CAPÍTULO 26
Quando as primeiras gotas da chuva escorreram pelas janelas do supermercado onde Lex estava protegida com sua irmã e seus amigos, uma estranha sensação tomou conta de seu ser. Aquela chuva era diferente e os raios gigantescos indicavam que algo estranho acontecia.
Não dava para ver lá fora, pois as janelas ficavam a mais ou menos três metros do chão. Por isso, Lex escalou uma das estantes encostadas na parede até o alto. A chuva assolava os mortos vivos lá embaixo que pareciam distraídos, olhando para cima, sem saber o que acontecia. Lex imaginou que a esta altura, alguns já estariam mortos de uma vez, mas por certo o vírus mantinha suas células vivas e reanimadas, mesmo sem alimento. Quando um raio despontou no céu cinzento, o pulso de Lex latejou. Aquela horrível cicatriz estava lá, fazendo-a lembrar do passado e desejar um futuro melhor. Usou o polegar da outra mão para massagear levemente a área, aquilo sempre aliviava aquelas pontadas estranhas que sentia.
Escutou alguém tossir e virou-se para
contemplar os sobreviventes. Dos quinze sobreviventes que haviam ali, três
haviam falecido. O primeiro a morrer foi um menino cujo nome Lex
desconhecia. A mãe do menino morreu logo depois e em algumas semanas depois foi
a vez do gerente do supermercado, o Sr. Alfredo.
Tudo começava com uma tosse, depois
vinha a febre. Duas semanas depois, as pessoas simplesmente morriam. Era alguma
coisa no pulmão, talvez uma pneumonia, mas sem o tratamento devido, a morte era
certa. Quando o menino faleceu, Lex deu ordens para que os sobreviventes não
dormissem mais no porão, onde o ar era ruim, pois havia um cheiro fétido. Havia
um grande freezer no porão e era onde os sobreviventes estavam jogando as
carnes e frutas apodrecidas. Também era onde jogavam as fezes, uma vez que não
havia mais agua, nem sistema de esgoto funcionando. Aquilo com certeza havia
gerado diferentes bactérias e vírus no ar.
Lex tinha esperanças de que vindo para
um lugar maior e um pouco mais ventilado – embora as janelas do supermercado
fossem lacradas, haviam frestas por debaixo das portas – o problema se
resolvesse naturalmente. Mais a simples mudança de ambiente não foi o
suficiente e outros começaram a ficar infectados. Naquela noite, além de duas mulheres
e um homem, sua irmã começou a tossir e depois que acordaram, Lizzie já havia
tido alguns ataques de tosse. Ela fora de alguma forma afetada e era necessário
fazer algo.
- Lex? É melhor sair da janela. Está relampeando muito! – gritou Janaira, preocupada.
Lex olhou uma vez mais para fora, seu olhar perdendo-se no horizonte onde uma vez foi a organizada cidade de Parnaso, onde viveu toda a sua vida. Depois desceu a estante.
Janaira, que a aguardava no chão,
também não tinha uma boa aparência, parecia estar doente mas não tossia.
- Eu vou sair, Janaira! Vou buscar
remédios para nós! – avisou Lex, sabendo que a amiga reagiria mal a notícia.
- Como é que é? – perguntou Janaira. –
Você se lembra o que aconteceu da última vez que você saiu para ir a uma farmácia?
- Isso é diferente. Naquela vez, Brandon armou pra mim. Mandou-me para um bairro superpopuloso, pois sabia que nós seríamos atacados. Nós precisamos de antibióticos, Janaira, ou morreremos todos.
- Eu vou com você! – disse Briam
levantando-se. Até o momento, ele estava ao lado de Lizzie, segurando a mão
dela. – Antes que alguém mais adoeça!
- É melhor que eu vá sozinha. Lizzie
precisa de você aqui! – falou Lex baixinho pra que a irmã não escutasse.
- Se acontecer alguma coisa a algum de
nós dóis, ainda haverá uma chance. Se não conseguirmos, eu não acho que ela
sobreviverá por muito tempo! – falou Briam num tom urgente. Parecia genuína a
sua preocupação. Apesar de Lex ter descoberto recentemente que Briam era
sobrinho de Abraham Smith, o responsável por fazer o vírus que causava a
zumbificação se alastrar pelo mundo, Lex estava convencida de que Briam era um
homem bom, pelo menos, era o que tudo indicava.
- Você está certo! – falou Lex, por fim. – Dois terão mais chances do que um.
- E que tipo de remédio você está
pensando em pegar? Você não é médica, Lex! – esbravejou Janaira. O medo da bela
morena estava falando mais alto do que a sua vontade de sobreviver.
- Amoxicilina! – falou Lex, com um
sorriso irônico – Foi o que o Dr. Brandon mandou que pegássemos na outra
farmácia. É um antibiótico e é o que precisamos. Febre é indicio de infecção e
infecções são tratadas com antibióticos. É o que eu sei!
- Há diferentes tipos de antibióticos
para diferentes tipos de doenças. Talvez você condene a todos nós ao invés de
nos salvar! – retrucou Janaira, mal humorada.
- É melhor do que não fazer nada. Eu
preciso tentar, Janaira...
Lex deixou Janaira falando sozinha para se aproximar da irmã que estava sentada ao lado de uma estante de panos de prato.
- Tudo bem, Lizzie? – perguntou Lex,
ajoelhando-se ao lado da irmã. Ela colocou a mão sobre a testa da irmã. Ela
parecia fresca, sem sinal de febre, o que era um bom sinal.
- Estou bem, Lex... bem mesmo! Eu ouvi você dizendo que vai sair, Lex? Meu Deus... isso é loucura!
- Ei! – disse Lex, fazendo uma carícia
no rosto da irmã. – Sua irmã é mais forte do que você imagina!
- Sei... a versão feminina do rambo...
– falou a irmã, sorrindo, mas seu sorriso morreu depois de um tempo. – Não me
deixe, Lex... por favor... não me deixe...
- Nunca! Eu vou e volto em poucas horas... vai ficar tudo bem... nós vamos ficar bem... Briam irá comigo. Ele vai tomar conta de mim e eu dele, não se preocupe!
Lex deixou a irmã e apanhou sua mochila, confirmando se a Beretta calibre 38 e os pentes de munição estavam ali. Depois colocou a mochila nos ombros. Briam fez o mesmo.
Depois tomaram o corredor dos
escritórios e saíram pelos fundos, na garagem ou expedição, por onde haviam
entrado no supermercado há dois meses atrás. Malvino e Janaira os acompanharam
até a saída e ajudaram a tirar a geladeira que barricava a porta.
- Coloquem a geladeira de volta quando
saírmos. – recomendou Lex.
- Para quê? – falou Malvino. – Os
mortos vivos não conseguiram ultrapassar o portão. Não há necessidade. E ainda
vocês poderão facilmente entrar quando voltarem.
- É melhor recolocar a geladeira por
precaução - opinou Briam - Quando chegarmos, atiraremos com a
Beretta para cima três vezes. E aguardaremos vocês abrirem a porta. Só não
demorem, por favor...
Quando abriram a porta, o vento e a
agua da chuva entraram numa rajada que congelou os quatro.
- É melhor esperarmos a chuva passar! –
gritou Janaira, pois o barulho do vento era ensurdecedor.
- Esperarmos? – perguntou Lex. Só então
percebeu que a amiga tinha também uma mochila nos ombros.
- Eu vou também! Três é melhor do que dois, porra! – falou ela, com um estranho brilho no olhar. Parecia que estava indo para a morte.
- A chuva distrai os mortos-vivos e ainda oculta o nosso cheiro. – respondeu Lex em voz alta, pois o barulho das rajadas era ensurdecedor. - A chuva está a nosso favor e não contra nós!
- Vocês vão precisar disso! – disse Malvino, entregando a Briam a chave do veículo que os cinco haviam utilizado para chegar até ali. O veículo já estava parado há dois meses, mas Lex tinha esperanças de que ele ainda funcionasse.
- Até mais,Malvino! Cuide da minha irmã
– gritou Lex antes de sair.
- Não se preocupe... vou cuidar dela..
Quando saiu do supermercado, achuva
assolou o rosto de Lex, congelando-a. Ainda não era inverno. Pela contagem dos
dias que Lex estava fazendo mentalmente, deveriam estar na metade do outono,
mas ainda assim, a sensação térmica ali fora era realmente menor. Mas havia
algo novo naquela chuva. A densidade não parecia estar correta, a água parecia
mais grossa, mais pesada. Imaginava o que poderia ser.
No pátio externo, não havia nenhum
zumbi, mas havia dois mortos-vivos depois do portão de ferro que fechava o
pátio interno. Os dois, entretanto, estavam quietos olhando para cima, para as
gotas de chuva que os atingia, por isso, Lex, Janaira e Briam puderam pular o
portão e caminhar entre eles com tranquilidade.
- Que estranho! - disse Briam. - Parece
que eles não conseguem nos ver, ou não ligam.
- É a chuva! - respondeu Lex,
simplesmente, sem adicionar que tinha medo do que aquilo poderia significar.
Depois de passarem pelos mortos-vivos,
os três correram até o veículo, talvez mais pelo frio e para escaparem do vento
do que por necessidade. Dentro do carro, a sensação era bem melhor, apesar de
já estarem ensopados.
- Não tem muita gasolina, Lex! – falou Briam. – Dá pra ir, mas não sei se dá para voltar!
- Daremos um jeito... é melhor irmos
logo! – respondeu Lex que se sentou entre ele e Janaira.
Briam deu a partida e o veículo começou
a andar. Quando chegou no início da rua, quando Briam fez a curva para a
esquerda, em direção à Parnaso, Lex não conseguiu segurar e olhou na direção
contrária. Pensou imediatamente em Jack Trevor e em sua fortaleza de pedra. Não
tinha raiva dele, pois sabia que ele fora ludibriado pelo Dr. Brandon, mas
tinha uma certa mágoa.
Ela tinha sentimentos por ele. Apaixonara-se por ele e revelara o que sentia. Além de rejeitá-la, Jack a prendeu, sem acreditar em sua palavra e a expulsou da fortaleza, o único lugar verdadeiramente seguro naquele mundo caótico.
Se continuava a lutar, a seguir
resistindo, era por sua irmã, a jovem Lizzie. Mais em seu profundo ser, no mais
íntimo do seu coração, a imagem de Jack Trevor se instalara. A lembrança de
Jack Trevor a segurando e a protegendo era algo que enternecia sua alma.
Não podia se enganar, o poderoso Sr. Trevor, com certeza, já se esquecera dela. Enquanto ela, lembrava-se dele a cada segundo, a cada momento, a cada adormecer.
Ela o amava, como nunca amara a
ninguém. E o maior castigo que ele lhe dera era este: ela jamais o veria
novamente!
Mal sabia ela que os ventos mudam de
direção...
ESCRITO POR - ELIS VIANA
DIREÇÃO DE ARTE - MÁRCIO GABRIEL
DIREÇÃO - FÉLIX
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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