sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Duas Faces no Espelho - Capítulo 21


Capítulo 21

Alis acordou quando o sol começou a esquadrinhar seu rosto. Escutava o barulho suave de um coração batendo e quando percebeu, viu que dormia abraçada a Lucas, seu ouvido sobre o peito do homem que a comprara.

Quanto não havia desejado ter ficado assim, nos braços daquele  homem, protegida e amada? Mas agora, parecia que tudo havia se partido. Ele a tratou como um objeto. Arrastou-a de sua casa e ainda a trancara no quarto que fora de Liz.

Lembrando dos últimos eventos, Alis sentiu-se tremendamente triste e uma gota de lágrima escapou do canto de seus olhos. O que mais ele lhe faria? Será que a maltrataria como Brade? A doce imagem de Lucas como um perfeito cavalheiro havia se espatifado no momento em que ele ofereceu dinheiro a Brade. Ela não era uma mulher, com direito a própria liberdade.  Era sua propriedade agora.

Ainda assim, não conseguia se levantar e se afastar dele. Preferiu ficar parada ali, sentindo os braços de Lucas a envolvendo como se ele a amasse, como se ele se importasse com ela. Que vida era aquela que levava? Que insustentável condição de vida havia atingido?

- Alis? – escutou Lucas dizer, quando ele acordou. 

Foi só então que ela se virou e se encolheu bem longe dele.

- Sinto muito por isso. Eu não queria ter dormido aqui. Acho que estava mais cansado do que imaginei. – disse ele, sem graça.

Ele se sentou e passou a mão pelo ombro de Alis, tentando consolá-la.

- Está tudo bem? Está mais calma, querida? – perguntou ele. Como ele gostaria de fazê-la se virar para ele. Como gostaria de beijá-la e tê-la em seus braços como sua verdadeira esposa, mas sabia o caminho que tinha pela frente até que ela confiasse nele novamente.

- Quer que lhe traga o café? – perguntou ele, fazendo agora um cachinho com longos cabelos negros dela.

- Não... eu prefiro descer, se não se importar, Sr. Trevor! – respondeu Alis, ainda sem se virar para ele. Mas a voz dela parecia mais calma agora, o que parecia ser uma boa notícia.

- Certo...

Quando Lucas saiu do quarto, Alis se entregou às lágrimas novamente. Mas depois sentou-se e achou que deveria enfrentar a situação, fosse qual fosse. Ela ainda vestia a roupa do dia anterior e, meio sem graça, achou que Liz não se importaria se usasse uma de suas roupas mais simples.  Por isso, resolveu tomar um banho, amarrou os cabelos, vestiu-se e depois desceu. Lá embaixo, não havia sinal do Sr. Trevor, mas uma das empregadas limpava o saguão de entrada, onde Dunga havia falecido. Ela pensou por alguns segundos se deveria fugir dali, mas realmente não sabia para onde ir se fugisse e o Sr. Trevor era um homem muito mais poderoso e influente do que Brade, o que tornaria sua fuga bem difícil. Por isso, ao invés de querer sair, tomou o corredor para o salão de jantar. Não havia mais Dunga ou Amélia para fazer-lhes companhia, mas além do Sr. Trevor, Vanessa estava sentada à mesa e dava uma papinha para o bebê que estava sentado numa cadeirinha de bebê.

- Bom dia! – disse Alis, sorrindo ao ver o bebê.

- Achei que não se incomodaria se Junior e Vanessa tomassem café conosco! – falou Lucas, levantando-se quando Alis se aproximou.

- Não... será um prazer... – disse Alis e sentou-se em frente ao bebê que olhava para ela com um sorriso lindo nos lábios.

- A Sra. Trevor não permitia que nos juntássemos à mesa. Sempre comíamos na cozinha, não é mesmo Junior... – falou Vanessa para o bebê que emitiu um daqueles sons de bebê.

- Que lindo! – falou Alis, contente por ter tomado a decisão de descer para o café. Amava aquele bebê... tanto quanto amava o Sr. Trevor.

Aquele era um pensamento assustador e franzindo o cenho, olhou para o Sr. Trevor que não tirava os olhos dela.

- Tudo bem, Alis? – falou ele, percebendo que ela havia ficado séria de repente.

- Sr. Trevor... – disse uma outra empregada, surgindo na sala – O policial Cartumis está aqui...

- Mande-o entrar...- falou Lucas e em seguida, Alex Cartumis entrou no recinto, com ar preocupado.

- Desculpe, Sr. Trevor, por entrar assim, mas  é que... – Alex parou de falar quando olhou para Alis. No início achou que era a Sra. Trevor, mas então viu a cicatriz na tempora e uma marca roxa na bochecha. – Alis... achei que estava no hospital!

- Eu também achei, mas o marido dela tirou-a do hospital e a agrediu – falou Lucas, explicando suscintamente tudo o que havia acontecido de verdade.

- E porque não me chamou, Sr. Trevor? – falou Alex, parecendo aborrecido. – Como é que tirou Alis de lá.

- Paguei a Brade para que a deixasse ir e ainda lhe desse o divórcio!- confessou Lucas, como se fosse algo casual.

- Você o que? – falou Alex, nervoso – Você sabe que isso pode melar o caso contra ele, não sabe? De qualquer forma, é melhor eu levar Alis para o hospital, para fazer o corpo delito.

- Ela não vai sair daqui! – falou Lucas, sem nem olhar para Alis, que estava detestando aqueles dois conversando sobre ela  e sua vida com Brade como se ela não estivesse presente.  – Não vai haver nenhum caso contra Brade, pelo menos, não da parte de Alis. Para isso, seria necessário que ela testemunhasse contra o troglodita do marido e não vou subjuga-la a isso. Ela já sofreu demais, Alex. 

- Mas sem o testemunho de Alis, eu não tenho nada contra ele. – retorquiu Alex, aborrecido.

- Então arranje alguma coisa! – falou Lucas, decidido – Essa história com Alis já acabou.

Alis abaixou a cabeça, mas agradeceu por aquilo de alguma forma. Não suportaria ter que fazer exame delito novamente, como da outra vez em que dera queixa contra Brade. E também não suportaria ter que testemunhar contra o marido num tribunal.

- O que ele fez com ela, o maldito vai fazer com outra mulher se não o impedirmos... – falou Alex, tentando convencer Lucas. – E o Senhor ao invés de me ajudar a prender aquele canalha ainda lhe dá um bônus em dinheiro! Desde quando isso está certo?

- Eu não ia ficar parado olhando aquele idiota machucar a minha mulher...!!! – falou Lucas, tomado de ódio por Brade.

- Alis não é a sua mulher!

Lucas olhou para Alex quando percebeu o que havia falado e depois olhou para Alis que o observava calada.

- Sei que não é... – disse ele, abaixando a cabeça, meio sem graça. – Mas isso é o que eu sei fazer e se meu dinheiro não é o suficiente para livrar a mulher que eu... a mulher pela qual sou responsável, então não sei pra quê ter dinheiro... Ela está salva, Alex, é tudo o que importa. É só o que me importa.

Alex olhou para Alis que parecia abatida. De certa forma, a garota tinha sorte, porque Brade não se meteria com o Sr. Lucas. Se fosse qualquer outro, Amilton Brade jamais deixaria ela viva.

- Tudo bem! Vou lidar com Brade depois, mas o que vim fazer aqui é algo sério, Lucas: antes de ontem houve um problema na Delegacia. Alguns presos fugiram. Eles me informaram hoje que Amélia estava entre os fugitivos.

- Achei que ela estivesse no hospital. – falou Lucas, sentindo uma sensação desagradável de perigo.

- Não. Ela tinha dado entrada na prisão da delegacia no mesmo dia em que houve a tal rebelião. Eu também não sabia. Mas quatro presos fugiram e entre eles Amélia. E sei que ela deve estar muito longe daqui agora, mas, só por precaução, coloquei uma viatura na frente de sua casa e queria saber se o senhor sabe onde se encontra a Sra. Trevor, já que ela não está aqui... – disse Alex, olhando para Alis.

- Liz está no meu apartamento do Centro. Na Av. Statevis, 258 B. 6 O apartamento é na cobertura. É um apartamento de luxo e a segurança é ótima, não creio que Amélia possa...

- Só por precaução, vou atrás de Liz. Se tiver algum problema, o senhor deve me ligar.

- Certo – falou Lucas – E obrigado por tudo, Cartumis.

Depois que Alex saiu, Lucas passou a comer em silêncio, visivelmente preocupado.

- Lucas? – disse Alis, chamando sua atenção.

- Sim... – disse ele, olhando para Alis.

Ela colocou a pequena mão sobre a mão dele e fez uma pequena carícia com seus dedos.

Ele olhou para a mão de Alis sentindo uma estranha emoção dentro de si. Nunca em toda a sua vida um gesto tão simples e singelo como aquele havia tocado tanto seu coração.

- O Senhor acha que Amélia pode vir atrás de nós ou da minha irmã? – perguntou Alis, tão inadvertida sobre o efeito que causava sobre ele.

- Talvez, Alis... não sei – disse Lucas, observando a mão de Alis. Havia escoriações nas costas na mão e manchas rochas no pulso.  Como alguém tão doce e amável poderia ter sido tão maltratada? Ficou lembrando de uma frase da Ir. Ágatha: Alis havia nascido para ser uma vítima. A velha religiosa disse ainda que temia que Alis sempre o fosse. Pensar em Amélia tramando contra a vida de Alis era algo que tirava sua paz, mas o que mais poderia fazer?

O bebê Lucas fez um outro barulhinho e Alis tirou a mão da mão de Lucas e acenou para o bebê que ria abertamente. O próprio Lucas sorriu com a cena. Era a cena que havia sonhado por toda a sua vida: sua mulher e seu bebê, juntos, felizes, tomando café da manhã como uma família de verdade. Mas Alis não era sua mulher e não estava feliz. Alis estava acuada e assustada e era a sua culpa. Talvez não fosse a melhor estratégia ter tirado Alis de sua casa, mas agora era tarde.

Depois de alguns segundos, Vanessa tirou o bebê e saiu com ele da mesa, provavelmente voltando ao andar superior.

Quando ele e Alis ficaram sozinhos, um silêncio sepulcral abateu-se sobre eles.

- Alis... – disse ele, depois de vários minutos...

- Sim... Lucas... – disse Alis, olhando para ele.

Ele não aguentou mais. Havia muitas emoções dentro de si para que pudesse aguentar e ele, que sempre foi um homem que controlava seus impulsos e desejos, deixou que eles aflorassem em si e aproximando-se de Alis, segurou seu rosto com ambas as mãos e procurou seus lábios, tomando-os doce e ternamente.

Ela não se moveu, nem resistiu, mas Lucas percebeu que ela segurou a respiração. Depois afastou-se um pouco para olhar para ela. Ela parecia estar com dificuldades para respirar e, além disso, estava estranhamente emocionada, os olhos marejados.  

- Não me machuque, Sr. Trevor, eu imploro...

- Já lhe disse que não vou machucar, Alis, eu quero protege-la, só isso... Por que é tão orgulhosa? Por que não me deixa me aproximar de você? Será que você não percebe que eu...

Ele parou em suspense, os dois se olhando um nos olhos do outro. Ele tinha medo que ela fugisse dele como na noite passada. Tinha medo de amedronta-la, mas não podia mais conter o que havia em si:

- Eu amo você...! – falou ele, bem baixinho, numa voz suave e rouca. – Eu amo você, Alis...

Alis levantou-se e se afastou dele, encostando-se na parede da sala, mas não saiu correndo, o que era uma conquista para Lucas.

- Está me enganando! – falou Alis, trêmula. Lucas percebeu que ela tentava controlar a própria respiração.

Ele se aproximou, até estar bem juntinho dela. Próximo o suficiente para que ela sentisse seu corpo roçando no dela, mas ela não se afastou. Ele soltou seus cabelos e depois os cheirou fazendo-lhes uma carícia.

- Por favor, Lucas... – falou ela, numa vozinha, fechando os olhos, quando ele começou a beijar seu pescoço. Brade nunca lhe fizera tal carícia. Nunca ninguém havia feito ela sentir o que sentia agora. Tinha medo, um medo insano e ao mesmo tempo, desejava aquele contato.

Ele segurou-a pela cintura e puxou-a levemente para si. A mão dele desceu até a sua cintura e encontrando a borda da camiseta, subiu roçando sua pele, num contato sensual.

- Abrace-me, Alis... – disse Lucas, em seu ouvido. – Se me abraçar, eu saberei que você me quer...

- Lucas, por favor, eu imploro – disse ela, em seu ouvido, sentindo-se amparada por aqueles braços – não me machuque...

Lucas beijou seu rosto acariciando suas costas. Então, de repente, sentiu a leve pressão das mãos de Alis em suas costas. Ela o havia abraçado.

Ele sorriu, olhando para ela, que havia fechado os olhos. Ergueu-a nos braços e suavemente guiou-a até o quarto dele. Onde ela , nem Liz nunca haviam estado. Não queria tê-la na mesma cama que compartilhou com Liz.

No quarto, ele a acomodou sobre a cama e tirou sua camisa. Ela ainda mantinha os olhos fechados e a respiração irregular como se estivesse em transe. Foi então que Lucas percebeu uma mancha roxa no estomago de Alis.

Todo o desejo que havia tomado seu espírito até aquele momento foi imediatamente convertido para ternura. Ele não poderia fazer amor com ela, estando tão machucada. Ela havia implorado isso a ela, que não a machucasse.  Uma promessa que ele havia jurado aos céus.

Então, deitou-se ao lado dela e beijou novamente sua testa.

Ela ficou ali por alguns segundos, de olhos bem fechados, esperando e ansiando pelo toque de Lucas em sua pele, mas o toque nunca veio e ela abriu os olhos.

- Lucas...? – ela falou , olhando-o em seus olhos...

- Você está machucada... – falou ele, com um olhar terno para Alis.

Ela olhou para ele e sorriu.

- Você não vai...

Ele balançou a cabeça.

- Já estou mais do que feliz, simplesmente pelo fato de você ter se entregado para mim, ter confiado em mim. Eu nem consigo imaginar os horrores que você viveu ao lado do seu marido. E sei que isso muda qualquer pessoa, Alis... Eu imaginei que demoraria muito mais tempo para derreter essa autodefesa que você tem em sua alma. O que a fez mudar de ideia?

Alis olhou para Lucas com paixão e dessa vez, foi ela quem se aproximou dele e o beijou nos lábios. 

- Você ficou preocupado comigo depois do que Alex falou. Ninguém se preocupa com outro a não ser que ame essa pessoa... – explicou ela, numa vozinha suave. Mas Lucas percebeu que ela chorava – Eu tenho medo, Lucas. Tenho tanto medo. Durante a minha vida inteira, eu só conheci a dor e a desilusão e acostumei com isso. Eu nunca tive tanto medo de Brade como tive de você ontem. Eu me acostumei a ser machucada por Brade. Mas se você me machucar, Lucas, eu não vou aguentar... Eu não vou aguentar...

Alis tremeu em seus braços e Lucas não sabia o que fazer. Puxou-a para si, tentando passar pelos poros do seu corpo todo o amor que havia em sua alma.

- Eu prometi que não ia te machucar, Alis... – falou ele, abraçando-a com amor. – Eu quero que confie em mim. Eu não vou te machucar, nunca. Eu quero você como minha esposa... quero amar você e ser amado por você. Quero que sejamos feliz, Alis... mas não vou jamais ser um canalha, nunca, eu prometo!

Alis aconchegou-se nos braços de Lucas, e os dois se abraçaram ternamente, como se nada no mundo pudesse separá-los, sem saber que o destino conspirava contra eles...