Ele
estava sentado em frente à janela do seu escritório apreciando a vista
fortalezense, pensando na vida, como fazia todas as manhãs antes de começar o
trabalho. Quem visse Wagner daquele jeito, mal pensaria que ele era um homem
cheio de problemas.
Cheio de problemas sim. Embora ele fosse
dono de uma das maiores revistas de fofoca da atualidade, a Flash Magazine, ele
tinha problemas. Flash Magazine era a mais importante revista daquela época.
Com filiais em vários países, era febre na década de 80 por quase todo o mundo.
Com ela as pessoas paravam para saber sobre Michael Jackson, Madonna, sobre as
novelas brasileiras, enfim. Uma infinidade de assuntos.
Naquele dia, o momento pensativo estava
sendo diferente, pois em suas mãos estava o resultado de um exame que, caso o
resultado desse positivo, sua vida mudaria muito, jogando-o ao mais fundo
buraco: o da morte.
Antes de abrir o envelope, pensou na
esposa, Norma. Embora ela fosse ciumenta, era cuidadosa com ele. Depois pensou
nos três filhos: Adriano, Alessandra e Alex. O que seria deles caso algo desse
errado? E Yolanda então? O que seria dela? Sua amante, e além de tudo,
empregada da grande mansão onde morava. E o pequeno Ugo? O filho do seu
motorista, o qual via um garoto de futuro, de ambição. Era nele que os seus
três filhos deviam se espelhar. Por isso o considerava como um. Pensou até na
sogra Gisela, com a qual vivia brigando.
Até então, Wagner nunca pensou em família.
Era um homem amargo, perverso. Mas certos acontecimentos o fizeram pensar mais
na vida do que nunca. Essa doença que ele mais temia. Se alguém por acaso
descobrisse, todos os seus segredos iriam por água abaixo. As pessoas o
criticariam e a doença o corroeria até a morte.
Ele pensou na sua juventude também. No
quanto batalhara para chegar onde estava. Com apenas 45 anos, mas com o
resultado que decidiria o rumo da sua vida nas mãos. Ela poderia ser curta ou
não. “Não. Tudo vai dar certo”, pensou Wagner em um momento de alta tensão.
Ele nunca
teve fé, mas estava rezando para que desse negativo. As suas mãos estavam
posicionadas. Rasgando o papel do envelope. Agora retirando a folha onde havia
o resultado.
Grande
palpitação. Mil pensamentos. Coração na boca! Pôs os óculos para que enxergasse
melhor.
— Positivo. Positivo! — exclamou Wagner,
mas não de alegria, pelo contrário, estava quase tendo um ataque de pânico. —
Minha vida acabou.
***
Primeiro Capítulo
Fortaleza, Ceará. 1987.
Ainda em pânico, Wagner pensava como seria sua vida. Aquela
doença, digna de preconceitos, matava sem dó nem piedade. Mesmo com todo o seu
dinheiro, não havia tratamento para ela. E mesmo se houvesse, ele não o faria,
pois decidiu em um debate contra si mesmo que manteria em sigilo que estava
doente.
Dra. Albaniza Dias era
a sua advogada e ainda maior confidente. Porém, não passavam de grandes amigos.
Ela era uma senhora de meia idade, já com uma vasta experiência em sua vida.
— Algum problema
Wagner? — perguntou ela, enquanto levava alguns papéis no escritório de Wagner
para que ele assinasse. Albaniza sabia quando o amigo estava mal.
— Eu... Eu não queria
falar isso pra ninguém... Mas eu estou doente. Minha vida pode acabar hoje,
amanhã… talvez daqui a uns anos, não sei. Essa doença não tem cura, Albaniza!
Eu vou morrer.
— E que doença é essa
Wagner? Você tem dinheiro, amigos, família! O que quer que seja, você pode se
curar.
— Todos só querem o
meu dinheiro. E eu não tiro a culpa deles não. Eu sempre fui muito mau com
eles. Sabe, eu só estou te contando isso por que eu confio em você de olhos
fechados. — pega nas mãos de Albaniza — Mas eu não posso contar que doença é.
Perdoe-me.
— Tudo bem. Obrigada
por confiar em mim, Wagner. Saiba que eu estarei do seu lado sempre, ok?
Ir para casa era um
desafio e tanto para Wagner todos os dias, ainda mais naquele. Ele preferia
ficar no sossego do seu escritório, longe do choro dos seus três filhos, das
reclamações da sogra e dos ataques de ciúmes doentios de sua esposa. Esta
última todos os dias o recebia na frente da grande mansão do bairro Aldeota, um
dos mais nobres de Fortaleza.
Norma tinha por volta
dos seus quarenta anos. Era extremamente apaixonada pelo marido. Uma excelente
dona de casa e uma esposa exemplar. Além de cuidar dos seus filhos como uma
leoa. Seu único problema eram os ciúmes que sentia do marido. Não admitia que
nenhuma pessoa trajando saias ousasse chegar perto de Wagner. Conversas por
telefone e horários em que ele chegava e saía de casa eram controlados por ela.
— Demorou demais pra
chegar hoje hein? — Diz Norma enquanto observa o motorista abrir a porta do
carro para o marido.
— Congestionamento,
minha querida. — responde Wagner. — Mas há males que vem pro bem, não? Assim
você fica com mais saudades de mim e eu de você.
— Sei... Você sempre
me vence com essa conversa. Mas há de você…
— “Se um dia eu sonhar
que você está com uma vagabunda” blá blá blá blá … — Wagner a interrompe.
—Norma, me deixa entrar em casa. Eu só quero tomar um bom banho e dormir. É
demais para um pobre cristão?
— Não meu amor. Mas
não esquece que hoje nós temos um jantar importante na casa da família Queiroz.
— Norma rodeia o pescoço do marido com os braços
— Eu não vou. Mande
flores em meu nome. — o empresário faz com que a esposa o solte.
— Mas… mas…
Wagner sai e deixa a esposa olhando pro nada.
— Ele nem reparou no
meu corte de cabelo novo… — pensa Norma, em voz alta.
Entrando em casa, seus
filhos o esperam excitadamente. Adriano, o mais velho mostra uma pintura à óleo
para o pai, que o repele:
— Pai, olha o que eu
fiz! Sou eu, o senhor, a mamãe, a Alessandra e o Alex. Ah, e a vó Gisela
também.
—Toma jeito de homem,
rapaz! Já vai fazer seus quinze anos e fica nessa história de pintura? O que
você vai ser da vida hein? Hein?
O menino sai chorando enquanto
o pai senta-se na poltrona, acendendo um charuto e pensando na vida. As últimas
palavras ditas ao filho vieram à sua mente: “Jeito de homem”. Ele sorriu,
fechou os olhos e tentou esquecer os seus problemas. Adormeceu.
Tempo depois algo pesa
sobre suas pernas. Wagner abre os olhos e assusta-se: é a empregada, Yolanda,
que também é sua amante, que se sentava no seu colo.
— Psiu… Não tem
ninguém em casa, meu leão. — Yolanda beija seu pescoço e fazendo carícias,
desabotoa a camisa do empresário.
—Você é maluca!
—Só se for por você.
—Cadê o pessoal?
— Foram ao tal jantar
da família Queiroz. Todos, todos eles. — ela ri e continuou o beijando.
—Então... que tal a gente ir lá no seu quarto hã?
—Da minha mulher, você
quer dizer.
— Quando ela sai, sua
mulher sou eu. Sou eu! — Yolanda ri diabolicamente.
Pouco tempo depois, os
dois, aos amassos vão até a suíte principal. Aos beijos eles despem-se e
continuam o ato, agora em cima da grande cama de casal.
— O motorista e o
filho dele estão aí. — Wagner recorda.
— Leoni e Ugo são dois
italianos lesados. Não vão perceber nossa brincadeirinha, meu leão.
·
Ugo Ventura era um garoto cheio de ambição. Por trás dos seus
quinze anos havia um coração perverso, assim como o patrão do seu pai,
motorista da família Peregrini. Wagner tinha um verdadeiro apreço por ele e
considerava-o como se fosse seu filho. Tinha sangue italiano, e veio de lá há
cinco anos. O Brasil era uma terra muito diferente da sua e a adaptação não era
fácil.
Ugo está no seu
quarto, um pequeno cubículo que divide com o pai nos fundos da mansão. Já é
noite e ele não está com vontade de sair. Passou o dia todo lendo suas
histórias em quadrinhos como gosta de fazer. Até que escuta gemidos vindos de
algum lugar da casa:
— Oh, Wagner... Oh...
Ugo resolve sair e
averiguar. A cena era algo que ele já esperava: Wagner e a empregada tendo um
caso! Ideias apareceram na cabeça do pobre adolescente.
—É hora de minha
vingança!
Corre até o seu quarto
e pega a sua velha máquina fotográfica. Pensa mais algumas vezes, porém quando
vem à sua cabeça uma certa lembrança, ele prossegue com o plano.
— Só una foto…
O italiano então vai
até a porta entreaberta do quarto novamente, e tira a foto. Parecia até uma
cena de filme, daqueles proibidos cujo pai um dia o pegou vendo. Mas naquele
caso poderia significar uma certa vingança dele contra Wagner. Quando Ugo se
lembrava do que Wagner fazia com ele sentia náuseas e ânsias de vômito.
Yolanda está
exatamente em cima de Wagner, que está amarrado na cama.
***
A família finalmente
chega do jantar com a família Queiroz. Conversas alegres, choros do pequeno
Alex, criança ainda de colo. A empregada servindo-os como se nada houvesse
acontecido. Ugo só esperou uma oportunidade. Queria um ótimo lugar para colocar
a tal foto. A bolsa de Norma!
Abre a bolsa da esposa
de Wagner e põe a “prova do crime”. Porém, é surpreendido por Alessandra, a
herdeira do meio de Wagner:
—Ugo, por que tá
mexendo na bolsa da minha mãe?
Ugo não
esperava por aquilo, pois ele fez questão de observar em todos os lados se
havia alguém observando a bolsa de Norma. Mas o que ele não sabia era que a
pequena Alessandra estava observando-o, como sempre fazia.
—Shhh. Fica quieta. Non é nada, Alê. Só non
conta para tuo babo nem para tu mamma. Pode dar algun problema.
—Tudo bem. — responde a pequena Alessandra.
Alessandra sobe as escadas até seu quarto.
Passando pelo corredor, nota que seu pai dorme de mau jeito em cima da cama,
porém, prefere não incomodá-lo. Ela está suspirando feito uma apaixonada – e é
uma – pois mais uma vez trocou palavras com Ugo. Ela alimenta um amor por ele,
um amor platônico desde o dia em que o conheceu.
— Se ele soubesse que eu gosto dele! — suspira abraçando o seu ursinho de pelúcia
no seu quarto rosa.
Alessandra tem 13 anos. Está saindo da
infância. Suas aventuras, amigos imaginários, o seu mundo cor-de-rosa estava
desaparecendo aos poucos. Os primeiros suspiros de amor começam a surgir e o
seu pobre coração já sofre por causa de um garoto: Ugo. Ela apaixonou-se por
ele. No início sentia uma grande amizade, talvez uma irmandade, mas com o
tempo, sentiu que era amor.
***
Anoitece e amanhece naquela casa como todos
os dias: Enquanto Wagner sai para trabalhar, beija sua amante (ás escondidas),
depois sua esposa, que toma um banho matinal na piscina. Wagner ouve as
recomendações ciumentas da esposa.
—Até mais, meu amor.
—Só não vai aprontar, hein. Eu tô de olho.
— Norma leva o dedo indicador até o olho.
—Ah, fica tranquila Norma. Só existem duas
mulheres no mundo em minha vida: Você e a Alessandra. Aliás, cadê ela? Minha
filhinha ainda não acordou?
—Sabia que ela estuda, Wagner?
Na verdade não. Wagner não estava nem aí
para os filhos, tampouco para esposa. Mal sabia Norma, mas ele aprontava bem
debaixo do seu nariz e ela nem suspeitava. Se por acaso isso acontecesse, ele
seria um homem morto. Norma já fez muita coisa por ciúmes, de discussão a altas
brigas. O que aconteceria se ela soubesse que sua própria empregada tem um caso
com o seu marido?
***
Pouco tempo depois, vem Yolanda com o
pequeno Alex nos braços. Alex chora, talvez sentindo falta da mãe, que o
largava nas mãos de qualquer criado enquanto cuidava de sua beleza. Quando ela
não estava preocupada com a beleza, aí sim dava todo cuidado do mundo aos
filhos.
—Dona Norma, o Alex está precisando mamar.
—Ah, Yolanda. Me dê ele aqui.
Ela retira o seio de dentro do sutiã e o
menino mama. Ele parecia faminto.
—O filho da senhora é bastante saudável,
não? — comenta Yolanda.
—E tudo isso com só um aninho de idade. Ele
é o meu rapazinho.
—E o Adriano, ele não é filho da senhora?
—Ah, o Adriano é um garoto sonhador. Ele
não tem a garra que o pai tem. Eu tenho muita pena desse menino, mas enfim, ele
já está grande demais pra uma nova educação.
Yolanda pede licença e sai, porém Norma a
chama de volta.
— Yolanda...
— Pois não, dona Norma?
— Você me acha... feia?
A empregada se segura para não dizer que
sim. Em seu pensamento ela ri, ri muito. Seus lábios acabam formando um leve
sorriso bobo.
— Claro que não, dona Norma! A senhora é
linda. Desculpa, mas por que está me perguntando isso?
— O Wagner... Eu acho que ele não gosta
mais de mim. Eu não sou a mesma, principalmente depois que as crianças
nasceram... — comenta em um tom de tristeza. — Sabe, Yolanda... Eu acho que o
Wagner tem outra.
Yolanda fica em silêncio, de cabeça baixa e
com as mãos para trás. Ela pensa: “É claro que ele tem outra, sua vaca gorda.
Sou eu!”.
***
Os comentários da mãe e do pai chocavam Adriano. Ele era um
menino sonhador e sem ambição sim, mas tinha orgulho disso. Se em casa seus
pais baixavam sua alto-estima, na escola não era diferente. Seus professores
não tinham paciência com a sua dificuldade no aprendizado e seus colegas
zombavam disso.
—Ei jumento, você não vai aprender nada
não! —um colega de classe zoava com Adriano enquanto sua professora de
matemática explicava para ele mais uma vez sobre as equações.
—Desculpa professora, eu não sei.
Isso fazia do garoto um frustrado, e por
causa disso, ele tinha medo das pessoas. Em vez de se divertir, ele preferia
ficar em casa com a sua própria companhia lendo um bom livro por exemplo.
É intervalo. Depois ele terá aula de
química. Outra matéria chata que ele não gosta nem um pouco. Uma sombra cobre o
livro de Jorge Amado que ele lê no banquinho do pátio da escola. Adriano
levanta a cabeça e vê um garoto gordo, que parece ter o dobro do seu tamanho.
—Trouxe o quê pro lanche? — pergunta o
valentão.
—Nada. Não tenho fome. —Adriano responde.
O valentão agarra o menino pela gola da
camisa.
—Me solta!
Adriano
dá uma joelhada no saco do valentão, que o solta por reflexo. O menino, ainda
assustado, fica em posição de luta.
— Quer brigar é?
—Foi você quem pediu!
Os
meninos caem nos socos e é preciso que os professores venham apartar a briga.
Norma
recebe um telefonema. É da escola de Adriano. Pelo jeito, a briga foi tão séria
que foi preciso chamar a mãe.
— Adriano, brigando? Meu neto não é disso.
Só pode ter havido um mal entendido, Norma. — comenta a avó, Gisela.
— Mamãe, pelo jeito o Adriano não só brigou
como saiu ganhando. Eu vou lá em cima pegar minha bolsa e já volto. Peça para o
Leoni preparar o carro.
A mãe do
garoto pega a bolsa (a mesma bolsa em que Ugo escondeu a foto de Wagner e
Yolanda). Como ela está aberta, a tal foto cai. Norma espanta-se com a imagem
vista.
— Mas o que significa isso?