sexta-feira, 14 de março de 2014

Alta Tensão - Capítulo 10



DÉCIMO CAPÍTULO

(A CENA É NARRADA POR FIDEL)

     Senti-me a própria gata borralheira. Fui humilhado por aquele homem mentiroso que se esconde dentro de um armário imundo. Limpei cada centímetro da sujeira que ele fez, porém sabia que quando acabasse eu não poderia sair.
     Por mais que eu achasse Wagner atraente, pensei muito e veio à minha cabeça a questão: será que valia a pena ser tratado feito lixo?
     Nos dez anos em que trabalhei naquela mansão, aguentei de tudo, dos comentários às atitudes xucras daqueles dois. Mas aquilo foi o fim da picada. Eu não sou nenhuma escrava, meu bem. Se acham que eu iria esperar a fada madrinha aparecer, enganaram-se.
     ― Pai, o que aconteceu? Por que está chorando? – Analú agachou-se para ficar na mesma altura em que eu estava.
     ― Eu quero ir embora. Não vou trabalhar aqui. Vou pedir demissão. É isso o que eu vou fazer. – Levantei-me e enxuguei as lágrimas.
     ― Pai, o senhor vai nesse show.
     ― E vou mesmo. Ta pra nascer homem que vai mandar em mim.
***
     Fidel não era o mesmo sem aquele sorriso. Era um sorriso de superação, que foi sofrido para ser conquistado. Ele não deixaria que ninguém o escravizasse.
     Ele mudaria totalmente. Colocaria uma roupa provocante, diferente das suas. Tornar-se-ia mulher. Pelo menos naquela noite.
     Fazia muito tempo que ele não usava aqueles adereços. A peruca loira estava estranha, e o salto alto parecia não ser mais seu amigo. Mas amizade é algo que tem que ser conquistado. Reconquistado no caso.
     ― (com voz grossa) To pronto. — Fidel pigarreia — (com voz fina) Quer dizer... To pronta.
     ― Pai... Você ta diferente! – exclamou Analú.
     E realmente estava. Fidel estava vestido de mulher, relembrando os velhos tempos de Drag Queen, os quais saía escondido de casa para fazer shows em boates, quando era casado com a mãe de Analú.
     ― Hoje Stefanie Raio Laser vai divar no show da J-Lo!
***

     O pouco dinheiro que tinha, gastou com o táxi. Tudo isso para chegar com classe. Apresentou o suado ingresso na bilheteria, mas antes de entregá-lo, deu-lhe um beijo.
     O ingresso era para a pista; logo um cara interessou-se por ele e o tirou para dançar. A música da vez era cantada com Ivete Sangalo.
     ― Por que você não vem comigo pra área VIP, hein gatinha?
     O cara que tirou Fidel para dançar mal sabia que se tratava de um homem. Ora, se você não o conhecesse, também o confundiria. Mesmo com a idade, Fidel tinha um corpo que deixaria qualquer mulher no chinelo.
     ― Claro que aceito. – Fidel aceitou, porém apenas por que sabia que o seu patrão estava no show com o seu motorista, curtindo. Fidel queria apenas dar o flagra.

***

     Agora Fidel tinha acesso à área VIP do show. Logo ele tratou de despistar o pretendente e ir em busca de Wagner e Ugo. Logo ele os avistou. Wagner parecia ter abandonado sua faceta séria, de pessoa doente e estava dando um sorriso que não era de maldade, e sim de diversão. Alguns homens sem camisa o rodeavam, de modo que estavam dançando sensualmente, provavelmente sendo pagos para aquilo e também para ficarem de bico calado.
     Ugo, mais sério estava apenas encostado na parede tomando um drink.
     Fidel aproximou-se da cadeira de Wagner e abaixou-se. Deixou que os cabelos loiros artificiais caíssem por cima dos ombros do homem.
     ― Não tá vendo o meu estado, moça? Hoje não tem programa. E acho que nem nunca na minha vida. – disse Wagner.
     ― E quem disse que eu to em busca de programa? – Fidel força a cabeça de Wagner com as duas mãos, de modo que o faz olhar fixamente para o seu rosto.
     ― Hã? Fidel? – Wagner muda sua expressão completamente.
     Um paparazzo acaba se infiltrando na área VIP e tirando fotos das cenas.

***



     Bruno nem sente mais a dor do ferimento causado por Wagner na sua testa. Só pensa na bela moça que sentira pena dele.
     Ele está hospedado no minúsculo apartamento do seu amigo Calebe, mas foi bem recebido.
     Bruno pega uma cerveja na geladeira. Enquanto a abre, um flashback do acontecido mais cedo vem à sua cabeça:
(Flashback)
― Desculpe, Não tenho celular. Fui assaltada hoje cedo. Mas se você quiser me encontrar, eu vou estar aqui.
― Sempre?
― Sempre.
― Mais uma vez obrigado então, Ingrid.
O Flashback se interrompe com o beijo de Bruno no rosto de Ingrid.

***

Enquanto isso, o barraco continua no show da J-Lo.
     ― (voz fina) Sou eu mesmo, patrãozinho. Quer dizer... Agora meu nome é Stefanie. Gostou do flagra? Descobri o segredinho de vocês dois. SUAS BICHAS ENRUSTIDAS!
     Ugo cerra os punhos e sem mais, parte para cima de Fidel (no caso, Stefanie). Ela, por sua vez, desvia o soco e diz:
     ― (voz fina) Vai bater em mulher agora? Covarde! – Fidel tira a peruca e o salto. — (voz grossa) Quero ver você bater em um homem, italiano filho da puta!
     Fidel dá um soco em Ugo, que o faz cair no chão.



     ― Nem precisa abrir a boca pra dizer que eu estou demitido, Wagner. – Fidel o encara. – EU me demito.
Fidel sai e deixa Wagner sem palavras. Ugo tenta recompor-se levanta-se.
     ― E agora, Wagner?
     ― Agora a gente vai ficar sem mordomo e sem empregada. Mas não tem problema. A gente chama uma faxineira lá da Flash e... Vive de comida delivery. O que acha? Seremos apenas nós dois naquela enorme mansão.
Ugo sente náuseas e prende o vômito.
***
     Fidel chega à mansão pronto para mandar Analú arrumar as coisas, porém  estranha, pois é muito tarde e as luzes estão ligadas. Sua filha não costuma ficar acordada até altas horas.
     O agora ex-mordomo dos Peregrini entra no quarto que divide com a filha e a vê desmaiada no chão.
     ― Analú? Analú, minha filha? Filha acorda!
     Analú não reage. Fidel sente que a pulsação da filha está fraca. Mesmo desesperado, consegue correr até o telefone e chamar uma ambulância.
***



     Finalmente chega o dia, e amanhece ao som de Lobão – Decadence Avec Elegance. Domingo de sol na grande Fortaleza. Alegria para muitos e tristeza para outros. A mansão de Wagner Peregrini nunca esteve tão vazia. O homem nota que Fidel e Analú foram embora, mas não levaram suas coisas.
     ― O que a gente faz com as coisas deles então? – Pergunta Ugo.
     ― Taca fogo. – Wagner acende um charuto.
     ― Senhor Wagner, não fume. Está doente.
     ― Mas não tô morto. Taca fogo nos farrapos do Fidel e da filha dele. Ah, e depois pede um japonês.
A campainha toca.
     ― Vou lá atender.
     ― Deixa tocar. Deve ser as testemunhas de Jeová.
     A campainha insiste. A pessoa deve estar bastante desesperada. Wagner muda de ideia.
     ― Vai ver quem é. Vai Ugo!
     Ugo dá um muxoxo e sai. Pouco tempo depois, Fidel entra na sala. Sua expressão é de arrependimento.
     ― Voltou Fidel? Ou quer dizer... Stefanie? — diz Wagner, sarcástico.
***
     Bruno acorda tarde. Passara a noite tomando cerveja. Vê que o seu amigo Calebe (que também é paparazzo) mexe no computador.
     ― Eu fui dormir tarde, mas você chegou tarde também, hein Calebe. Tava na gandaia hein!
     ― Gandaia nada, meu amigo. Fui trabalhar. Olha o presentinho que eu descolei pra você.
     Calebe mostra na tela do PC fotos de Wagner em meio aos GoGo Boys, discutindo com um travesti (Fidel) e fazendo tudo o que se possa imaginar na festa.
     ― Isso... Isso é um tesouro, Calebe! O que você vai fazer com isso?
     ― Vou vender pra uma revista concorrente da Flash. Vou ganhar uma grana.
***
     ― Me desculpa doutor. Mas... Mas só o senhor pode me ajudar. – diz Fidel.
     ― Eu? A bicha enrustida? No que posso ser útil?
     Fidel se ajoelha e pousa sua cabeça nos joelhos de Wagner, que está sentado na cadeira de rodas. O ex-mordomo começa a chorar.
     ― Me ajuda doutor! A Analú, ela tá entre a vida e a morte! Ela ta com um tumor no coração e precisa fazer uma cirurgia.
Wagner empurra Fidel no chão.
     ― E eu com isso?
     ― A cirurgia custa vinte mil reais. Me ajuda! Me ajuda!
     ― Não. Você vai pagar caro pelo que me fez ontem. Quem sabe a vida da sua filha seja um bom custo...
     ― Eu faço o que o senhor quiser, mas é a vida da minha filha que ta em jogo. Ela não tem culpa.
     ― Não? Então pede com jeitinho.
     ― Como?
     — Beija os meus pés.
Fidel nem pensa, beija os sapatos de Wagner.
     ― Tira os sapatos. Eu quero que você BEIJE OS MEUS PÉS!
Fidel faz o que foi ordenado.
     ― Bom garoto. Sua cachorra. Cachorra! Agora implora o meu perdão.
     ― Perdão. Perdão! — Fidel chora de joelhos. — Se o senhor me emprestar esse dinheiro eu posso trabalhar aqui até quitar a dívida.
     Wagner aceita o acordo. Ao meio dia, Analú entra na sala de cirurgia.
***
     O primeiro dia de trabalho de Cidinha e Ingrid é cansativo. Porém, sabem que aquela é uma oportunidade única.
     ― Com o dinheiro desse mês a gente já pode alugar uma casinha. – diz Ingrid, limpando uma vidraça.
     ― Fato. Ainda bem que a sua mãe adotiva deixou a gente ficar lá por uns tempos. Mas amiga, a gente tem que trabalhar logo num domingo?
     ― Deixa de corpo mole. Agora limpa essa vidraça aí que ta toda manchada.
     Finalmente o horário do almoço. Cidinha fica no refeitório enquanto Ingrid, que está sem fome resolve sair do prédio para tomar um ar. Duas mãos tapam os seus olhos. Ela tenta adivinhar, mas não consegue.
     ― Quem é?
     As mãos soltam o rosto da mulher. Ela vira e surpreende-se ao ver Bruno.
     ― Você?
     ― Sim, sou eu.
Bruno repara na roupa de Ingrid.
     ― Espera aí. Você não disse que era secretária? O que tá fazendo com roupa de faxineira?
     Ingrid se assusta e corre, atravessando a avenida sem olhar. Um gol de cor preta a atropela. Ingrid rola a avenida e cai inconsciente.



COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE -  MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
© 2014 - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS