanto
isso, Fidel chora enquanto sua filha Analú pega um bife na geladeira para que o
pai possa colocar no seu olho roxo.
―
Esse Ugo me paga, ele me paga. Ele me paga!
―
Calma pai. Do jeito que o senhor falou, o senhor mereceu.
―
O quê? A senhorita está ficando contra moí? — Fidel adorava misturar as
línguas. Francês, por exemplo.
―
Não, só tô sendo realista. — Analú entrega o bife e Fidel o coloca sobre o seu
olho.
―
Agora como eu vou ao show da Jhenny? Hein? Me diz? Com esse olho roxo as bichas
vão mangar* de mim, mulher! Ainda mais eu nem sei se vou.
―
Papai, o senhor pagou 150 reais suados nesse ingresso. Agora sou eu que to
mandando o senhor ir. Diz que apanhou do marido, sei lá!
―
Falando desse jeito parece a minha mãe. — faz beicinho. — Mesmo assim o Wagner
e o xucro do Ugo não vão deixar. Tô parecendo a escrava Isaura. Lerê, lerê,
gatinha.
(*Mangar: debochar)
***
Época de férias. Muitas
celebridades vêm até Fortaleza aproveitá-las. O calçadão da Beira Mar é um
lugar perfeito para se exercitar. O assédio dos fãs é um obstáculo, mas nada
que alguns seguranças não deem conta.
Isso
atiça o faro dos paparazzi, ainda mais quando uma das divas do pop se encontra
na cidade do sol. Jennifer Lopez talvez estivesse com vontade de experimentar
as águas do litoral fortalezense e por isso agora se encontra dentro d’água,
exibindo o seu corpo escultural enquanto os fotógrafos de plantão enchem a
memória de suas máquinas fotográficas com belas fotografias da diva.
Bruno
é um deles. Recém-chegado ao Brasil, e à sua cidade natal, mal pôde esperar
para dar os seus primeiros flashes.
―
Com essas fotos aqui, posso conseguir uma boa grana lá na revista Flash. Quem
sabe até um emprego lá? – pensa alto, guardando a câmera na mochila. — Próxima
parada: prédio da revista Flash.
***
A
revista Flash Magazine evoluíra muito desde os seus primórdios. Principalmente
a sede no Brasil, situada em Fortaleza. Contava com funcionários competentes,
dentre eles escritores, colunistas, repórteres, fotógrafos, designers, enfim.
Além de uma gráfica, que imprimia os exemplares semanais, que se situava bem ao
lado do prédio.
Wagner
decidiu ir até lá. Não costumava visitar aquela propriedade desde que ficara
preso à cadeira de rodas (devido à fraqueza causada por sua doença). Mas,
quando ia, gostava de ficar na sua sala, trancado. Nostálgico, preso ao
passado, e contemplando a vista para o oceano.
Mas
sempre acontece de alguém interromper o seu momento. Sua secretária, Magnólia Reis:
―
Desculpa Dr. Wagner, mas tem um rapaz aqui que insiste em falar com o senhor.
Bruno
invade a sala. Wagner quase se levanta da cadeira, mas não pode. Está
completamente furioso.
―
Dr. Wagner, eu quero vender umas fotos aqui para a revista Flash. Garanto que
são boas. A Jennifer Lopez tomando banho de mar...
Bruno
saca a máquina fotográfica de sua mochila, porém Wagner é irredutível:
―
Você poderia ter fotos do Papa dançando poli dance. Sabe quantas pessoas já
vieram aqui para vender fotos da Jennifer Lopez só hoje? Ah... por mim você já estava
fora daqui. Seguranças! Seguranças! Ugo!
Mesmo
assim, Bruno entrega a máquina. Wagner, por sua vez, reúne suas poucas forças e
a joga na testa de Bruno. A testa do paparazzo começa a sangrar.
―
Olha o que o senhor fez!
―
Ponha-se pra fora daqui! Já!
Ingrid
e Cidinha estão esperando na recepção. Como manda o figurino, fizeram seus
currículos (com falsas informações) e se arrumaram decentemente. Mesmo que
fosse para um emprego de faxineira, era digno.
—
Cara, eu tô com medo.
—
De quê, Cidinha?
—
Se me pedirem pra ler, eu não sei ler direito. E se me pedirem pra assinar
alguma coisa, eu não sei escrever meu nome direito.
―
Fica calma, vai dar certo. Aguenta aí, vou até o banheiro.
―
Beleza, fica fria. – respondeu, pegando uma revista (Flash, claro) em cima da
mesa.
***
O
banheiro mais próximo ficava no andar de cima, como disse uma pessoa a qual
Ingrid pedira informação. Subindo as escadas, ela notou que um homem chorava
com a cabeça abaixada e sentado no primeiro degrau.
―
Aconteceu alguma coisa, moço?
Bruno
imediatamente levanta a cabeça. O sangue causado pelo ferimento da câmera
escorre pela sua testa e desce no seu rosto. “Quem se importaria comigo?”, ele
pergunta a si mesmo. Mas ele apenas olha fixo nos olhos daquela moça e
responde:
―
Não é nada.
―
Eu posso te ajudar. Vem comigo até o banheiro feminino. Você ta sangrando
muito.
Ele
parecia hipnotizado com a beleza de Ingrid. Nem ligava em estar no banheiro
feminino. E ela não era de se jogar fora. Ingrid tinha boa aparência, por mais
que suas condições financeiras não permitissem. Ela era loira, e seus cabelos
curtos, pareciam que foram cortados grosseiramente com uma tesoura por ela
mesma. Seus olhos, negros, eram profundos, mas escondia o sofrimento que vivera
na sua vida.
Bruno,
por sua vez, tinha por volta dos seus 35 anos. Tinha uma boa forma, devido aos
diversos exercícios físicos que fazia. Seu andar parecia que estava a cortejar
alguém.
Enquanto
Ingrid cuidava do ferimento dele, Bruno apenas olhava fixo nos seus olhos. O
banheiro, branco, vazio, com cheiro de produtos de limpeza, não era um ambiente
bem romântico, digno de uma paixão a primeira vista, mas ele estava sim
apaixonado.
Ingrid
não. Estava concentrada. O seu instinto era materno. Queria apenas ajudar
aquele homem.
―
Pronto. O sangue tá estancado, moço.
Bruno
não respondeu. Apenas continuou olhando nos olhos de Ingrid. Ela fechou a
torneira e apenas repetiu:
―
Moço?
O homem voltou a si. Do seu transe
maluco por causa de uma desconhecida.
―
Ah, sim desculpa.
―
Não vai me explicar o que aconteceu?
―
Melhor não. — Bruno sorri e segura o queixo de Ingrid. — Muito obrigado moça.
Posso pelo menos saber o seu nome?
―
Ingrid.
―
Prazer, Bruno.
―
O senhor trabalha aqui?
―
Até gostaria, mas fui mal recebido. Bem mal. Mas isso não vem ao caso. E você?
Trabalha aqui?
Ingrid
resolveu mentir. De certa pensara que ele ia perguntar do que ela vivia. “Um
moço bem apessoado desse não bateria papo com uma reles catadora de lixo”,
pensou.
―
Sim. Sou secretária.
Aquilo
aguçou o interesse de Bruno pela moça. Ele estava a amando, mas pelo menos uma
amizade com ela poderia fazê-lo aproximar-se novamente de Wagner.
Mentiras
após mentiras, ele pediu o número do telefone dela.
―
Desculpe, Não tenho celular. Fui assaltada hoje cedo. ― mentiu novamente― Mas
se você quiser me encontrar, eu vou estar aqui.
―
Sempre?
―
Sempre.
―
Mais uma vez obrigado então, Ingrid.
Bruno
era galanteador. Se Ingrid não estava interessada nele, mudou seu olhar depois
do beijo no rosto que ele dera nela antes de se despedir.
***
―
Onde você estava Ingrid? Daqui a pouco vão te chamar e...
―
Ingrid Ferreira? – Magnólia, a secretária, interrompeu o sermão de Cidinha.
―
Me deseja boa sorte. Depois você me conta como foi sua entrevista.
Correu
tudo bem. Ingrid precisou mentir, claro. Mas caso eles resolvessem ligar para a
empresa a qual ela inventara dizendo que já trabalhara, Dona Inês acobertaria
tudo.
―
Amanhã mesmo você pode começar. Um salário mínimo por mês, trabalhando das 7 da
manhã às 5 da tarde. Combinado?
―
Combinado, moço.
***
Wagner
e Ugo aparecem na mansão à noite, para se arrumarem para o tal compromisso
importante. Fidel fica contente em ver o patrão, pois tentara falar com ele o
dia o todo e não conseguira.
―
Sabe o que é, doutor Wagner... — Fidel se aproxima ― Eu preciso ir pro show da
J-Lo, não dá pro senhor me liberar?
―
NÃO! – Wagner o assusta. — Trate de ficar aí.
***
No quarto, Wagner e Ugo conversam
enquanto se arrumam.
―
Já pensou se o Fidel aparece lá no show, hein doutor? — comenta Ugo.
―
Nós ficaremos na área VIP. V-I-P, meu querido. E hoje o Fidel não vai a lugar algum.
―
Não?
―
Não. Espere e verá o que eu vou fazer.
Wagner
guia sua cadeira de rodas até a cozinha. Ele nota que Fidel e Analú estão no
quarto assistindo à novela. Wagner abre a geladeira e começa a retirar algumas
coisas de lá, como sucos, frutas e tudo o que possa sujar. Ele joga tudo no
chão, e depois quando termina a bagunça, chama pelo seu mordomo.
―
Fideeeeel!
O
mordomo aparece logo após o chamado. Wagner apenas aponta para o chão e diz:
―
A bagunça é sua. — vira-se — Ugo!
Ugo aparece e guia a cadeira de
Wagner até a saída.
Enquanto isso, Fidel agacha-se e
começa a limpar o chão, chorando:
―
Mas eu queria ir ao show da Jennifer!
COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE - MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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