CAPÍTULO 10
- Moça, acorde, moça?
Alis escutou uma voz e forçou seus olhos a se abrirem contra a maravilhosa ideia de permanecer quieta e no escuro confortador da inconsciência. A consciência significava dor, uma dor aguda e agora que esforçava as pálpebras a se abrirem, a onda de dor parecia vir com mais violência, querendo quebrar seu corpo em dois.
Quando por fim, conseguiu abrir totalmente os olhos, ela viu os olhos azuis de Lucas olhando para ela com preocupação e não pode deixar de sentir um certo alívio ao vê-lo bem. Mais ou menos bem. Ele tinha sangue escorrendo no rosto. E um corte profundo no queijo que vertia o sangue que pingava sobre Alis, misturando-se ao seu próprio sangue. Foi então que ela viu. Fincado em alguma parte da sua barriga, um enorme pedaço de vidro, provavelmente da dianteira do carro que havia se espatifado.
- Precisamos sair daqui... – disse Lucas, num tom urgente que, a princípio, Alis não compreendeu, mas depois sentiu um forte cheiro de gasolina e também o barulho de faíscas sendo produzidas em algum lugar dos escombros que um dia foi o esportivo carro de Lucas.
Ele tentava como um desesperado abrir o cinto de segurança de Alis que parecia emperrado enquanto ela tentava desesperadamente manter a consciência.
- Droga... droga... inferno...
Era a primeira vez que Alis se lembrava de ter visto Lucas falando palavrão e teve a súbita vontade de rir.
Uma onda de dor a atacou novamente. Ela, inadvertidamente, havia tentado
mover o braço, para tentar ajudar Lucas. Essa dor Alis meio que conhecia. Havia
quebrado aquele mesmo braço esquerdo havia três vezes. Bom, na verdade, ela
não. Brade.
Uma pequena labareda acendeu-se sozinha sobre o capô no carro. Apesar de não estar virado para fora, Lucas sabia o que aquilo significava: que ele tinha poucos segundos para retirar Alis do lugar. Tomado de assalto pelo medo, fez o que fez sem pensar direito: arrancou da barriga de Alis o vidro de uma só vez, sem aviso, sem pedidos de desculpas pela dor avassaladora que causou na “falsa Liz” e usando o objeto passou a atacar o cinto de segurança num vai e vem frenético. As gotas de suor no rosto misturam-se ao sangue que escorria pelo queixo. Pingavam sobre a mão de Lucas agora cortada com o vidro que ele usava para desprender Alis. Ela não gritou. Aprendeu durante a vida a controlar a dor, a sofrer calada e o fez de novo. Se fosse morrer, morreria calada, mas não queria morrer e a dor era tão forte, agora que Lucas havia retirado o vidro de sua barriga, que não podia deixar de chorar.
- Está quase! – falou Lucas, desesperado na sua tarefa enquanto a labareda no lado de fora aumentava.
De repente, o cinto se partiu e tão rápido quanto pôde, Lucas agarrou Alis no colo e saiu com ela do carro, correndo o mais rápido possível para longe quando uma grande explosão arremessou o carro quase dois metros para cima, capotando-o.
Uma onda de calor atingiu os dois e Lucas abaixou-se, apoiando Alis no chão, mas protegendo-a com as costas enquanto destroços voavam para todo lado.
- Liz...? Você está bem? – perguntou Lucas, olhando com preocupação para Alis. Alis sentia que estava prestes a perder a consciência, mas uma nova onda de dor alertou-a e ela se agarrou em Lucas, enterrando-se no peito do marido da sua irmã.
- Ir. Ágatha... – balbuciou Alis, atormentada com o medo de que pudesse falecer, que não resistisse como de tantas outras vezes em que ficara machucada. – Se eu morrer...
- Você não vai morrer... eu já liguei para a emergência – falou Lucas, com um tom de voz suave, tentando em vão acalmá-la.
- Mas... se acontecer... avise a irmã Agatha, Lucas... por favor... ela é única família que tenho... avise a irmã...
Alis pendeu a cabeça desmaiando de novo nos braços de Lucas que observava a pobre moça com carinho. Ela estava muito mal e temia que o corte da barriga tivesse atingido algum órgão vital. Era uma moça sem sorte aquela. Primeiro fora acusada da morte de Eagleton e agora, um acidente...?
Lucas olhou para cima, para a estrada de onde o carro caíra. Não havia sinais de ninguém. Quem bateu em seu carro havia desaparecido, ou pelo menos, deveria estar olhando para baixo se tivesse boas intenções.
Não, não fora um acidente. Era claro, agora que se lembrava de tudo. A
velocidade, a guinada na direção do carona. Aquele acidente tinha apenas um
alvo: a ‘falsa Liz’. Se ele tivesse morrido seria apenas um dano colateral e
tudo aquilo era muito misterioso. Teria algo a ver com a morte de Eagleton?
Teria algo a ver com a troca de Liz pela pobre moça? De uma coisa tinha certeza
agora: a menina em seus braços, que tinha o rosto de Liz, era apenas uma
inocente vítima e um alvo. E pensando nisso, algumas coisas se encaixavam.
Lucas escutou o barulho de sirenes se aproximando. A ajuda estava a caminho.
Precisava ajudar a pobre menina e tentar protegê-la de alguma forma, mas
estava sendo perigoso fazer isso sozinho. Então enfiou a mão no bolso e tirou o
celular e um pequeno cartão. Era o cartão de um dos policiais, aquele mais corajoso
que havia prendido Liz. No cartão estava escrito: Alex Cartumis, Divisão de
Homicídios. Precisava de um aliado, e
rápido. Antes que fosse tarde demais.
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Lucas encostou o Mercedes cinza escuro (seu carro reserva) do outro lado
da rua e espiou o enorme asilo que era ligado ao convento da cidade. Não foi
difícil descobrir que Ir. Ágatha era quem dirigia o local, nem foi difícil
descobri-la, afinal, a madre superiora era muito conhecida na cidade.
Contudo, agora que estava ali, não sabia exatamente como agir. De
qualquer forma, saiu do carro, atravessou a rua e entrou pelo portão da frente
até a Secretaria ou Recepção do lugar. Havia duas irmãs que cantarolavam hinos
da igreja quanto ele entrou e pigarreou para chamar a atenção delas.
- Posso ajudar? – disse uma delas.
- Sim, gostaria de ver a irmã Ágatha.- respondeu ele, firme e decidido.
- Ah, sinto muito, senhor. A irmã Ágatha só atende o público das onze às duas da tarde. – respondeu a irmãzinha.
Lucas deu uma breve olhada no relógio que marcava quase quatro horas.
- É muito importante que eu a veja – falou ele, num tom melindroso. – É
sobre o acidente de ... de Alis Brade...! – falou Lucas, esperando ver alguma
comoção.
-Ah, meu Deus... – suspirou a irmãzinha com os olhos marejados. – O que
aquele monstro do marido dela fez dessa vez com a pobrezinha.
Lucas arqueou uma sobrancelha. Marido? Alis era casada. Sim, claro, o
policial que os abordara na Delegacia havia falado algo do gênero. Que Alis
devia ter cuidado para que o marido não a descobrisse ali. Sim. Alis era casada
e pelo jeito, o marido parecia alguém que despertava medo.
- Ah... não. – respondeu Lucas, curioso para perguntar mais coisas.
Entretanto, era melhor ir a fonte. Era com irmã Agatha que esperava falar. –
Foi um acidente de carro, mas gostaria muito de poder contar pessoalmente. Alis
me pediu para encontrar Agatha. Sou um amigo da família – adicionou antes que
ela perguntasse.
A irmã pareceu pensar por uns instantes – vou ver o que posso fazer –
respondeu ela, então, saindo por um corredor, deixando Lucas sozinho com a
outra irmã.
- Eu sou nova aqui – falou ela, tentando ser simpática e agradável – Não
conheço a Alis, mas as irmãs falam bem dela. Dizem que tem uma voz de anjo e
adora crianças.
- Moço... por aqui – Disse a outra irmã, antes que ele pudesse responder
algo a simpática irmã. Mas aquela descrição de uma ‘voz de anjo’ e devoção por
crianças encaixava-se perfeitamente na ‘falsa Liz’.
Lucas foi conduzido por um longo corredor até chegar a uma sala em que
uma outra irmã, essa bem mais velha, sentava-se do outro lado de uma
escrivaninha.
- Vou deixá-los a sós – disse a irmã que o conduzira, fechando a porta
atrás dele. Depois disso, Lucas deu dois passos e sentou-se numa poltrona em
frente a suposta irmã Agatha.
- Ir. Clarissa disse que Alis Brade sofreu um acidente? Ela está bem?
Onde está ela?
- Está no hospital, irmã Agatha. –respondeu Lucas, ansioso para ir
direto ao ponto – Ela está bem. Muito machucada, passou por uma cirurgia, mas
ficará bem. Mas não vim aqui apenas para avisá-la do acidente.
O cenho da religiosa franziu-se em curiosidade – Como assim? Para que
veio então..?
- Eu vim para saber quem é Alis Brade. Afinal, segundo ela mesma disse,
a senhora é a única família que ela tem.
- Sim, ela é como uma filha pra mim, pobrezinha. Mas não estou
entendendo...? Eu sei quem é o senhor. É Lucas Trevor, dono das indústrias
Trevor. Que eu saiba, o senhor não tem nada a ver com Alis. Então, porque
precisa saber quem é ela?
- Alis Brade tem se passado por minha mulher: Liz Eagleton-Trevor na
última semana, Ir. Agatha. O problema é e alguém está seriamente tramando contra a
vida dela. Então preciso que me ajude, se gosta de Alis, você precisa me
ajudar.
Lucas contou toda a história para a irmã. Disse que desconfiava da ‘falsa
Liz’ desde o início com o comportamento diferente da verdadeira Liz que era
segura, autoconfiante, mas também manipuladora, sarcástica e muitas vezes cruel
quando queria.
Irmã Agatha escutou a tudo atônita, hora acreditando, ora duvidando de
tudo aquilo.
- Acho difícil de acreditar no que o senhor está me dizendo. Alis é uma
mulher muito certinha. Certinha até de mais, pobrezinha. Tem um marido que é
difícil de aturar. Eu já tentei ajudá-la, mas a pobrezinha morre de medo dele
pois ele é um policial. Eu não acho que ela teria coragem fazer algo assim. Não
a Alis.
- Como assim, Irmã? Eu penso que Liz deva ter oferecido muito dinheiro a
Alis para que ela possa se passar por Liz. Com certeza Alis faria algo assim se
precisasse de dinheiro, não? –perguntou ele, tentando compreender sua falsa
esposa um pouco melhor.
- É aí que se engana, Sr. Trevor. Não que esteja suspeitando da sua
história. Com certeza o senhor parece estar sendo sincero, mas Alis jamais
seria capaz de fazer isso. Ela... ela tem problemas... não consegue enfrentar
ninguém, nenhuma... nenhuma figura de autoridade. O senhor parece muito... bem,
como dizer, alguém que gosta das coisas do seu jeito. Diante do senhor, a Alis
que conheço iria fraquejar e contar toda a verdade.
Lucas não pode deixar de lembrar que quando a pressionou, ela chegou a
desmaiar nos seus braços, como uma pessoa frágil que irmã Agatha agora
descrevia. E contou o episódio a religiosa.
- Bem. Sim. Sim. Parece-me com ela. Mas ela não faria algo assim por
dinheiro. Por dinheiro nunca. Ela tem princípios. É uma mulher problemática,
Sr. Trevor. Sofreu muito na vida, a pobrezinha, mas tem princípios.
- Talvez por um outro motivo, então, Irmã, por favor me ajuda, o que
poderia ter levado Alis a fazer algo assim?
A irmã pensou por alguns segundos e depois levantou-se olhou pela janela
lá para fora onde as crianças brincavam num parquinho.
- Bem... não sei... não sei direito mas... – começou a irmã e depois
voltou ao lugar, como se tivesse lembrado de algo importante – Eu sei que Alis
tem uma irmã. É gêmea. Uma vez contei a ela sobre isso. A irmã dela foi
adotada, mas não consegui descobri por quem. Perderam os registros. Fico
imaginando se sua esposa, a verdadeira Liz, não poderia ser a tal irmã gêmea
desaparecida?
Lucas ficou maravilhado com a informação. Sim, deveria ser isso. Ela era muito parecida com Liz para ser somente uma atriz contratada para se passar por ela.
- Ela faria alguma coisa assim se sua irmã gêmea lhe pedisse. Isso tenho
certeza. – falou Irmã Agatha. – E onde está a sua esposa, Sr. Trevor. Onde está
a Sra. Liz?
Lucas não sabia. Não poderia saber. Mas tinha a desconfiança de que
poderia ser Liz Trevor naquele carro que os atingira. Tinha a impressão de que
poderia ser Liz quem havia assassinado o próprio pai e agora tentava incriminar
Alis Brade para que fosse presa em seu lugar. Se Alis falecesse naquele
acidente, então, Liz estaria livre para sempre da acusação que poderia
prendê-la por muitos anos se houvesse mesmo a tal testemunha ligando Liz como mandante
do crime. Por isso, Lucas contou a irmã também sobre o assassinato de Eagleton
e da acusação a Liz Trevor.
- Eu não sei, irmã... – respondeu Lucas, no final do seu breve monólogo.
– Mas algo me diz que é minha esposa quem está por trás de tudo. E temo pela
vida de Alis.
- Oh, Deus. – suspirou a irmã Agatha, percebendo toda a situação – Fico
feliz de que, pelo menos, o senhor acredita na inocência de Alis, Sr. Trevor.
Eu posso lhe garantir que Alis é uma das melhores pessoas que já conheci em
toda a minha vida.
- Mas a senhora disse que ela tem problemas... – falou Lucas, curioso
para saber mais sobre a tal Alis.
- Bem, não sei se deveria estar comentando isso, mas espero que isso
possa ajudar a convencê-lo de que Alis só pode ser uma vítima nessa história
toda: Alis nasceu para ser uma vítima e temo que o será por toda a vida.
- Como assim? – perguntou ele, tomado pela curiosidade.
- Ela sempre foi tão sonhadora, tão feliz, tão cheia de vida enquanto
era uma criança. Um casal interessou-se por ela e a pobrezinha encantou-se:
queria uma família.
- É o que quer a maioria das crianças abandonadas, não? – perguntou ele, quase entendendo de antemão o que poderia ter acontecido.
- Bem, o caso é que o casal tentou adotá-la por quase um ano. Eu achei que ela seria feliz tendo a família que sempre quis, mas o homem que a adotou revelou ser um verdadeiro monstro. Estuprava-a e torturava-a com frequência, durante dois anos, mas ela ficou calada o tempo todo. Sua sorte foi uma assistente social que percebeu manchas roxas na sua perna, entre as cochas.
- Ah, meu Deus. – falou Lucas, enojado. Aquilo parecia uma novela, coisa distante. Assistia a casos frequentes de crianças que sofriam abuso, mas nunca havia conhecido ninguém que verdadeiramente havia passado por algo assim. Aquilo explicava muito do comportamento de Alis que parecia tão frágil, prestes a desabar ante qualquer olhar mais duro.
- Ela voltou com problemas sérios. Não falava, ficava o tempo todo quieta. Eu levei-a ao medico, psicólogo, fonoaudiólogo e nada. Mas então, um dos meninos mais velhos começou a fazer amizade com ela. Eles andavam juntos para todo o lado e Alis voltou a ser um pouco do jeito que era antes de toda aquela sujeirada com ela ter acontecido. Eu me senti muito culpada pelo que aconteceu com ela, e tentei ajudá-la de todas as formas possíveis. Ela estudou, fez faculdade, passou a trabalhar como professora enquanto namorava Amilton.
– Amilton Brade? – perguntou Lucas e a irmã balançou a cabeça
positivamente.
- Não que ele tenha sido um menino ruim. Não foi. Ele era bom, no
início. Foi bom para ela durante muito tempo, sabe? Mas ele entrou pra polícia.
Viu umas coisas que o abalaram. Nem todo o mundo tem perfil para ser policial,
não é? E também, a mãe dele foi assassinada quando ele tinha seis anos. Ele
assistiu a tudo. O pai que matou e depois se matou. Acho que isso o marcou. Eu
não sei direito. Só o que sei é que as vezes Amilton é bom, e as vezes ele é o
próprio demônio. O problema é que Alis já estava com problemas, muito dependente
dele. Não consegue enfrentá-lo, não consegue enfrentar a situação e tem o fato
de ele ser policial. A pobrezinha está sempre entre a cruz e a espada e eu não
sei o que fazer para ajudá-la.
- Por que não o denuncia? – falou Lucas, não acreditando que a moça
poderia ser uma vítima daquela forma duas vezes na vida sem lutar para se
libertar.
- Não é assim que funciona. Alis é de maior. É ela quem precisa fazer isso. E ela até já tentou. Foi na delegacia, prestou queixa e tudo, mas uns policiais sacanas a pressionaram e ela voltou atrás, com medo. Brade ficou tão furioso que a prendeu na cama com algemas por quase um mês.
- Eu não acredito. Não consigo acreditar. Ninguém fez nada? – perguntou
Lucas, sentindo um misto de raiva com injustiça crescer no próprio peito.
- Ela faltou no trabalho. A diretora da escola onde Alis trabalha ligou
pra casa dela e depois ligou pra mim. Ela também sabia da situação de Alis. Nós
duas nos encontramos e fomos até a casa de Alis. Nós invadimos a casa pela
janela dos fundos. Ela estava lá na cama, algemada, desmaiada, nua e cheia de
hematomas pelo corpo, sem comer ou beber sei lá a quanto dias. Deus... até hoje
fico arrepiada com o que vi naquele dia.
- E o que vocês fizeram?
- Nós chamamos a polícia, é claro. Vieram quatro policiais e nos expulsaram da casa, ameaçaram eu e a Ana Maria, a diretora da escola de Alis. Chegaram a dar um chute na Ana quando nós dissemos que não íamos sair dali. Fomos obrigadas a deixar a pobrezinha naquele estado, mas quando eu e a Ana estávamos planejando ir na polícia da cidade vizinha, Alis nos deu um telefonema. Disse que estava melhor, que Brade a tinha libertado. Ela implorou para que nós não fizéssemos mais nada. Que aquilo só ia piorar a situação dela. Brigou com a gente, disse para deixá-la em paz. Depois disso ela ficou quase três meses sem aparecer aqui, sabe. Eu não sabia o que fazer. Ligava, passava na frente da casa dela, pedia para a Ana Maria dar uma olhada nela na escola. Ela veio voltando aos poucos, depois. Eu perguntava como as coisas andavam e ela sempre me dizendo que estava tudo bem. Que as coisas estavam melhores.
- E estavam?
- Claro que não, Sr. Trevor. Manchas roxas surgindo pelo corpo. Num dia, ela chegava mancando. No outro, vomitava sangue. No outro, um corte horrível na cabeça. Sempre a mesma história. Que estava tudo bem. Que não me preocupasse. E se insistia para ela ir ao hospital ou procurar ajuda ela sumia um mês. Daí parei de tentar.
- Não dá pra acreditar numa coisa dessas. Não dá pra acreditar que uma mulher passe por uma coisa assim nos dias de hoje. Simplesmente não dá. – falou Lucas, revoltado.
- Ah, Sr. Trevor. – falou a irmã, meneando a cabeça – Há muitas mulheres
que passam o inferno na terra nas mãos de seus maridos. Muitas delas tem
vergonha de admitir que são torturadas, outras tem medo. No caso de Alis, acho
que o padrasto dela quebrou algo dentro dela. Fez ela ser assim, submissa.
Brade só soube aproveitar. E se estou lhe contando isso, Sr. Trevor, é porque
espero que o senhor possa fazer algo por ela. Eu sei quem o senhor é. Sempre
escuto os noticiários. Sei que o senhor comanda a sua empresa com mão de ferro
e é criticado por ser tão autoritário, mas também conheço muitos funcionários
seus que admiram o senhor. Dizem que é um homem justo. Eu quero acreditar que
Deus finalmente tenha visto tudo o que essa menina tem passado e que o tenha
colocado na vida da pobre Alis para que o Senhor a proteja. É seu dever, agora
que sabe de toda a história. Vai ajudá-la, não vai? – disse a irmã, encarando-o
com um olhar inquiridor.
- Sim, claro, irmã Agatha. Tenha a certeza absoluta de que farei tudo para mantê-la a salvo do psicopata do marido dela e da minha esposa também, caso ela esteja por trás disso tudo, e obrigada por ter confiado em mim com essas... essas informações.
- Ótimo... agora me diga onde Alis está... – falou a irmã, levantando-se, pegando as chaves de um carro sobre a mesa. – Preciso vê-la. Tenho certeza de que ela precisa de mim agora.
- Irmã... também tenho certeza de que Alis ficaria muito feliz em vê-la. Ela sussurrou o seu nome depois do acidente, mas acho que o melhor agora é deixá-la no papel que está vivendo antes de sabermos mais sobre o que está acontecendo.
- Mas... bem, agora que o senhor descobriu, eu achei que...
- Irmã... precisamos pegar o responsável pelo acidente (ou a
responsável). E se ela souber que eu sei de toda a verdade, temo que não será
capaz de continuar com o papel, se conheço um pouquinho de Alis.
- Mas não é perigoso? Se alguém está tentando matá-la... – falou irmã Agatha.
- Sim, é, sim. Mas tenho pessoas que estão cuidando da proteção de Alis. E por agora, é preciso que ela continue sendo Liz Eagleton Trevor. Até tudo isso acabar, Irmã... é só até todo esse pesadelo acabar...