sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Alta Tensão - Primeiro Capítulo



Ele estava sentado em frente à janela do seu escritório apreciando a vista fortalezense, pensando na vida, como fazia todas as manhãs antes de começar o trabalho. Quem visse Wagner daquele jeito, mal pensaria que ele era um homem cheio de problemas.
     Cheio de problemas sim. Embora ele fosse dono de uma das maiores revistas de fofoca da atualidade, a Flash Magazine, ele tinha problemas. Flash Magazine era a mais importante revista daquela época. Com filiais em vários países, era febre na década de 80 por quase todo o mundo. Com ela as pessoas paravam para saber sobre Michael Jackson, Madonna, sobre as novelas brasileiras, enfim. Uma infinidade de assuntos.
     Naquele dia, o momento pensativo estava sendo diferente, pois em suas mãos estava o resultado de um exame que, caso o resultado desse positivo, sua vida mudaria muito, jogando-o ao mais fundo buraco: o da morte.
     Antes de abrir o envelope, pensou na esposa, Norma. Embora ela fosse ciumenta, era cuidadosa com ele. Depois pensou nos três filhos: Adriano, Alessandra e Alex. O que seria deles caso algo desse errado? E Yolanda então? O que seria dela? Sua amante, e além de tudo, empregada da grande mansão onde morava. E o pequeno Ugo? O filho do seu motorista, o qual via um garoto de futuro, de ambição. Era nele que os seus três filhos deviam se espelhar. Por isso o considerava como um. Pensou até na sogra Gisela, com a qual vivia brigando.
     Até então, Wagner nunca pensou em família. Era um homem amargo, perverso. Mas certos acontecimentos o fizeram pensar mais na vida do que nunca. Essa doença que ele mais temia. Se alguém por acaso descobrisse, todos os seus segredos iriam por água abaixo. As pessoas o criticariam e a doença o corroeria até a morte.
     Ele pensou na sua juventude também. No quanto batalhara para chegar onde estava. Com apenas 45 anos, mas com o resultado que decidiria o rumo da sua vida nas mãos. Ela poderia ser curta ou não. “Não. Tudo vai dar certo”, pensou Wagner em um momento de alta tensão.
Ele nunca teve fé, mas estava rezando para que desse negativo. As suas mãos estavam posicionadas. Rasgando o papel do envelope. Agora retirando a folha onde havia o resultado.
Grande palpitação. Mil pensamentos. Coração na boca! Pôs os óculos para que enxergasse melhor.
     — Positivo. Positivo! — exclamou Wagner, mas não de alegria, pelo contrário, estava quase tendo um ataque de pânico. — Minha vida acabou.

***

Primeiro Capítulo


Fortaleza, Ceará. 1987.
Ainda em pânico, Wagner pensava como seria sua vida. Aquela doença, digna de preconceitos, matava sem dó nem piedade. Mesmo com todo o seu dinheiro, não havia tratamento para ela. E mesmo se houvesse, ele não o faria, pois decidiu em um debate contra si mesmo que manteria em sigilo que estava doente.
     Dra. Albaniza Dias era a sua advogada e ainda maior confidente. Porém, não passavam de grandes amigos. Ela era uma senhora de meia idade, já com uma vasta experiência em sua vida.
     — Algum problema Wagner? — perguntou ela, enquanto levava alguns papéis no escritório de Wagner para que ele assinasse. Albaniza sabia quando o amigo estava mal.
     — Eu... Eu não queria falar isso pra ninguém... Mas eu estou doente. Minha vida pode acabar hoje, amanhã… talvez daqui a uns anos, não sei. Essa doença não tem cura, Albaniza! Eu vou morrer.
     — E que doença é essa Wagner? Você tem dinheiro, amigos, família! O que quer que seja, você pode se curar.
     — Todos só querem o meu dinheiro. E eu não tiro a culpa deles não. Eu sempre fui muito mau com eles. Sabe, eu só estou te contando isso por que eu confio em você de olhos fechados. — pega nas mãos de Albaniza — Mas eu não posso contar que doença é. Perdoe-me.
     — Tudo bem. Obrigada por confiar em mim, Wagner. Saiba que eu estarei do seu lado sempre, ok?


     Ir para casa era um desafio e tanto para Wagner todos os dias, ainda mais naquele. Ele preferia ficar no sossego do seu escritório, longe do choro dos seus três filhos, das reclamações da sogra e dos ataques de ciúmes doentios de sua esposa. Esta última todos os dias o recebia na frente da grande mansão do bairro Aldeota, um dos mais nobres de Fortaleza.
     Norma tinha por volta dos seus quarenta anos. Era extremamente apaixonada pelo marido. Uma excelente dona de casa e uma esposa exemplar. Além de cuidar dos seus filhos como uma leoa. Seu único problema eram os ciúmes que sentia do marido. Não admitia que nenhuma pessoa trajando saias ousasse chegar perto de Wagner. Conversas por telefone e horários em que ele chegava e saía de casa eram controlados por ela.
     — Demorou demais pra chegar hoje hein? — Diz Norma enquanto observa o motorista abrir a porta do carro para o marido.
     — Congestionamento, minha querida. — responde Wagner. — Mas há males que vem pro bem, não? Assim você fica com mais saudades de mim e eu de você.
     — Sei... Você sempre me vence com essa conversa. Mas há de você…
     — “Se um dia eu sonhar que você está com uma vagabunda” blá blá blá blá … — Wagner a interrompe. —Norma, me deixa entrar em casa. Eu só quero tomar um bom banho e dormir. É demais para um pobre cristão?
     — Não meu amor. Mas não esquece que hoje nós temos um jantar importante na casa da família Queiroz. — Norma rodeia o pescoço do marido com os braços
     — Eu não vou. Mande flores em meu nome. — o empresário faz com que a esposa o solte.
     — Mas… mas…
Wagner sai e deixa a esposa olhando pro nada.
     — Ele nem reparou no meu corte de cabelo novo… — pensa Norma, em voz alta.
     Entrando em casa, seus filhos o esperam excitadamente. Adriano, o mais velho mostra uma pintura à óleo para o pai, que o repele:
     — Pai, olha o que eu fiz! Sou eu, o senhor, a mamãe, a Alessandra e o Alex. Ah, e a vó Gisela também.
     —Toma jeito de homem, rapaz! Já vai fazer seus quinze anos e fica nessa história de pintura? O que você vai ser da vida hein? Hein?
     O menino sai chorando enquanto o pai senta-se na poltrona, acendendo um charuto e pensando na vida. As últimas palavras ditas ao filho vieram à sua mente: “Jeito de homem”. Ele sorriu, fechou os olhos e tentou esquecer os seus problemas. Adormeceu.
     Tempo depois algo pesa sobre suas pernas. Wagner abre os olhos e assusta-se: é a empregada, Yolanda, que também é sua amante, que se sentava no seu colo.
     — Psiu… Não tem ninguém em casa, meu leão. — Yolanda beija seu pescoço e fazendo carícias, desabotoa a camisa do empresário.
     —Você é maluca!
     —Só se for por você.
     —Cadê o pessoal?
     — Foram ao tal jantar da família Queiroz. Todos, todos eles. — ela ri e continuou o beijando. —Então... que tal a gente ir lá no seu quarto hã?
     —Da minha mulher, você quer dizer.
     — Quando ela sai, sua mulher sou eu. Sou eu! — Yolanda ri diabolicamente.
     Pouco tempo depois, os dois, aos amassos vão até a suíte principal. Aos beijos eles despem-se e continuam o ato, agora em cima da grande cama de casal.
     — O motorista e o filho dele estão aí. — Wagner recorda.
     — Leoni e Ugo são dois italianos lesados. Não vão perceber nossa brincadeirinha, meu leão.
·          
  
Ugo Ventura era um garoto cheio de ambição. Por trás dos seus quinze anos havia um coração perverso, assim como o patrão do seu pai, motorista da família Peregrini. Wagner tinha um verdadeiro apreço por ele e considerava-o como se fosse seu filho. Tinha sangue italiano, e veio de lá há cinco anos. O Brasil era uma terra muito diferente da sua e a adaptação não era fácil.
     Ugo está no seu quarto, um pequeno cubículo que divide com o pai nos fundos da mansão. Já é noite e ele não está com vontade de sair. Passou o dia todo lendo suas histórias em quadrinhos como gosta de fazer. Até que escuta gemidos vindos de algum lugar da casa:
     — Oh, Wagner... Oh...
     Ugo resolve sair e averiguar. A cena era algo que ele já esperava: Wagner e a empregada tendo um caso! Ideias apareceram na cabeça do pobre adolescente.
     —É hora de minha vingança!
     Corre até o seu quarto e pega a sua velha máquina fotográfica. Pensa mais algumas vezes, porém quando vem à sua cabeça uma certa lembrança, ele prossegue com o plano.
     — Só una foto…
     O italiano então vai até a porta entreaberta do quarto novamente, e tira a foto. Parecia até uma cena de filme, daqueles proibidos cujo pai um dia o pegou vendo. Mas naquele caso poderia significar uma certa vingança dele contra Wagner. Quando Ugo se lembrava do que Wagner fazia com ele sentia náuseas e ânsias de vômito.
     Yolanda está exatamente em cima de Wagner, que está amarrado na cama.
***
     A família finalmente chega do jantar com a família Queiroz. Conversas alegres, choros do pequeno Alex, criança ainda de colo. A empregada servindo-os como se nada houvesse acontecido. Ugo só esperou uma oportunidade. Queria um ótimo lugar para colocar a tal foto. A bolsa de Norma!
     Abre a bolsa da esposa de Wagner e põe a “prova do crime”. Porém, é surpreendido por Alessandra, a herdeira do meio de Wagner:
     —Ugo, por que tá mexendo na bolsa da minha mãe?




Ugo não esperava por aquilo, pois ele fez questão de observar em todos os lados se havia alguém observando a bolsa de Norma. Mas o que ele não sabia era que a pequena Alessandra estava observando-o, como sempre fazia.
     —Shhh. Fica quieta. Non é nada, Alê. Só non conta para tuo babo nem para tu mamma. Pode dar algun problema.
     —Tudo bem. — responde a pequena Alessandra.
     Alessandra sobe as escadas até seu quarto. Passando pelo corredor, nota que seu pai dorme de mau jeito em cima da cama, porém, prefere não incomodá-lo. Ela está suspirando feito uma apaixonada – e é uma – pois mais uma vez trocou palavras com Ugo. Ela alimenta um amor por ele, um amor platônico desde o dia em que o conheceu.
     — Se ele soubesse que eu gosto dele!  — suspira abraçando o seu ursinho de pelúcia no seu quarto rosa.
     Alessandra tem 13 anos. Está saindo da infância. Suas aventuras, amigos imaginários, o seu mundo cor-de-rosa estava desaparecendo aos poucos. Os primeiros suspiros de amor começam a surgir e o seu pobre coração já sofre por causa de um garoto: Ugo. Ela apaixonou-se por ele. No início sentia uma grande amizade, talvez uma irmandade, mas com o tempo, sentiu que era amor.
***
     Anoitece e amanhece naquela casa como todos os dias: Enquanto Wagner sai para trabalhar, beija sua amante (ás escondidas), depois sua esposa, que toma um banho matinal na piscina. Wagner ouve as recomendações ciumentas da esposa.
     —Até mais, meu amor.
     —Só não vai aprontar, hein. Eu tô de olho. — Norma leva o dedo indicador até o olho.
     —Ah, fica tranquila Norma. Só existem duas mulheres no mundo em minha vida: Você e a Alessandra. Aliás, cadê ela? Minha filhinha ainda não acordou?
     —Sabia que ela estuda, Wagner?
     Na verdade não. Wagner não estava nem aí para os filhos, tampouco para esposa. Mal sabia Norma, mas ele aprontava bem debaixo do seu nariz e ela nem suspeitava. Se por acaso isso acontecesse, ele seria um homem morto. Norma já fez muita coisa por ciúmes, de discussão a altas brigas. O que aconteceria se ela soubesse que sua própria empregada tem um caso com o seu marido?
***
     Pouco tempo depois, vem Yolanda com o pequeno Alex nos braços. Alex chora, talvez sentindo falta da mãe, que o largava nas mãos de qualquer criado enquanto cuidava de sua beleza. Quando ela não estava preocupada com a beleza, aí sim dava todo cuidado do mundo aos filhos.
     —Dona Norma, o Alex está precisando mamar.
     —Ah, Yolanda. Me dê ele aqui.
     Ela retira o seio de dentro do sutiã e o menino mama. Ele parecia faminto.
     —O filho da senhora é bastante saudável, não? — comenta Yolanda.
     —E tudo isso com só um aninho de idade. Ele é o meu rapazinho.
     —E o Adriano, ele não é filho da senhora?
     —Ah, o Adriano é um garoto sonhador. Ele não tem a garra que o pai tem. Eu tenho muita pena desse menino, mas enfim, ele já está grande demais pra uma nova educação.
     Yolanda pede licença e sai, porém Norma a chama de volta.
     — Yolanda...
     — Pois não, dona Norma?
     — Você me acha... feia?
     A empregada se segura para não dizer que sim. Em seu pensamento ela ri, ri muito. Seus lábios acabam formando um leve sorriso bobo.
     — Claro que não, dona Norma! A senhora é linda. Desculpa, mas por que está me perguntando isso?
     — O Wagner... Eu acho que ele não gosta mais de mim. Eu não sou a mesma, principalmente depois que as crianças nasceram... — comenta em um tom de tristeza. — Sabe, Yolanda... Eu acho que o Wagner tem outra.
     Yolanda fica em silêncio, de cabeça baixa e com as mãos para trás. Ela pensa: “É claro que ele tem outra, sua vaca gorda. Sou eu!”.
***
    
     Os comentários da mãe e do pai chocavam Adriano. Ele era um menino sonhador e sem ambição sim, mas tinha orgulho disso. Se em casa seus pais baixavam sua alto-estima, na escola não era diferente. Seus professores não tinham paciência com a sua dificuldade no aprendizado e seus colegas zombavam disso.
     —Ei jumento, você não vai aprender nada não! —um colega de classe zoava com Adriano enquanto sua professora de matemática explicava para ele mais uma vez sobre as equações.
     —Desculpa professora, eu não sei.
     Isso fazia do garoto um frustrado, e por causa disso, ele tinha medo das pessoas. Em vez de se divertir, ele preferia ficar em casa com a sua própria companhia lendo um bom livro por exemplo.
     É intervalo. Depois ele terá aula de química. Outra matéria chata que ele não gosta nem um pouco. Uma sombra cobre o livro de Jorge Amado que ele lê no banquinho do pátio da escola. Adriano levanta a cabeça e vê um garoto gordo, que parece ter o dobro do seu tamanho.
     —Trouxe o quê pro lanche? — pergunta o valentão.
     —Nada. Não tenho fome. —Adriano responde.
     O valentão agarra o menino pela gola da camisa.
     —Me solta!
     Adriano dá uma joelhada no saco do valentão, que o solta por reflexo. O menino, ainda assustado, fica em posição de luta.
     — Quer brigar é?
     —Foi você quem pediu!
     Os meninos caem nos socos e é preciso que os professores venham apartar a briga.
     Norma recebe um telefonema. É da escola de Adriano. Pelo jeito, a briga foi tão séria que foi preciso chamar a mãe.
     — Adriano, brigando? Meu neto não é disso. Só pode ter havido um mal entendido, Norma. — comenta a avó, Gisela.
     — Mamãe, pelo jeito o Adriano não só brigou como saiu ganhando. Eu vou lá em cima pegar minha bolsa e já volto. Peça para o Leoni preparar o carro.
     A mãe do garoto pega a bolsa (a mesma bolsa em que Ugo escondeu a foto de Wagner e Yolanda). Como ela está aberta, a tal foto cai. Norma espanta-se com a imagem vista.
     — Mas o que significa isso?


COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO

DIREÇÃO DE ARTE -  MÁRCIO GABRIEL

ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL

REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL

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