sexta-feira, 7 de março de 2014

Alta Tensão - Capítulo 07



SÉTIMO CAPÍTULO



     Bruno olha a conta, acha um absurdo aquela quantia por um mísero café, mas sem pestanejar paga e sai.
     Os outdoors estão espalhados pela Cidade Luz, a bela e graciosa Paris. Eles anunciam a nova coleção da mais nova e talentosa estilista de todos os tempos: Alessandra Saboya.
     Quem vê a foto daquela mulher bem resolvida, rica e casada com um jogador de basquete famosíssimo, não sabe do seu passado, das marcas que ficaram no seu coração, causadas pelo seu pai. Que ela teve de fugir de um convento e se envolver com pessoas estranhas que, por sorte, eram de confiança para chegar aonde chegou.
     Bruno aproxima-se do grande portão da casa da estilista. A campainha soa, mas nenhuma alma atende.  Uma mulher, provavelmente governanta, surge na porta de entrada da casa. O francês de Bruno é péssimo, mas ele tem de arriscar tudo e usar o que tem apenas por uma exclusiva com Alessandra.
     ―  Excusez-moi, Mademoiselle Alessandra est? (Com licença, a senhorita Alessandra está?) — pergunta ele.
     ―  Je vais voir si elle peut répondre. Qui est-ce? (Verei se ela pode atender. De quem se trata?).
     Bruno acha melhor mentir. Dizer que ele não representava nenhuma revista seria demais. Com certeza Alessandra não responderia, não lhe daria a mínima.
     ― De travail pour le Flash Magazine au Brésil. (Trabalho para a revista Flash no Brasil.)
     Que tipo de paparazzo era aquele? Ele não sabia que a revista Flash era de Wagner Peregrini, pai de Alessandra Saboya, que não suportaria ver o progenitor nem sequer pintado de ouro? Mas, para a surpresa de você, leitor, ela o deixou entrar para que Bruno pudesse dar a entrevista.
***
     Alessandra está de costas no seu escritório, mas quando Bruno entra, vê a sombra do paparazzo se formar a sua frente.
     ― Surpreende-me muito meu pai ter enviado alguém aqui. Isso é típico dele, fazer das outras pessoas suas marionetes. — ela vira. — Então, o que meu pai quer?
     Bruno finalmente toca-se de que usara o nome da revista Flash, de Wagner Peregrini, para conseguir a entrevista. Recorda-se dos diversos atritos entre o pai e os filhos.
     ― Desculpe senhora. Essa entrevista é extremamente profissional.
     ― Eu não preciso dar entrevistas à Flash. Não há nada de novidades que meu pai... Que o Wagner não saiba da minha vida.
     ― Por favor, eu só queria...
     Alessandra o interrompe:
     ― O que ele vai colocar lá na revista? De que abusa sexualmente de menores de idade? De que maltratou os filhos logo que a nossa mãe morreu?  Mamãe se matou por causa dele, senhor...
     ― Bruno Valente.
     ― Bruno. Então? Ele vai contar isso? Que por causa desse monstro, eu quase arrisquei minha vida? — Alessandra excede-se, mas se dá conta de que está descontando suas mágoas no pobre “jornalista”. — Me perdoe. Eu me excedi.
     ― Tudo bem. — Bruno fica espantado com as tais revelações, mas sua entrevista não poderia ser mais produtiva. — Acho melhor eu me retirar. Desculpe o incômodo.
     Assim que Bruno sai, as lembranças da sofrida e amarga juventude vêm à cabeça de Alessandra. Ela acaba desabando em lágrimas, sentada no chão frio de sua casa.
     Bruno pensa enquanto anda de bicicleta pelas ruas de Paris:
“Agora eu consegui um verdadeiro furo! Wagner Peregrini que me aguarde. Agora eu sinto que eu preciso voltar para o Brasil”.
     O paparazzo puxa o celular do bolso e liga para o seu amigo Calebe:
     ― Alô Calebe? Se prepara que eu tô voltando pra minha terrinha amada!
***
     Fidel aproveitou de que não há ninguém em casa, a não ser ele e sua filha Analú, que está dando um duro na cozinha para fazer o jantar. Ele está muito bem deitado no grande sofá da sala, assistindo sua novela das 8 no telão.
     ― Ai, esse Robervaldo... As mina pira! Quer dizer, as bicha pira! – suspira para um dos galãs da novela.
     ― Pai! Pai sai daí! Vai que o Ugo ou o Wagner chegam? O senhor vai se lascar todinho! – Analú o repreende.
     ― Ninguém vai chegar agora não. Agora me deixa assistir a novela. Gatinha, tá pegando fogo!
     ― Papai, papai. Eu to avisando. Depois não reclama. Vem me ajudar aqui no jantar. Vai dar 9 da noite e eu não fiz quase nada ainda!
     ― Aff! Parece a minha mãe! Mas sou dono do meu próprio nariz, ok filha? — Fidel levanta-se do sofá. ― Analú, queridinha, como diria a deusa Cyndi Lauper, “Girls Just Wanna Have fun”! Uhu!
     A campainha toca, mas Fidel deita-se novamente no sofá.
     ― Vai lá atender filhinha querida do coração.
     ― Pai, o senhor não tem preguiça.
     ― Não?
     ― Tem uma doença!
     Analú vai até o portão da mansão. Ela vê Alex, o filho mais novo de Wagner (agora um homem de 26 anos). Ele carrega um violão e suas roupas estão rasgadas. Nem parece que é filho de um dos homens mais poderosos do país.
     ― Alex? O que aconteceu?
     ― Analú, me deixa entrar. Eu tô morrendo de fome! E eu tô fedido, preciso tomar um banho.
     ― Ai ai ai ai ai, Alex! Da última vez seu pai disse que não queria ver você aqui nem pintado de ouro. E você sabe que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Vai que o Dr. Wagner te pega aqui?
     ― Essa casa também é minha.
     A cozinheira acaba deixando Alex entrar. Mas Wagner não pode nem desconfiar.


     Fidel toma um susto ao ver o filho do patrão, que fora escorraçado de casa, de volta.
     ― Analú, você tá maluca? Pirou na batatinha amor? Fumou?! — Fidel questiona.
     ― O Alex só vai tomar um banho e comer alguma coisa, pai.
     ― É Fidel, fica na tua. Se meu pai perguntar eu não tô. Volta pra tua novela aí.
Analú e Alex saem.
     ― E volto mesmo. Robervaldo, meu galã. Meu sonho é um dia te encontrar. Bicha das bichas.
     Fidel deita-se no grande sofá.
     Robervaldo é um personagem da sua novela das oito preferida. Fidel não perde um capítulo, pois se identificou muito com ele desde o início.
     Tempo depois, Alex volta de banho tomado e de estômago cheio.
     ― Agora é melhor você ir indo, garoto. Seu pai pode chegar a qualquer momento e...
     A porta da frente se abre e entra Ugo empurrando Wagner em sua cadeira de rodas.
     ― Tarde demais, Fidel. Cheguei. — Wagner interrompe Fidel. — Mas vocês empregados podem ficar despreocupados. Eu queria falar mesmo com o Alex. — Ugo empurra a cadeira de rodas onde Wagner está sentado. Wagner olha para o lado e vê a TV ligada. – Novela idiota. — Desliga a TV.
***
     Alex carrega o seu violão até o escritório, onde o seu pai espera por ele. Ugo fica parado no pé da porta. De certa, tentando conseguir alguma informação para o “Cérebro”.
     ― Pode ir embora, Ugo. Quero ter uma conversa com o Alex.
Ugo, emburrado, sai. Wagner continua:
     ― Meu estado é decadente, Alex. Brevemente você vai se livrar de mim.
     ― Não tente me comover, meu pai. Sei das suas táticas. O que você quer?
     ― Ah, é? Vou direto ao assunto. Te ofereço todo o meu patrimônio se você abandonar essa loucura que é a música e ser o que você realmente é: um advogado.
***
Fidel flagra Ugo ouvindo atrás da porta.
     ― Que coisa feia... Que bichona enxerida! Ouvindo atrás da porta, Ugo?
Ugo fica sem saber como disfarçar e logo finge estar procurando algo no chão.
     ― Tu que é um lunático, Fidel.
     ― Tá bom...
Fidel sai e Ugo volta a colocar o ouvido na porta.
***
     ― Pai, o senhor quer mesmo que eu te dê uma resposta, agora, na lata? NÃO! Eu não quero ser a sua marionete. Não já basta o Ugo? Quer mandar em mim também?
     ― Olha o jeito que fala comigo, moleque.
     ― Vai fazer o quê? O senhor tem dinheiro fruto das fofocas daqueles que se dizem artistas e na maioria das vezes não fazem arte. Mas em cima dessa cadeira de rodas você é um inválido. O senhor é tão ruim que nem o diabo te quer no inferno. Tá só colhendo o que plantou.
     ― Você vai se arrepender por ter me tratado assim.
     ― E o senhor? Já se arrependeu por ter tratado a mim e aos meus irmãos como sempre tratou?
Alex dá as costas, pega o violão e sai.
***

Cidinha está no barraco que divide com Ingrid. Ela acende algumas velas para iluminar o local e espera pela amiga, que saiu cedo para catar lixo.
     ― Cadê a Ingrid hein? – Cidinha acende mais uma vela.
     Ela sai e olha na rua. Os carros passam e nenhum sinal da amiga. Até que ela avista Ingrid a alguns metros carregando o seu carrinho de geladeira.
     ― Até que enfim hein, Ingrid?
     ― Desculpa, Cidinha. Tem alguma coisa pra comer? Eu tô morrendo de fome.
     ― Descolei uma boia. — Elas vão até o fogareiro improvisado. Cidinha coloca uma mistura de arroz e algumas outras sobras de comida numa vasilha.
     De repente, Ingrid deixa a vasilha cair no chão e tem um princípio de desmaio. Só não cai porque Cidinha a segura.
     ― Ingrid? Ingrid? – Abana-a. – Nossa, você tá gelada! A gente tem que ir até o posto.
     ― Não, amiga. Já passou. — Ingrid se recompõe. — Vou dormir que é melhor.
     ― Tem certeza?
     ― Tenho. Só tava meio fraca. Passei o dia arrastando esse carrinho aí pelo meio do mundo e não comi nada.
     As duas vão dormir, cada uma no seu colchonete. O cheiro de sujeira e de umidade paira no ar daquele honesto barraco. As únicas luzes que predominam naquele lugar é a da lua, que invade pelos buracos das lonas que revestem a moradia, e a das velas acesas por Cidinha. A chama de uma delas alcança um pedaço de lona. Ela vai proliferando, e quando se vê, começa um incêndio.
     ― Ingrid, acorda! Nosso barraco tá pegando fogo!



COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE -  MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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