CAPÍTULO 11
Lucas voltou ao hospital mais devastado do que tinha saído. Na frente da
porta do quarto de Alis, havia dois policiais. O policial Alex Cartumis, o
detetive que ele contatara após o acidente, havia feito o seu trabalho e
providenciado proteção a pobre moça. Depois de cumprimentar os oficiais, Lucas
entrou no quarto. Alis parecia do mesmo jeito que ele a havia deixado. Estava
inconsciente ainda, desde que fizera a cirurgia.
Depois do acidente, Alis foi tratada rapidamente e assim que ambos
chegaram no hospital, trazidos pela ambulância, Lucas foi separado dela. Ele
foi para o setor de Pronto-Socorro receber os primeiros socorros, limpezas e
suturas aqui e ali e uma infinidade de raios-x, ressonância e tomografia
computadorizada. Tudo para saber se não havia nada de errado com ele. Valia a
pena pagar um bom plano de saúde. Mas enquanto ele passava por todo o processo
de atendimento não conseguia parar de pensar na pobre moça. Ela havia ido
direto ao Centro Cirúrgico onde fizeram uma série de intervenções. Ela havia
rompido o estomago e o pulmão, o que causou um pneumotórax. Não havia sequela
mais grave, mas ela tinha dificuldades para respirar. Na mesma cirurgia,
acertaram seu braço esquerdo que havia se partido em três pontos. O cirurgião
ortopedista havia chamado Lucas a essa altura para dizer que seria necessário
retirar já o fixador de titânio que havia nessa área para implantar outro.
O médico pediu autorização para fazer a intervenção com um estranho
olhar para Lucas. Depois da conversa com a Ir. Agatha, ele compreenderia que
era óbvio para um ortopedista que Alis tinha cicatrizes e implantes de titânio
demais para uma mulher da idade dela e que tantas cicatrizes evidenciavam
sinais de maus tratos.
Lucas teve muito medo, principalmente durante a segunda cirurgia, de
perder a pobre garota. Tanto o cirurgião geral quanto o ortopédico avisaram que
a cirurgia era de risco pelo estado em que ela se encontrava. Quando eles
anunciaram que ela havia sobrevivido, Lucas respirou aliviado. Mesmo que ela
estivesse mentindo sobre quem ela era, mesmo que ela fosse uma vigarista, ainda
assim, aquela moça, a ‘falsa Liz’, estava sob seus cuidados quando o acidente
acontecera e se ela morresse, ele jamais se perdoaria.
Apesar da extensão dos problemas médicos de Alis, ela ficou apenas um
dia na UTI e depois foi transferida para o quarto. Ficou dopada o tempo todo.
Lucas solicitou autorização para permanecer no quarto dela como acompanhante e como
seu plano de saúde era mesmo excelente, ele pode ficar todo o tempo com ela.
Havia horas em que ela parecia estar agonizando, tinha dificuldade para
respirar e choramingava. Depois uma enfermeira entrava e dava-lhe mais uma
dosagem de anestésicos.
Só quando ela melhorou um pouco, é que Lucas resolveu visitar a Ir.
Ágatha a fim de coletar mais informações sobre Alis Brade.
Agora que olhava para ela, parecia que parte da cor havia voltado a sua
face, mas ela ainda dormia profundamente, respirando com dificuldade, o
aparelho auxiliando. Depois de ficar alguns minutos observando ela assim, Lucas
sentou-se no sofá ao lado da cama. Não podia esquecer de tudo o que Ir. Agatha
havia lhe dito. Pobre mulher... pobre mulher...
Não conseguia imaginar como alguém poderia ter passado tudo aquilo em
completo silêncio e sabia que havia algo realmente muito errado
psicologicamente com aquela menina deitada ali, lutando para permanecer entre
os vivos apesar da vida de agonia e medo que até agora levara. Claro que qualquer
oportunidade para sair de perto de Brade teria sido agarrada por ela e Liz deve
ter percebido o desespero da menina e aproveitado a situação. Ah, Liz. Esperta
Liz. Confiante, sedutora e extremamente perigosa Liz. Ele dizia isso com uma
certa admiração, apesar de saber que Liz era a versão feminina do diabo na
terra. E Lucas pensava isso com propriedade: havia sido casado com ela durante
três anos.
Liz o levou ao céu com seus jogos sensuais, mais também o levara ao
inferno. E sabia que, por mais que a admirasse, ele não poderia concordar com
certas coisas. O ódio de Liz pelo próprio filho era algo que havia terminado
com qualquer tênue tentativa de Lucas de fazer o casamento dar certo. E agora
aquilo: ela havia trocado de lugar com a pobre moça. Não havia dúvidas de que
Liz estava por trás de tudo aquilo, mas como fazer para expor Liz e inocentar
Alis? Era preciso armar a arapuca e deixar Liz ser presa na própria tramoia. O
problema é que isso representava um grande risco para Alis. Havia conversado
sobre isso com o policial Alex. Meio a contragosto, Lucas contou-lhe tudo o que
sabia: que Alis e Liz haviam trocado de alguma forma. Claro, isso foi antes de
ter sabido da história de vida de Alis, mas já então Lucas havia declarado que
julgava a pobre moça inocente e que duvidava de Liz. Claro, ele não sabia onde
ela estava, mas havia a suspeita de que elas tivessem trocado de identidade e,
enquanto Lucas foi atrás da Ir. Agatha, deixou que o policial Alex investigasse
outras informações a respeito de Alis Brade, nome que Lucas havia escutado do
outro policial que os abordara na Delegacia. A essa altura, Alex já deveria ter
chegado a Amilton Brade. Isso fazia o sangue de Lucas girar. Queria muito poder
ficar cinco minutos com esse tal Brade. Sabia que ele era policial, mas Lucas
tinha treinamento. Apesar de treinar Box apenas por diversão, sabia que poderia
dar uma bela lição no marido de Alis. Era alguém forte que Brade deveria
enfrentar, não uma coisinha miúda e frágil como Alis. Ah, pobre Alis.
Lucas queria poder minimizar o sofrimento da pobre menina, mas não sabia
o que fazer. Tudo o que lhe restava era ficar ali, de acompanhante, zelando a
moça e mais um sofrimento desta fez causado talvez pela própria irmã.
Não, certamente, a moça não era de boa sorte. Cabia a ele, agora, tentar
mudar essa situação.
No horário de visitas da tarde, vieram Dunga e Amélia. Os dois pareciam
abatidos. Não era a primeira vez que estavam no hospital, é claro. Eles haviam
estado durante todo o tempo acompanhando Lucas enquanto Alis estava na cirurgia
e só foram para casa quando Alis foi transferida para o quarto no qual só
poderia ficar um acompanhante.
- Como ela está? – perguntou Dunga, os olhos vermelhos, como os de
alguém que chorou por muito tempo.
- Recuperando-se lentamente, mas os médicos disseram que agora ela está
estável. – falou Lucas, imaginando o que Dunga diria se soubesse que aquela não
é a verdadeira Liz. Ao mesmo tempo, Lucas imaginou que deveria prestar mais
atenção ao cunhado. Ele e Liz eram muito próximos, as vezes próximos demais.
Lucas desconfiava de que os dois pudessem ter algum envolvimento sexual, pois
uma vez flagrou os dois se beijando sensualmente no ateliê de Liz. É claro que
ela disfarçou e disse que gostava de beijar o irmão na boca que era algo da
cultura Eagleton, mas ele jamais flagrou um beijo como aquele entre ela e o pai
ou entre Dunga e Amélia.
Agora que pensava melhor, havia notado que nos últimos dias eles não
estavam mais tão colados. Será que Dunga havia descoberto que Liz não era na
verdade Liz? Como parecia abatido agora, a tendência era acreditar que não e
que ele era inocente na jogada, mas ele poderia estar fingindo. Liz parecia ser
muito boa em fingir, talvez tivesse aprendido com o irmão. Dunga era
homossexual declarado. Liz uma vez lhe disse que o irmão era amante do
prefeito, o que não era algo tão difícil assim de se acreditar. Mas também era
verdade que às vezes Dunga havia dormido com mulheres, geralmente em farras e
orgias que gostava de ficar narrando em momentos familiares o que sempre
desagradou a Lucas, mas parecia alegrar Liz que soltava altas gargalhadas
diante das indiscrições do irmão. Uma vez Liz até o chamara de careta, porque
ele não topava participar desse tipo de situações. Lucas não era careta. Havia
tido muitas mulheres antes de se casar com Liz. Mas perto dos quarenta, sentia
que precisava constituir família. Ele era rico desde os 20 anos. O pai Willian
Trevor havia construído indústrias importantes. Lucas as expandiu e passou a
fornecer seus produtos para o mundo todo. Durante toda a vida, viveu para a
empresa e para o legado Trevor, depois sentiu que precisava de pessoas com as
quais compartilhar seus ganhos. Ele sempre fora amigo de Eagleton que, na
época, seis anos atrás, era prefeito da cidade. Quando viu Liz pela primeira
vez, Lucas decidiu que precisava casar com ela. Foi difícil conquistá-la, mas
no fim, eles haviam se apaixonado – assim pensava Lucas – e se casaram dentro
de poucos meses.
Três difíceis anos que passara ao lado de Liz, cada vez mais envolvido
pelos problemas da família Trevor. Primeiro, o sonhador Eagleton. Um
visionário, certamente, um homem maravilhoso e admirável, infelizmente, sem um
bom senso de negócio. Afundado nas dívidas de seus projetos sociais, Eagleton
procurou resolver seus problemas da pior forma possível: apostando em jogos de
azar e corridas de cavalo.
Antes mesmo de Lucas se casar com Liz, a família Eagleton, uma das mais
tradicionais da cidade, já havia se afundado em dívidas e, em parte, Lucas
sabia que era por isso que Liz havia decidido se casar com ele tão rapidamente.
Lucas passou a sustentar toda a família que perdeu a mansão para o banco.
Eagleton ficou doente, em depressão e levou Amélia também a uma terrível
depressão e foi difícil para Lucas ter que lidar com os dois, tentar animá-los.
Lucas perdeu muito dinheiro com Eagleton e suas dívidas, mas por fim, parecia
que as coisas iria melhorar. Infelizmente, veio o assalto. Lucas estava no
trabalho e Liz e Amélia estavam no cabelereiro. Um grupo invadiu a mansão
Trevor, rendeu Eagleton e Dunga e assaltou a casa. Por fim, mataram Eagleton
sem que ele tivesse resistido e deixaram Dunga vivo. Aquilo sim era estranho,
pensou Lucas na época, mas não poderia imaginar que Liz ou Dunga estivessem por
trás daquilo. Entretanto, parecia haver muitas peças naquele quebra-cabeça
antes que pudesse tirar uma conclusão.
Apesar de tudo, não podia imaginar Dunga por trás daquilo tudo. Ele era
um bom vivant, isso era verdade, mas tinha muito do pai, gostava de Liz e
sempre estava preocupado com a mãe, cuidando dela muito mais do que Liz. Havia
outras peças para encaixar.
A principal peça era a própria Alis ali, numa cama de hospital, fazendo
as vezes de Liz. Se Dunga soubesse que ela não era Liz não estaria chorando.
Mas eram conjecturas que esperava resolver antes que atentassem novamente
contra a vida de Alis.
- Lucas... o que são esses policiais aí fora. Eu achei que você tinha me
dito que Liz fora liberada da cadeia. – perguntou Amélia, tirando Lucas de seu
devaneio.
- E foi... mas ela ainda é suspeita da morte de Eagleton e por isso, os
policiais a estão vigiando. – mentiu Lucas. Depois da longa conversa com o
policial Alex, Alis já não era suspeita. Era essa a desculpa que ele deveria
dar para qualquer um, como haviam combinado. Quem havia atentado contra a vida
de Liz e/ou Alis, precisava acreditar que a situação continuava a mesma, que
Lucas não desconfiava da troca e que ninguém desconfiava de Liz. Por isso,
apesar de sentir muita pena de Amélia e querer tanto lhe contar a verdade,
Lucas foi firme e não disse uma palavra a mais sobre o caso.
Amélia não parecia estar tão abatida quando Dunga e isso era estranho.
Amélia e Liz nunca foram próximas uma da outra, mas nos últimos dias, Alis
havia se aproximado de Amélia. Achou que Amélia sentiria mais o acontecido com
Liz do que Dunga, mas ela parecia distraída.
- Está tudo bem, Amélia! Meu advogado disse que vai ficar tudo bem, você
não precisa se preocupar com Liz, ela via sair dessa acusação. Tenho certeza
que há outra explicação sobre a acusação e assim que Liz voltar... dessa
situação em que se encontra... tudo será explicado.
- Sim, sim, claro... o mais importante agora é a recuperação de Liz.
Amélia e Dunga não ficaram muito tempo e saíram antes que a hora da
visita acabasse e isso foi bom, pois Lucas ficou novamente sozinho com Alis,
tentando organizar os pensamentos. Tentando achar mais peças para aquele quebra
cabeça. Estava recostado na poltrona quando escutou um chiadinho baixinho.
Olhando para Alis, viu que ela balbuciava algo. Lucas se aproximou dela,
colocando o ouvido bem próximo a seus lábios para escutar o que ela dizia:
- Não me machuque, por favor... não me machuque mais...
Lucas foi tomado de compaixão por aquela lamentação. Não que fosse
sensível, mas saber de toda a história de Alis, fazia o estomago de Lucas se
revirar e tentando confortá-la, segurou a mão da pobre moça, fazendo uma leve
pressão nos seus dedos para que ela soubesse que ele estava ali.
- Você está a salvo, querida... – falou ele, bem baixinho para ela,
fazendo pequenos círculos com os dedos sobre a mão de Alis. – Eu não vou deixar
ninguém te machucar...
Como se estivesse escutado, Alis respirou fundo e parou de choramingar,
parecendo entregar-se novamente a doce e neutra inconsciência.