Logo
ao receber a notícia, Wagner desliga o telefone e pede para que os filhos mais
velhos subam até os seus quartos e arrumem suas malas.
―
Eu não quero me separar dos meus irmãos, pai! – gritou Alessandra.
―
Mas vai. Ah se vai! – Wagner pressiona o queixo da filha com o dedo indicador e
com o polegar e olha bem no fundo dos olhos dela. – Vocês merecem o pior! O
pior!
―
Solta a minha irmã seu monstro! — Adriano agarra o pai, que com apenas um mexer
de braços consegue fazer o filho se soltar.
Wagner tira Alex do colo de
Alessandra e repete:
―
Vão arrumar as malas. Ou querem ficar pelados no meio de todos?
―
Vem, Alessandra. — diz Adriano. — Esse monstro imundo não merece nem que nós
falemos com ele.
―
Olha o jeito que você fala com o seu pai, moleque.
―
Que pai? — Adriano segura a mão direita da irmã e sobe as escadas. Ele vira
para Wagner lá do alto.— Não temos pai. Temos um carrasco.
***
Chorosa, Alessandra arruma as coisas.
Lembra-se dos poucos momentos felizes que teve naquela grande mansão ao lado da
mãe e dos irmãos.
― Tudo acabou! – exclama ela. – É o fim.
Alessandra abraça o seu ursinho de pelúcia,
marco da sua infância.
― Vou te levar daqui. Parece que você vai
voltar a ser minha companhia.
Suas fantasias amorosas, pensamentos entre
elas e Ugo ela terá de esquecer. Aliás, quaisquer coisas que induzem ao pecado
carnal. A garota iria para um convento. Seu amor seria somente a Deus, nada
mais.
― Alessandra... — Adriano aparece, abrindo
a porta, e a chamando baixinho.
Alessandra corre e abraça o irmão.
― Diz que isso é só um pesadelo, por favor,
por favor!
― Levanta a cabeça, minha irmã. Isso é só
uma fase. Eu prometo que um dia vou te buscar. E além do mais a vovó um dia vai
ter que sair daquele hospital.
― Eu perdi a minha fé, Adri...
―
Não pode perder a fé. Um dia eu, você e o Alex vamos ser felizes. Para de
chorar. Para!
Alessandra
tenta parar o choro. Adriano continua:
—
Agora me empresta um batom seu. Bem escuro.
―
Pra quê?
―
Papai vai se livrar da gente, mas vai ter uma surpresa no espelho daquele
quarto cafona dele. Eu não vou deixar barato.
***
Alessandra
e Adriano dão um ultimo abraço. Estão eles, Alex, Wagner e Ugo no lado de fora
da casa. Os carros chegam.
―
Finalmente! – exclama Wagner.
Alessandra
olha para Ugo. Ela quer despedir-se dele, mas o orgulho não deixa. Ele foi
muito frio com ela quando ela mais precisou. Maltratou-a e a fez de lixo.
Adriano
entra no primeiro carro, e Alessandra no outro. Alex acena inocentemente para
os irmãos, que observam no vidro de trás de cada carro. Um fio de lágrima desce
no rosto de Adriano, que o enxuga com as costas do braço direito. Ele é forte,
não derramará mais nenhuma lágrima por culpa daquele homem cruel que deveria
ser seu pai.
Wagner
é pai daquelas crianças apenas no papel. Nada mais. Um sobrenome, um carimbo,
uma rubrica não dizem nada. Pai não é aquele que te dá as coisas materiais,
isso é obrigação. Onde esteve Wagner esses anos todos, e quando Norma se foi? Seus
filhos precisaram dele, e ele nada fez. Apenas acabou com a vida dos próprios
herdeiros.
***
Os
carros vão embora. Wagner entrega Alex para Ugo e os manda saírem. Aquele é um
momento em que ele quer ficar sozinho. Põe uma música no seu toca fitas e estoura
um champanhe para comemorar sua primeira vitória. Ele começa a se requebrar e
dançar no ritmo da música. Ao abrir a porta do seu quarto, espanta-se com uma
mensagem enorme no espelho, em batom vermelho. É a letra de Adriano, claro:
―
“BAMBI”?!
Wagner
se estressa. Amaldiçoa o filho por ter escrito aquilo e, loucamente, ele começa
a esfregar as mãos nas manchas de batom para que saiam do grande espelho.
—
Maldito! Que você apanhe dentro daquele internato! Que você apanhe como uma
cadela no cio!
***
Ugo
põe o Alex em cima da mesa. O pequeno garoto sorri para ele.
―
Por que está sorrindo? Non tem motivos.
Alex
gargalha e chacoalha os braços.
― Mamãe, mamãe!
***
“A
essa hora o Dr. Wagner Peregrini deve estar furioso!”, pensa
Adriano, enquanto se instala no seu novo quarto. Aquela realidade era bem
diferente da dele. Nunca tivera de dividir quarto com ninguém. Na mansão, sua
cama era uma de casal enorme. Agora era um mísero beliche fedido.
Adriano
prometeu a si mesmo que aquela sua fase de vida era provisória. Prometeu também
que tiraria sua irmã do convento e Alex das garras do pai.
Não
estava fácil para Alessandra. As regras no convento eram rígidas. A pobre
menina sofria com elas. Seu sonho sempre foi trabalhar com moda, mas agora tudo
havia se destruído, tudo! E por causa de Wagner.
Passava
os dias chorando e as irmãs não davam o menor apoio a ela.
Wagner
tratava o filho de apenas um ano de idade como se fosse um cachorro. Alex vivia
no berço, e só saía para as suas refeições.
Ugo
era o único empregado da casa. Lavava, passava, cozinhava, servia de babá e era
abusado e humilhado pelo patrão.
Enquanto
isso, Gisela continuava em coma. Wagner só esperava que ela morresse. Tentar
matá-la de novo era arriscado, e caso ele tentasse, teria que fazê-lo com as
próprias mãos. Achava Ugo lesado demais para determinadas coisas. Matar uma
pessoa, por exemplo. Mas dias depois, Wagner recebera uma visita. Ele estava
sentado escrevendo uma nova matéria. Agora ele adorava trabalhar em casa, longe
do escritório.
―
Dr. Wagner. Tem um homem lá fora querendo falar com o senhor.
―
Diz que eu não tô, Ugo. Já disse que quando eu estou trabalhando...
―
Ele diz ser namorado de dona Gisela.
Gisela?
Namorado? Que tipo de homem se interessaria por uma velha daquela? Porém, a
notícia não poderia ser melhor para Wagner.
Francisco
Garcia era um homem rico, bem apessoado. Apresentou-se para Wagner com um
singelo aperto de mãos. Para o monstro, aquele aperto de mão significava mais
uma conclusão dos seus sonhos.
―
Eu quero levar a Gisela daqui. Quero que ela fique mais próxima de mim, em um
hospital sob os cuidados médicos de profissionais da minha confiança. — explica
Francisco.
Por
dentro, Wagner sorria, mas por fora ele dissimulava. Aquilo parecia um sonho.
―
Senhor Garcia, não sei se aguentaria viver longe da minha sogra por muito
tempo, sabe?
―
Senhor Wagner, tome consciência de que isso é para o bem de Gisela. O estado
dela é grave, e eu conheço pessoas que...
―
O senhor tem razão. Eu quero que ela vá com você. Prometa que vai cuidar bem
dela?
―
Eu amo a Gisela. Se ela morrer, eu morro com ela. Fiquei transtornado quando
soube do seu estado de saúde.
―
Minha sogra tem um coração muito frágil, meu caro. A morte da filha foi um
baque para ela. E pra mim também... Eu amava a Norma como nunca amei ninguém. —
uma crise de choro é fingida por Wagner.
—
Eu lamento pela sua perda.
Dias
depois, um jato particular e adaptado sai de Fortaleza para São Paulo, levando
Gisela. Tudo por conta de Garcia.
―
Que esse jato caia. — Wagner pensa alto, enquanto acena falsamente para o
veículo ao decolar.
***
Yolanda
conseguiu emprego. Não era um dos melhores, mas era digno.
Ela
trabalhava como catadora de lixo, e morava debaixo do viaduto com mais algumas
famílias. Aos poucos juntava uma quantia em dinheiro para as necessidades
futuras. Via que cada vez mais sua barriga crescia e que logo, logo sua filha
nasceria.
Passaram-se oito meses. Yolanda
começou a sentir as dores do parto.
―
Vai nascer. — diz ela.
Outra catadora de lixo escuta e
alerta às outras pessoas dali:
―
O menino da Yolanda vai nascer! Se achegue!
Yolanda
deu à luz a menina Ingrid Ferreira, na tarde daquela segunda-feira. Ingrid
nasceu em meio a pobreza, à podridão e ao lixo. Mal sabia a garota de que era
filha de um dos homens mais ricos do estado do Ceará. Quiçá, do mundo.
―
Você é uma herdeira Peregrini, meu amor. — disse Yolanda, depois de beijar a
testa da filha.
— Eu vou proteger você
do papai monstro, viu?
Yolanda
protegeu Ingrid o máximo que pôde, mas apenas durante os quatro anos seguintes,
quando morrera vítima de uma infecção.
Ingrid
passou a ser criada por várias famílias, mas era a típica menina de rua. Desde
cedo, aprendera a pedir esmola no sinal. A partir dos seis anos, começou a
cheirar cola e roubar as pessoas em busca de alimento, ou até mesmo dinheiro
para sustentar o seu vício.
***
Alex
ficou sob os cuidados de Wagner até os seis anos de idade, quando foi
transferido para um rígido colégio interno.
Alessandra
conseguiu fugir do convento. Na rua, conheceu um homem que gostou do seu tipo
físico. Ela apostou sua vida. Ele poderia ser um estranho cheio de segundas
intenções, mas não, ele era honesto.
Alessandra
Saboya (preferiu adotar o sobrenome da mãe) começou fazendo comerciais de TV e
logo estava estampada nas capas de revista. Tornou-se uma modelo muito bonita e
cobiçada pelos homens. Tempo depois, mudou-se para Paris, e aos 25 anos de
idade casou-se com Gianpaolo Ventura, um jogador de basquete italiano. Agora é
uma estilista conhecidíssima nas passarelas francesas.
Adriano
virou o terror do internato no qual estava internado. Foi durante uma noite,
que conseguira fugir de lá. Ficou triste ao saber do destino dos irmãos e não
teve outra escolha a não ser seguir em frente sozinho. Conseguiu abrigo em uma
república estudantil, já em Recife. Foi onde conheceu Rafaela, sua futura
esposa. Também conheceu a medicina e logo, aos 24 anos estava formado e já
podendo exercer a cardiologia.
Adriano
e Rafaela casaram-se antes mesmo de se formarem, por ela ter engravidado.
Tiveram um casal de gêmeos: Thiago e Vanessa. Sua esposa morreu no parto.
Ele
criou os gêmeos sozinho e com muita dedicação. Logo conseguiu seu lugar ao sol
e abriu sua própria clínica, que dentro de poucos anos se tornaria um dos
melhores hospitais particulares de Recife.
Desde
cedo, Adriano via em Vanessa sua má índole. Ela lembrava muito o seu pai. Era
arrogante, e fazia algumas crueldades desde criança. Certa vez, estrangulara
seu gatinho de estimação por pura maldade.
Thiago,
por sua vez, era um bom rapaz, e estava seguindo os passos do pai. Seria um
futuro cardiologista.
Alex
ficou no colégio interno até os dezoito anos, quando terminou o ensino médio.
Não teve outra escolha a não ser voltar para casa, mas Wagner o repudiou ao
saber dos seus planos.
Alex
queria ser músico, mas o pai queria que ele seguisse o direito. Ele fez a
faculdade, formou-se, porém não seguiu a carreira como o seu pai gostaria.
Agora ele vive em um apartamento fedido. Seu único sustento é o dinheiro que
ele ganha tocando MPB em bares, rodoviárias e terminais de ônibus.
Ugo
trabalhou sozinho naquela casa como um verdadeiro faz tudo por cinco anos,
quando Wagner resolveu contratar dois novos empregados: o mordomo Fidel e a sua
filha, a cozinheira Analú.
Ugo
passou a ser acompanhante e motorista de Wagner, que estava cada vez mais
acabado por causa da sua doença misteriosa. Agora ele andava de cadeira de
rodas.
Mal
sabia ele que Ugo era o seu pior inimigo. Ele mantinha contato com uma pessoa
misteriosa por telefone, a qual queria saber de todos os passos do homem.
“Cérebro” estava com Wagner em suas mãos.
Fortaleza – 2012 (25 anos depois)
—
Ugo... Quero que você chame minha advogada aqui. Preciso ter uma conversa séria
com a Dra. Albaniza. – diz Wagner, lendo alguns papéis que acabou de receber,
em sua cadeira de rodas.
Pouco
tempo depois, Albaniza aparece. Wagner tranca-se em seu escritório com ela.
Parecia uma conversa séria. Ugo resolve averiguar escutando atrás da porta:
—... e é por isso que eu preciso mudar o
meu testamento, minha amiga.Sinto que minha hora chega. — Uma tosse
quase incontrolável o faz parar. — Eu
tenho uma filha fora do casamento com Norma. Pedi que um detetive investigasse.
O nome da moça é Ingrid. Ingrid Ferreira. Tem vinte e cinco anos e é catadora
de lixo. Quero deixar tudo para ela.
Ugo
imediatamente pega o telefone e liga para a tal pessoa com quem ele mantém contato.
Ele a chama de “Cérebro”.
—
Io tenho novas, Cérebro. Wagner mudará seu testamento. Ele tirará o nome de
todos e colocará apenas o nome de sua filha bastarda.
Uma
voz em off, totalmente distorcida fala por detrás do fone:
—
Temos que matá-lo antes. Acabaremos com a
vida de Wagner antes mesmo que ele escreva qualquer coisa.
FIM DO PRIMEIRO TESTAMENTO.

COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE - MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
© 2014 -
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS