“Eu
me lembro que naquela noite todos os vizinhos saíram no portão para ver os
policiais levarem-na. A coisa foi muito estranha, por que não era uma assassina
que estava sendo presa, mas sim a vítima. O corpo do meu pai ainda se
encontrava no quarto. Os olhos estavam abertos e o mau-cheiro já dava sinais.
Eu nem cheguei perto, naquele instante eu só queria a mamãe de volta, porém foi
quando eu ouvi ela gritando dentro da viatura, após apanhar de um dos oficiais
que eu soube que nunca mais a teria em minha vida e as coisas só piorariam dali
em diante.”.
Um dos empregados de Rebecca foi lhe entregar o
jornal da manhã. Estava estampado na primeira página o homicídio bárbaro do
encanador americano. Rebecca deixou aquelas folhas de papel caírem de sua mão.
Ela só conseguia pensar em como amava aquele homem. Ele era tudo o que seu
marido não foi, mas agora o “tudo”, havia sucumbido.
–Há algo de errado querida? –Indagou Pedro, que
percebeu a reação da esposa.
–Não... –Respondeu Rebecca. –Eu só fiquei um
pouco chocada com esse homicídio na primeira página do jornal.
–Ah claro. Um encanador virando notícia, não é
para menos que você fique surpresa. Hoje em dia essas pessoas querem dar mais
espaço aos pobres. Vou pegar um drink, você quer?
–Não, obrigada.
“O
julgamento estava se aproximando. Minha avó depositou toda a sua aposentadoria
em um advogado descente para tentar tirar a minha mãe da cadeia. O dinheiro não
era muito, mas já ajudava bastante. Eu não pude visitar a minha mãe, por que na
época eu só tinha cinco anos e não era permitido, porém a minha avó sempre ia
às visitas e minha mãe sempre mandava cartas através dela para mim.”.
Beth, assim como os outros familiares das
vítimas, estava sendo revistada para a visita. O encontro ocorria em um enorme
saguão, com mesas e cadeiras de concreto, com o intuito de haver um “conforto”
maior entre as vítimas e seus parentes. Guardas se mantinham inertes como
esculturas em cada lateral do saguão, segurando armas enormes, caso houvesse
alguma rebelião. Minutos depois, o sinal do presídio soou, alertando que era a
hora da visita. Beth enxergou a filha de longe, ela usava um uniforme cinza,
seu rosto estava sem maquiagem e os cabelos mal arrumados, mas ainda assim, era
sua filha.
–Querida, você não sabe como eu esperei por esse
momento! –Exclamou Beth, emocionada. –Você está tão acabada... Por que você fez
isso Fernanda? Destruiu sua própria vida! O Patrick precisa de você, deveria
ter ao menos pensado no seu filho.
–Todos os fins de semana o Marco viajava. As
roupas dele estavam manchadas de batom. O perfume da outra eu sentia de longe.
Me diz mamãe, a senhora aguentaria tal traição? –Indagou Fernanda.
–Não. Mas matar é muito cruel.
–Ele me matou primeiro, eu só continuei o crime.
“O
verão do ano seguinte já se aproximava e o julgamento ainda estava correndo.
Fazia mais ou menos um ano daquela tortura. Minha avó estava cada vez mais
doente e se ela morresse, eu teria de ir para um orfanato. Todas as noites
antes de dormir, eu pedia a Deus para mantê-la viva até o julgamento final. E
ele educadamente ouviu minhas preces. No fundo apesar de já saber a sentença
que minha mãe receberia do júri, eu tinha esperanças. Porra ela era minha mãe!
Quem não teria esperanças? E por tais esperanças, eu esperei fielmente cada
carta dela. Eu esperei fielmente cada rubrica no final. Os meses passaram mais rápidos
e já era janeiro de 89. O dia da sentença final havia sido marcado. Nesse eu
pude ir e eu desejei amargamente nunca ter ido.”.
O julgamento mais esperado do ano estava
ocorrendo no distrito de Nova York. Os trajes do júri e do Juiz foram
escolhidos adequadamente para a tal ocasião. O promotor distrital Di Silva
estava com a faca e o queijo na mão, pronto para mandar Fernanda à cadeira
elétrica. No fundo, bem no fundo, escondida atrás de pessoas, Rebecca
acompanhava o julgamento. Ela, assim como muitos presentes, queria ver a réu
atrás das grades para sempre. O juiz bateu o martelo, dando início ao
julgamento.
“Testemunhas
de diferentes cores e formas poderiam ser vistas. A maioria eram vizinhos ou
amigos da minha mãe. Todos, sem exceção de ninguém, depuseram a favor dela até
aquele instante. Tudo estava ocorrendo bem, pelo menos eu achava que estava.
Até que a tal Rebecca Brandão sentou para depor contra a minha mãe. Foi a
partir dali, que eu comecei a ter noção do quanto aquela mulher era perigosa.”.
Rebecca fez o juramento de dizer somente a
verdade, ficando ciente de que se alguma mentira fosse dita, ela seria
comprometida futuramente. Mas não naquele julgamento, por que tudo havia sido
comprado, inclusive a liberdade de Fernanda. A dona do aço havia feito sexo
grupal com o juiz e o promotor distrital na noite passada, a fim de garantir
que Fernanda nunca mais sairia da cadeia.
–Éramos melhores amigas no colegial, ela e o
Marco já namoravam. A Fernanda sentia ciúmes doentios pelo namorado. Enquanto
eu só observava toda aquela situação de perto. Em uma noite, recebi um
telefonema dela. Fui até sua casa, seus pais estavam viajando. A Fernanda havia
esfaqueado o abdômen do namorado. Eu jurei guardar segredo, mas acho que dessa
vez ela cometeu um crime, certo? Então minha ex melhor amiga deve ser presa.
Sinto muito Fernanda, mas você deveria ter se tratado enquanto havia tempo.
“A
dissimulação daquela vadia estava estampada naqueles malditos olhos claros. Ela
só faltou chorar pra deixar tudo mais real. Após aquele depoimento, o júri se
manifestou e o juiz decretou sentença perpétua à mamãe. Minha avó caiu da
cadeira tendo um infarto fulminante, logo após levarem minha mãe. Tentaram
socorrê-la, mas já era tarde. Deus prometeu que a deixaria viva até o
julgamento e cumpriu, e eu o agradeço por isso. Enquanto todos estavam
desesperados com a morte da vovó Beth, eu fui atrás da Rebecca. Ela me fitou
nos olhos por cima daqueles óculos escuros, sorriu e entrou no carro sedan.
Naquele instante, eu jurei a mim mesmo que eu encontraria e a destruiria. E
agora estou cumprindo o que prometi.”.