segunda-feira, 3 de março de 2014

Alta Tensão - Capítulo 05



QUINTO CAPÍTULO
     Logo ao receber a notícia, Wagner desliga o telefone e pede para que os filhos mais velhos subam até os seus quartos e arrumem suas malas.
     ― Eu não quero me separar dos meus irmãos, pai! – gritou Alessandra.
     ― Mas vai. Ah se vai! – Wagner pressiona o queixo da filha com o dedo indicador e com o polegar e olha bem no fundo dos olhos dela. – Vocês merecem o pior! O pior!
     ― Solta a minha irmã seu monstro! — Adriano agarra o pai, que com apenas um mexer de braços consegue fazer o filho se soltar.
Wagner tira Alex do colo de Alessandra e repete:
     ― Vão arrumar as malas. Ou querem ficar pelados no meio de todos?
     ― Vem, Alessandra. — diz Adriano. — Esse monstro imundo não merece nem que nós falemos com ele.
     ― Olha o jeito que você fala com o seu pai, moleque.
     ― Que pai? — Adriano segura a mão direita da irmã e sobe as escadas. Ele vira para Wagner lá do alto.— Não temos pai. Temos um carrasco.
***

     Chorosa, Alessandra arruma as coisas. Lembra-se dos poucos momentos felizes que teve naquela grande mansão ao lado da mãe e dos irmãos.
     ― Tudo acabou! – exclama ela. – É o fim.
     Alessandra abraça o seu ursinho de pelúcia, marco da sua infância.
     ― Vou te levar daqui. Parece que você vai voltar a ser minha companhia.
     Suas fantasias amorosas, pensamentos entre elas e Ugo ela terá de esquecer. Aliás, quaisquer coisas que induzem ao pecado carnal. A garota iria para um convento. Seu amor seria somente a Deus, nada mais.
     ― Alessandra... — Adriano aparece, abrindo a porta, e a chamando baixinho.
     Alessandra corre e abraça o irmão.
     ― Diz que isso é só um pesadelo, por favor, por favor!
     ― Levanta a cabeça, minha irmã. Isso é só uma fase. Eu prometo que um dia vou te buscar. E além do mais a vovó um dia vai ter que sair daquele hospital.
     ― Eu perdi a minha fé, Adri...
     ― Não pode perder a fé. Um dia eu, você e o Alex vamos ser felizes. Para de chorar. Para!
     Alessandra tenta parar o choro. Adriano continua:
     — Agora me empresta um batom seu. Bem escuro.
     ― Pra quê?
     ― Papai vai se livrar da gente, mas vai ter uma surpresa no espelho daquele quarto cafona dele. Eu não vou deixar barato.
***
     Alessandra e Adriano dão um ultimo abraço. Estão eles, Alex, Wagner e Ugo no lado de fora da casa. Os carros chegam.
     ― Finalmente! – exclama Wagner.
     Alessandra olha para Ugo. Ela quer despedir-se dele, mas o orgulho não deixa. Ele foi muito frio com ela quando ela mais precisou. Maltratou-a e a fez de lixo.
     Adriano entra no primeiro carro, e Alessandra no outro. Alex acena inocentemente para os irmãos, que observam no vidro de trás de cada carro. Um fio de lágrima desce no rosto de Adriano, que o enxuga com as costas do braço direito. Ele é forte, não derramará mais nenhuma lágrima por culpa daquele homem cruel que deveria ser seu pai.
     Wagner é pai daquelas crianças apenas no papel. Nada mais. Um sobrenome, um carimbo, uma rubrica não dizem nada. Pai não é aquele que te dá as coisas materiais, isso é obrigação. Onde esteve Wagner esses anos todos, e quando Norma se foi? Seus filhos precisaram dele, e ele nada fez. Apenas acabou com a vida dos próprios herdeiros.

***


     Os carros vão embora. Wagner entrega Alex para Ugo e os manda saírem. Aquele é um momento em que ele quer ficar sozinho. Põe uma música no seu toca fitas e estoura um champanhe para comemorar sua primeira vitória. Ele começa a se requebrar e dançar no ritmo da música. Ao abrir a porta do seu quarto, espanta-se com uma mensagem enorme no espelho, em batom vermelho. É a letra de Adriano, claro:
     ― “BAMBI”?!


     Wagner se estressa. Amaldiçoa o filho por ter escrito aquilo e, loucamente, ele começa a esfregar as mãos nas manchas de batom para que saiam do grande espelho.
     — Maldito! Que você apanhe dentro daquele internato! Que você apanhe como uma cadela no cio!

***

     Ugo põe o Alex em cima da mesa. O pequeno garoto sorri para ele.
     ― Por que está sorrindo? Non tem motivos.
     Alex gargalha e chacoalha os braços.
     ― Mamãe, mamãe!

***

     “A essa hora o Dr. Wagner Peregrini deve estar furioso!”, pensa Adriano, enquanto se instala no seu novo quarto. Aquela realidade era bem diferente da dele. Nunca tivera de dividir quarto com ninguém. Na mansão, sua cama era uma de casal enorme. Agora era um mísero beliche fedido.
     Adriano prometeu a si mesmo que aquela sua fase de vida era provisória. Prometeu também que tiraria sua irmã do convento e Alex das garras do pai.

     Não estava fácil para Alessandra. As regras no convento eram rígidas. A pobre menina sofria com elas. Seu sonho sempre foi trabalhar com moda, mas agora tudo havia se destruído, tudo! E por causa de Wagner.
     Passava os dias chorando e as irmãs não davam o menor apoio a ela.

     Wagner tratava o filho de apenas um ano de idade como se fosse um cachorro. Alex vivia no berço, e só saía para as suas refeições.
     Ugo era o único empregado da casa. Lavava, passava, cozinhava, servia de babá e era abusado e humilhado pelo patrão.
     Enquanto isso, Gisela continuava em coma. Wagner só esperava que ela morresse. Tentar matá-la de novo era arriscado, e caso ele tentasse, teria que fazê-lo com as próprias mãos. Achava Ugo lesado demais para determinadas coisas. Matar uma pessoa, por exemplo. Mas dias depois, Wagner recebera uma visita. Ele estava sentado escrevendo uma nova matéria. Agora ele adorava trabalhar em casa, longe do escritório.
     ― Dr. Wagner. Tem um homem lá fora querendo falar com o senhor.
     ― Diz que eu não tô, Ugo. Já disse que quando eu estou trabalhando...
     ― Ele diz ser namorado de dona Gisela.
     Gisela? Namorado? Que tipo de homem se interessaria por uma velha daquela? Porém, a notícia não poderia ser melhor para Wagner.
     Francisco Garcia era um homem rico, bem apessoado. Apresentou-se para Wagner com um singelo aperto de mãos. Para o monstro, aquele aperto de mão significava mais uma conclusão dos seus sonhos.
     ― Eu quero levar a Gisela daqui. Quero que ela fique mais próxima de mim, em um hospital sob os cuidados médicos de profissionais da minha confiança. — explica Francisco.
     Por dentro, Wagner sorria, mas por fora ele dissimulava. Aquilo parecia um sonho.
     ― Senhor Garcia, não sei se aguentaria viver longe da minha sogra por muito tempo, sabe?
     ― Senhor Wagner, tome consciência de que isso é para o bem de Gisela. O estado dela é grave, e eu conheço pessoas que...
     ― O senhor tem razão. Eu quero que ela vá com você. Prometa que vai cuidar bem dela?
     ― Eu amo a Gisela. Se ela morrer, eu morro com ela. Fiquei transtornado quando soube do seu estado de saúde.
     ― Minha sogra tem um coração muito frágil, meu caro. A morte da filha foi um baque para ela. E pra mim também... Eu amava a Norma como nunca amei ninguém. — uma crise de choro é fingida por Wagner.
     — Eu lamento pela sua perda.
     Dias depois, um jato particular e adaptado sai de Fortaleza para São Paulo, levando Gisela. Tudo por conta de Garcia.
     ― Que esse jato caia. — Wagner pensa alto, enquanto acena falsamente para o veículo ao decolar.
***
     Yolanda conseguiu emprego. Não era um dos melhores, mas era digno.
     Ela trabalhava como catadora de lixo, e morava debaixo do viaduto com mais algumas famílias. Aos poucos juntava uma quantia em dinheiro para as necessidades futuras. Via que cada vez mais sua barriga crescia e que logo, logo sua filha nasceria.
Passaram-se oito meses. Yolanda começou a sentir as dores do parto.
     ― Vai nascer. — diz ela.
Outra catadora de lixo escuta e alerta às outras pessoas dali:
     ― O menino da Yolanda vai nascer! Se achegue!
     Yolanda deu à luz a menina Ingrid Ferreira, na tarde daquela segunda-feira. Ingrid nasceu em meio a pobreza, à podridão e ao lixo. Mal sabia a garota de que era filha de um dos homens mais ricos do estado do Ceará. Quiçá, do mundo.
     ― Você é uma herdeira Peregrini, meu amor. — disse Yolanda, depois de beijar a testa da filha.
     — Eu vou proteger você do papai monstro, viu?
     Yolanda protegeu Ingrid o máximo que pôde, mas apenas durante os quatro anos seguintes, quando morrera vítima de uma infecção.
     Ingrid passou a ser criada por várias famílias, mas era a típica menina de rua. Desde cedo, aprendera a pedir esmola no sinal. A partir dos seis anos, começou a cheirar cola e roubar as pessoas em busca de alimento, ou até mesmo dinheiro para sustentar o seu vício.
***


     Alex ficou sob os cuidados de Wagner até os seis anos de idade, quando foi transferido para um rígido colégio interno.
     Alessandra conseguiu fugir do convento. Na rua, conheceu um homem que gostou do seu tipo físico. Ela apostou sua vida. Ele poderia ser um estranho cheio de segundas intenções, mas não, ele era honesto.
     Alessandra Saboya (preferiu adotar o sobrenome da mãe) começou fazendo comerciais de TV e logo estava estampada nas capas de revista. Tornou-se uma modelo muito bonita e cobiçada pelos homens. Tempo depois, mudou-se para Paris, e aos 25 anos de idade casou-se com Gianpaolo Ventura, um jogador de basquete italiano. Agora é uma estilista conhecidíssima nas passarelas francesas.
     Adriano virou o terror do internato no qual estava internado. Foi durante uma noite, que conseguira fugir de lá. Ficou triste ao saber do destino dos irmãos e não teve outra escolha a não ser seguir em frente sozinho. Conseguiu abrigo em uma república estudantil, já em Recife. Foi onde conheceu Rafaela, sua futura esposa. Também conheceu a medicina e logo, aos 24 anos estava formado e já podendo exercer a cardiologia.
     Adriano e Rafaela casaram-se antes mesmo de se formarem, por ela ter engravidado. Tiveram um casal de gêmeos: Thiago e Vanessa. Sua esposa morreu no parto.
     Ele criou os gêmeos sozinho e com muita dedicação. Logo conseguiu seu lugar ao sol e abriu sua própria clínica, que dentro de poucos anos se tornaria um dos melhores hospitais particulares de Recife. 
     Desde cedo, Adriano via em Vanessa sua má índole. Ela lembrava muito o seu pai. Era arrogante, e fazia algumas crueldades desde criança. Certa vez, estrangulara seu gatinho de estimação por pura maldade.
     Thiago, por sua vez, era um bom rapaz, e estava seguindo os passos do pai. Seria um futuro cardiologista.
     Alex ficou no colégio interno até os dezoito anos, quando terminou o ensino médio. Não teve outra escolha a não ser voltar para casa, mas Wagner o repudiou ao saber dos seus planos.
     Alex queria ser músico, mas o pai queria que ele seguisse o direito. Ele fez a faculdade, formou-se, porém não seguiu a carreira como o seu pai gostaria. Agora ele vive em um apartamento fedido. Seu único sustento é o dinheiro que ele ganha tocando MPB em bares, rodoviárias e terminais de ônibus.
     Ugo trabalhou sozinho naquela casa como um verdadeiro faz tudo por cinco anos, quando Wagner resolveu contratar dois novos empregados: o mordomo Fidel e a sua filha, a cozinheira Analú.
     Ugo passou a ser acompanhante e motorista de Wagner, que estava cada vez mais acabado por causa da sua doença misteriosa. Agora ele andava de cadeira de rodas.
     Mal sabia ele que Ugo era o seu pior inimigo. Ele mantinha contato com uma pessoa misteriosa por telefone, a qual queria saber de todos os passos do homem. “Cérebro” estava com Wagner em suas mãos.

Fortaleza – 2012 (25 anos depois)

     — Ugo... Quero que você chame minha advogada aqui. Preciso ter uma conversa séria com a Dra. Albaniza. – diz Wagner, lendo alguns papéis que acabou de receber, em sua cadeira de rodas.
     Pouco tempo depois, Albaniza aparece. Wagner tranca-se em seu escritório com ela. Parecia uma conversa séria. Ugo resolve averiguar escutando atrás da porta:
     —... e é por isso que eu preciso mudar o meu testamento, minha amiga.Sinto que minha hora chega. — Uma tosse quase incontrolável o faz parar. — Eu tenho uma filha fora do casamento com Norma. Pedi que um detetive investigasse. O nome da moça é Ingrid. Ingrid Ferreira. Tem vinte e cinco anos e é catadora de lixo. Quero deixar tudo para ela.
     Ugo imediatamente pega o telefone e liga para a tal pessoa com quem ele mantém contato. Ele a chama de “Cérebro”.
     — Io tenho novas, Cérebro. Wagner mudará seu testamento. Ele tirará o nome de todos e colocará apenas o nome de sua filha bastarda.
     Uma voz em off, totalmente distorcida fala por detrás do fone:
     — Temos que matá-lo antes. Acabaremos com a vida de Wagner antes mesmo que ele escreva qualquer coisa.

FIM DO PRIMEIRO TESTAMENTO.




COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE -  MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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