ÚLTIMO CAPÍTULO
Lucas freou o carro no pátio atrás de sua mansão, em frente à garagem e
saiu do carro. Percebeu que Raul veio correndo em sua direção e parou para
espera-lo.
- Senhor, não vai acreditar: a menina está aí dentro! – falou o motorista.
- Como é? – disse Lucas, sem entender direito o que queria dizer o motorista.
- Alis, senhor, Alis está na casa. Veio ver o senhor. – revelou Raul.
Lucas virou o rosto, olhando para a mansão. Sentiu o coração disparar.
Não sabia se permanecia ali parado, apenas observando e tentando perceber de
longe a tênue vibração da alma da mulher que amava ou se saía correndo,
buscando encontra-la e envolve-la em seus braços.
Havia ensaiado um discurso. Um discurso que foi minguando pouco a pouco, pois não parecia haver palavras para expressar o que sentia agora.
Todos os dias, Lucas estava indo ao Instituto Psiquiátrico. Todos os dias solicitava a visita a Alis Brade e todos os dias recebia um grande NÃO. Depois ia para a sala de espera, de onde os internos não podiam vê-lo e de onde Lucas podia acompanhar Alis surgindo etérea no pátio interno do Instituto. Ele a observava se sentar num banco à sombra de um salgueiro e se por a ler livros apreciando os sons da natureza em volta. E parecia que aquelas horas que passava no Instituto, simplesmente a contemplá-la preenchiam sua alma e recarregavam suas forças. Ele a amava. Ele a amava como nunca amara a ninguém e ainda assim, ela o evitava.
Perguntava ao Dr. Robert o que estava acontecendo com ela, mas ele nada
lhe revelava. Sigilo médico-paciente, explicava ele.
Os dias foram passando e Lucas foi compreendendo que era o tempo que
Alis precisava para se curar, uma ferida aberta pelo padrasto e ampliada por
Brade, mas era tão difícil para ele ter a paciência que ela esperava dele. E
agora, ela estava na sua mansão, e Lucas mal conseguia se mover.
Havia planejado dizer-lhe mil coisas, mil palavras que agora se
esvaneciam ao vento. Respirou fundo, tomou a coragem necessária e aproximou-se
da casa pela porta dos fundos. Escutou vozes na sala de entrada, mas eram duas
empregadas que limpavam o recinto animadas.
- Ela está lá em cima, patrão – disse a empregada.
Alex obedeceu a indicação da empregada e subiu as escadas. No pavimento
superior, escutou uma gargalhada. E achou que era a primeira vez que escutava a
risada de Alis, sempre tão séria e triste. Aproximou-se vagarosamente. O som
vinha do quarto do bebê.
Para sua sorte, a porta estava aberta, então se encostou à bateira da
porta para observar a cena:
Vanessa e Alis estavam sentadas no chão, de frente uma para a outra. No meio delas, Junior, agora com um ano e dois meses, andava de um lado para outro, abraçando a uma e depois a outra num jogo de vai e vem. Os três riam com os passos mal dados do bebê que ensaiava suas primeiras caminhadas.
Lucas sorriu, mas seus olhos ficaram úmidos, tomado pela emoção. Sentia-se tocado com aquela cena, pois sabia o quanto seu filho representava para a mulher que ele amava.
Vanessa, que estava de frente para Lucas, percebeu depois de alguns
minutos a sua presença.
- Sr. Trevor ! – falou Vanessa, fazendo Alis se virar. Ela sorria. Era o sorriso mais gracioso do mundo. – Bem, eu vou levar o Junior lá embaixo, dar uma papinha antes de dormir. Vou deixa-los a sós. – falou Vanessa, erguendo o bebê no colo. Quando passou por Lucas, ele fez um carinho nas costas do bebê e beijou sua testa.
- Pa! Pá! – disse o bebê.
Em seguida, Vanessa sumiu no corredor.
- Ele já está andando e falando... que lindo – falou Alis,
levantando-se.
Lucas entrou no quarto e ficou em frente a Alis. Alguns centímetros os
separando. Seu coração disparava a mil e hesitava. Não sabia o que dizer ou
fazer.
- Lucas... espero que me perdoe por essa invasão, mas eu estava com
muitas saudades do bebê.
- Invasão...? – falou ele, sem entender. No seu entendimento, aquela
casa era tão dela quanto dele – Por que não avisou que iria sair do Instituto?
Eu teria mandado alguém busca-la... ou eu mesmo iria busca-la.
Alis suspirou e respirou fundo. Parecia se preparar para dar as
explicações necessárias.
- Eu precisava resolver algumas coisas antes de vir... aqui – respondeu ela sucinta.
- Coisas? – perguntou ele, exigindo os detalhes.
- Fui a minha casa. Está abandonada. Foi invadida, enquanto estava fora. Roubaram uma TV velha que eu nem usava, mas pelo menos ainda está de pé. E fui à minha escola. Ana Maria disse que eu tinha duas licenças-prêmio para tirar e ainda duas férias: dá um ano e dois meses. Isso quer dizer que eu ainda tenho alguns meses de folga e depois poderei retornar ao meu trabalho. Fiquei muito contente, por isso.
- Ótimo! – respondeu Lucas, parecendo distante, o que não passou despercebido por Alis.
- Bem... eu vim aqui para dizer que... eu sei que o senhor pagou pelo meu tratamento e quero que saiba que vou lhe devolver cada centavo. – falou ela, esfregando as mãos nervosamente, ainda mais porque ele parecia distante. – E... bem... eu tenho evitado a sua visita e sei que o senhor queria falar comigo. Vim aqui para escutar o que o senhor tem a dizer para mim.
- Voltou com o ‘senhor’, é? – falou ele, como se não tivesse escutado o
que ela disse.
- Lucas... – corrigiu ela. Os dois se olhavam intensamente nos olhos um do outro. Alis sabia que agora era a hora. Era o momento que mais temia e que precisava enfrentar e enfrentaria, mas a demora da reação por parte de Lucas só intensificava a tensão daquele momento.
- Deve estar aborrecido porque eu vim até aqui.
- Até aqui, onde? – falou ele, fingindo não compreender o que ela dizia.
- Aqui, na sua casa, no quarto do bebê. Deve querer que eu me afaste
para sempre de Júnior, não é? – perguntou ela, segurando a respiração.
- E porque eu iria querer isso? – perguntou ele, como se não entendesse aonde ela queria chegar.
- Por que eu matei Brade! – respondeu ela, simplesmente.
- Você me salvou naquele dia! – falou Lucas, suscintamente.
- Eu matei um homem porque quis, porque desejei mata-lo. Atirei em Brade de caso pensado, Lucas. Aposto que esteja ele onde estiver, deve estar arrependido por ter me ensinado a atirar. Por isso eu fui processada por homicídio culposo, Lucas, por eu matei desejando matar.
- Mas foi inocentada – adicionou ele.
- E dada como louca... – falou ela, com um muxoxo.
- Estava alterada emocionalmente. O Dr. Robert explicou isso...
- O que é pior, Lucas. Por que isso faz de mim uma desequilibrada, capaz de matar ao menor sinal de estresse emocional.
- Ao menor? – perguntou Lucas, franzindo o cenho. – Deus do céu, Alis. Meu Deus, eu não sei se você tem noção do que está dizendo. Não sei se fala isso para tentar se convencer de que é uma pessoa fraca e culpada. Eu nunca encontrei alguém que tenha passado pelo que você passou e tenha sobrevivido. Jamais encontrei alguém com a capacidade de enfrentar tantas ameaças, tantos problemas, tanta tristeza e continuar consciente e forte. Você não só provou que é uma pessoa maravilhosa e sensível, mas também forte e batalhadora, uma guerreira quando há pessoas que você ama em perigo. E tudo o que eu pensei, sobre você ser frágil no início, caiu por terra...
Alis olhou para Lucas e sentiu seus olhos umedecerem.
- Você realmente acha isso? – perguntou ela, incrédula.
- Eu não só quero que meu filho fique na sua presença, como vou
agradecer aos céus se ele puxar a fibra que a tia dele tem...
Alis sorriu ao mesmo tempo que deixava uma lágrima escapar.
- Lucas... – ela disse, aproximando-se. Colocou uma palma sobre o
peito dele, em cima do coração. – Eu quis tanto te receber no Instituto, mas
não tive coragem.
- Eu entendo... – falou Lucas, resistindo a vontade que tinha de abraça-la, de toma-la em seus braços. Era uma precaução necessária.
Alis, por outro lado, interpretava a precaução de Lucas como indiferença. Mil coisas começaram a passar em sua cabeça, mas a principal ideia era a de que ela não significava mais nada para ele. Até a raiva seria melhor do que aquela indiferença, coisa que não imaginou que fosse encontrar em Lucas. Talvez fosse a hora de ir embora. Dar por encerrado aquela história.
- Eu sinto muito, por tudo! - falou ela e se afastou dele. Já estava próxima da porta, quando sentiu uma mão em sua cintura.
- Não vou deixar você sumir dessa vez... – falou ele baixinho em seu ouvido. – Tantas vezes já senti você escapando por entre meus dedos. Quantos meses de espera, quando tempo imaginando o dia em que eu poderia ver seus olhos olhando para os meus. Então não pense que eu vou deixar você ir...
- Talvez fosse melhor... – falou ela, encostando-se no peito de Lucas, sentindo ser envolvida pelos braços dele. Sentia um torpor tomando-lhe de assalto. Tinha medo e ao mesmo tempo, desejava virar-se e beijá-lo como nunca desejou nada anteriormente.
Enquanto isso, Lucas acariciava seus cabelos, afastou-os de sua nuca e
beijou seu pescoço.
- Quando é que vai assumir que me ama, futura Sra. Trevor...? – falou
ele, num tom brincalhão.
Ela se virou e olhou em seus olhos. Tinha a respiração irregular, por
isso, levou uma das mãos ao seu coração, a outra espalmada no peito de Lucas
que a envolvia.
- Eu não sei o que é isso... – falou ela, sinceramente. – Não sei o que é porque nunca amei ninguém de verdade, mas se amor for o que eu sinto por você, então saiba que é a coisa mais incrível que já senti, um coisa que aperta o meu coração e que me impulsiona a continuar. Quanto eu matei Brade, achei que havia perdido a mim mesma, mas cada vez que achava que iria desistir, pensava em você... eu só pensava em você e ao mesmo tempo, tinha tanto medo...de ver você. Eu tive tanto medo de perder você...
Alis apoiou a cabeça no peito de Lucas e deixou que as lágrimas rolassem por seu rosto. Ela tremia e não sabia se era por medo ou por emoção. Ele percebeu o quão importante era aquele momento e a abraçou ternamente.
- Não precisa mais ter medo. – disse ele baixinho, fazendo uma carícia nas costas dela com uma mão. Com a outra, secou as lágrimas no rosto dela, empurrando alguns fios de cabelo para trás da orelha dela. – Me deixa te amar, Alis. Deixa eu te mostrar o que é amar uma mulher...
Lucas se abaixou e tocou os lábios dela com os dele.
Suavemente, ele a puxou para si e sentiu que ela o abraçava, acariciando
suas costas.
Depois de alguns minutos naquele carinhoso contato, Lucas afastou-se
alguns centímetros para olhar para ela. Ela não desviou o olhar, nem fechou os
olhos como das outras vezes. Estava diferente. Parecia preparada para enfrentar
as consequências daquele contato. Parecia preparada para enfrentar a si mesma e
se entregar ao amor.
- Diga, Alis, por favor, me diga... – disse ele, sorrindo, pois sabia o
que iria escutar.
- Eu amo você! – falou ela, com os olhos marejados – Eu amo você, Lucas!
Por favor, me ame e seja amado por mim...
Ele não esperou mais, ergueu-a nos braços , levantando-a do chão e deu um volta com ela como se tivesse ganhado na loteria, como se tivesse atingido a felicidade suprema que um ser pode conseguir.
Depois parou, com ela ainda em seus braços. E dessa vez foi ela que o beijou, enquanto escorregava de seus braços.
Ela se afastou dele, e começou a caminhar de costas, ainda olhando para ele. Ele franziu o cenho, imaginando o que se passava na cabeça dela, o que ela poderia fazer? Será que ela iria correr para longe dele, afastar-se para sempre dele, agora que ele sabia que ela o amava. Mas, com um sorriso maroto, ela cruzou o corredor e entrou no quarto dele, chamando-o com ambas as mãos.
Lucas sorriu e a seguiu, fechando a porta do quarto atrás de si.
- Você é minha agora! – falou ele, mas num tom suave, para não amedronta-la. – E eu serei seu... para sempre!
Ele se aproximou e a beijou na testa. Percebeu que novamente a respiração dela estava irregular. E ela parecia nervosa.
- Não se preocupe, Alis. Eu não vou te machucar.
-Eu sei, Lucas. Eu sei agora que você nunca me machucaria, mas tenho medo de te desapontar. Eu nunca... – como ela poderia explicar? Como ela poderia dizer que não tinha experiência na arte da sedução? Que seu padrasto e Brade nunca a ensinaram a retribuir o amor?– Eu... sou uma idiota! – resumiu ela, mordendo os lábios.
Ele sorriu e beijou seus lábios novamente.
- Querida... sei que você não tem experiência... sei que nunca ninguém
lhe tratou como deveria, ninguém lhe ensinou o quão lindo um ato de amor entre
um homem e uma mulher pode ser. Mas eu te mostrarei... e você me mostrará
também, porque é o amor que deixa tudo mais belo, Alis e amor há de sobra em
seu coração.
Os dois se abraçaram e se entregaram um ao outro naquele ato supremo de
paixão, ternura e carinho e Alis soube naquele instante que o vazio que sempre
sentiu em sua alma foi preenchido com o amor que Lucas agora oferecia.
Alis acordou de madrugada e sorriu ao ver que estava nos braços do homem
que amava. Achou por um momento, que o que acontecera fora somente um sonho
bom, mas a presença dele ao seu lado a alertava de que era a pura realidade:
ela era dele e ele, dela. Não num gesto de possessividade, mas num ato de
entrega e de amor. Beijou-o suavemente nos lábios para não acordá-lo e foi até
o banheiro.
Quando entrou, lavou o rosto e se olhou no espelho. De repente, seu
sorriso sumiu ao se ver no reflexo. A mulher que havia a sua frente não
era ela: tinha um sorriso maldoso e um olhar maquiavélico. Alis virou o
rosto, mas o reflexo manteve-se de frente para ela. Franziu o cenho, assustada,
e em resposta, seu reflexo ergueu as sobrancelhas, como Liz gostava de fazer ao
ser desafiada. Estaria ela sonhando? Estaria ela tendo alucinações? Era ela,
tinha cada traço do seu rosto, até mesmo a cicatriz na têmpora direita e,
entretanto, era outra. Sentiu seu coração se acelerar, sem saber o que fazer.
Então sorriu e suavizou as feições de sua face, erguendo a sobrancelha,
exatamente como seu reflexo. Lentamente, as duas faces se fundiram em uma só:
um rosto de uma mulher diabólica.
Alis acordou assustada, sentando-se sobre a cama.
- Você está bem? – perguntou Lucas sentando-se também, colocando sua mão nas costas dela para que soubesse que ele estava ali ao seu lado.
Ela virou-se para ele e suspirou aliviada: era um pesadelo.
- Eu estou bem! – falou ela e os dois voltaram a se deitar, abraçadinhos um ao outro. Novamente, Alis tinha o ouvido no peito de Lucas e escutava seu coração pulsar. Aquele pesadelo era só uma reação à felicidade que agora sentia. Estava cansada de ter medo. Já havia enfrentado Amélia, sua irmã, Brade e, principalmente, a ela mesma. Agora, não havia nada a temer, tudo ficaria bem...
Beijou Lucas novamente e os dois se olharam. Nenhuma palavra precisou
ser proferida. Seus olhares eram cúmplices... no amor.
Fim...