O choque permaneceu
afetando todo o corpo de Angélica. A fumaça e o cheiro de queimado invadiam as
narinas de seus inimigos, que estavam presenciando cada suspiro da vítima. Eliana
sorria olhando para o corpo que permanecia grudado na cerca de arame. Voltou-se
para o receptor e apertou o botão. Não havia saída. Angélica estava mesmo
morta.
– Agora a gente precisa dar
um jeito de enterrar esse corpo e acabar logo com isso. – Eliana disse,
encarando o amante, que teve uma ideia melhor.
– Enterrar? Pra quê?
Tem um rio aqui pertinho, quase desconhecido. A gente joga o corpo lá e pronto.
Acabou! Tão simples...
Os dois estavam na
dúvida. Deveriam empurrar nas águas escuras o corpo de Angélica? Luigi suspirou
bem fundo.
– Já ta muito tarde. O
jeito é jogar ele logo aqui. Pensa bem, Eliana: não correremos risco algum.
Ela ainda ficou pensando se
devia confiar mesmo no amante. Mas decidiu concordar com ele. Afinal, Angélica
estava mesmo morta. Nunca voltaria a viver. Pois o corpo estava totalmente
queimado.
Aproximou-se do mesmo, na
beira do rio e o empurrou com o pé. Sentiu prazer ao vê-lo sendo levado pelas
correntezas. Luigi pôs uma das mãos em seu braço. Seus cabelos castanhos voavam
ao vento. E sua boca carnuda estava entreaberta. Ela estava pensando no
passado.
12 de Fevereiro de 1996
Era um dia especial para a garota
gordinha, que estava chorando, sentada em sua cama. As lágrimas não paravam de
escorrer. Ninguém havia lhe dado os parabéns, pois era seu aniversário. Ao seu
lado tinha uma caixa de bombons. Estava vazia. De repente alguém invadiu seu
quarto, com uma cinta na mão.
– Você merece levar são umas
pancadas na cara! – Gritou sua mãe, Ana, antes de lhe dar duas cintadas na
costa.
Enquanto
o desespero e o choro alto tomava conta de Eliana, as palavras saíam de sua
boca.
– Hoje é meu aniversário, e é isso
que você me dá? Saiba que eu te odeio mãe. A senhora merece ir para o inferno!
– Olha como fala comigo, garota!
Cadê o respeito? É um desgosto mesmo, não é? Em vês de seguir o exemplo de sua
irmã, vive enfiada nesse quarto enchendo a barriga de porcarias. Será que só
isso você sabe fazer? Comer? Quer que eu busque mais uma caixa pra você descer
goela abaixo, minha filha? Ou tá faltando comida aqui em casa? Toma atitude de
moça, sua baleia.
Eliana se levantou da cama não
acreditando no que ouvira de sua mãe. Olhou no fundo dos olhos dela, gritando:
– A senhora me chamou de baleia? É?
– Baleia é pouco. Você é uma foca de
zoológico. Uma pateta que não sai do lugar. Só serve pra comer e me dar
desgosto. O que fiz pra merecer uma filha ridícula? Que só pensa em comida? Diz
aí, Eliana! Acha mesmo que você terá futuro?
As lágrimas não paravam de cair do rosto da garota de doze anos, que já
não aguentava mais as palavras que a mãe dizia. A sua vontade era pegar uma das
cadeiras ao lado, que ficavam de frente com um guarda-roupa velho, e tacar na
cara da mulher. Mas o medo de levar umas boas cintadas a desanimava. Então,
como não fazia isso, a única coisa era se defender usando as palavras.
– Escuta: por que você só gosta da Angélica? Por que ela sempre foi a
sua preferidinha? Diz! Por quê?
– Eu explico com o maior prazer – Ana encarou a filha – Porque a
Angélica não é gorda, nem feia. Ela é linda. E você: uma perereca virada ao
avesso. Queria tanto que você caísse dentro de um mictório, e morresse comida
pelas moscas varejeiras. Aprendi que lixo deve ir ao lixo.
– Você tem coragem de dizer isso a sua própria filha? – Eliana estava
tendo um ataque de nervos – Que tipo de humana você é?
– Quem é você pra me dar conselhos? Sou sua mãe. Apesar de nunca querer
ter sido.
– Foi só o papai morrer pra você se mostrar que é um satanás, né?
– Cala a boca!
Mais uma cintada foi disparada à
costa de Eliana, que já sentia fortes dores. O local estava roxo e prestes a
sangrar. A garota ficou esperando apanhar mais uma vez, mas Ana saiu do quarto.
Eliana se jogou na cama, com uma transformação surpreendente.
– Então é assim que tratamos as
pessoas: como pererecas ao avesso.
Eliana voltou em si,
sem deixar de se emocionar ao relembrar tudo. Mas era passado. A satisfação de
ver o corpo de Angélica ser arrastado pelas águas já lhe dava uma sensação de
alívio. Finalmente se livrou da pessoa que mais atrapalhou seus caminhos.
Estava pronta para aproveitar sozinha a fortuna deixada pela mãe, que apesar de
odiá-la, sempre foi justa, e fez questão de dividir meio a meio o montante de
dinheiro.
Entraram no carro e
saborearam um caloroso beijo. Luigi passou as mãos pelas belas pernas da amante
– Agora mulher, pois Angélica não estava mais viva. – E se excitou:
– Acho que merecemos
comemorar esse feito tão especial. Brindar a mais uma vitória.
– Finalmente, meu bem.
Agora não teremos mais segredos. Somos eu e você. Não vejo a hora de botar as
minhas belas mãos naquela bolada toda, que agora é só nossa. Ouviu bem? Só
nossa!
Beijaram-se mais uma vez e
Luigi acelerou o carro, que saiu em disparada. Em meio à poeira deixada pelo
automóvel, era possível ver um homem. Em suas mãos estava uma câmera
fotográfica, e nela, estavam registradas obras de arte: desde uma mulher
amarrada numa cerca, até a mesma sendo empurrada em um rio.