Quarto Capítulo
Ele faria tudo por aquele videogame. A
máquina dos sonhos de qualquer garoto. Atari. Palavra estranha, mas significava
o seu sonho adolescente.
Gisela dorme profundamente. Ninguém no
quarto. Aquela é a chance perfeita. Parecia que tudo estava combinado, que os
médicos, enfermeiros e funcionários estavam do lado dele, pois não havia nenhum
sinal deles lá.
A máquina ainda está monitorando os
batimentos da avó dos herdeiros Peregrini. Por
enquanto seu coração ainda bate, velha, pensa Ugo.
Ugo retira o objeto que, preso no dedo de
Gisela, faz com que a máquina monitore os seus batimentos. Sendo assim, a
máquina passa a mostrar os seus
batimentos, e não mais os dela.
― Addio vovó dos infernos!
Ugo pressiona o travesseiro contra o rosto da
pobre senhora. Pressiona durante alguns segundos, até que ouve alguns passos no
corredor. Ele resolve então suspender o ato macabro e ligar o aparelho de novo
no dedo de Gisela. A máquina mostrava agora batimentos muito baixos. Gisela
ainda está entre a vida e a morte.
***
Vinte minutos passados e Wagner aguarda na
sala de esperas por alguma notícia de Ugo. Nada… Até que a médica, Dra. Guiomar
o vê no hospital.
― Senhor Wagner, que bom que está aqui!
― O que aconteceu, doutora? Algo com a minha
querida sogra?
― Infelizmente sim. Sua sogra teve uma parada
cardiorrespiratória e …
― …e morreu?! ― Wagner mal podia esconder a
felicidade.
― Não, mas a situação dela é grave. Gisela
está em coma. Eu sinto muito.
Wagner estava com tanto ódio que nem quis
saber de esperar o menino Ugo. Ele estava dentro do carro, esmurrando o volante
e pouco se importando com o barulho da buzina.
― Velha maldita! Vaso ruim não quebra!
― Senhore Wagner! Espere
per me! Aspettami! ― grita Ugo,
correndo no meio da rua atrás do carro. Wagner para o veículo.
― Seu judas, moleque traidor! Ficou com pena
da velha né?
― Io fiz o que pude, senhore. Dove mio
videogioco?
― Cadê seu videogame? Videogame? Aqui a
porcaria do seu videogame! ― Dá um tapa detrás da cabeça do rapaz. ― Entra na
porcaria do carro antes que eu me arrependa.
Ugo repara na face ardilosa de Wagner o
caminho todo. No meio da estrada ele para o carro, fecha as janelas e põe a mão
na perna do rapaz.
― Vou te dar uma lição…
***
Assim que o garoto italiano chega à mansão,
ele corre para o banheiro do seu cubículo e começa a vomitar. Vomitar de nojo,
por ter deixado aquele monstro encostar a mão nele mais uma vez.
Ele pensa que seria melhor ter dito ao pai
quem era Wagner realmente, que aquele patrão que Leoni considerava seu amigo
era um monstro pedófilo.
― Algun problema figlio? Chegou cedo… Oh,
está vomitando!
― Só enjoei um poco na viagem, pai. Está tudo
bene.
***
Wagner assusta-se ao ver os filhos brincando
na piscina.
― Quem liberou vocês do castigo?
Adriano estufa o peito e sai da piscina, indo
encarar o pai.
― Foi a Yolanda. Ela mesmo sendo sua amante
tem pena da gente. Não sei o que ela viu em um homem feito o senhor. Um monte de merda.
― Ela vê charme. Coisa que você não tem. Yolanda é uma cachorra submissa. Assim como
a sua mãe foi e todas as mulheres que eu desejar. ― sussurra.
Adriano cospe no rosto do pai, que revida com
um forte murro em seu rosto. Adriano quase cai para trás.
― Já te disse pra me respeitar. Eu me
arrependo amargamente de não ter mandado a sua mãe fazer um aborto. Aliás, na
gravidez dos três. ― Aponta para Alessandra e Alex, que estão dentro da
piscina.
― Papai… Só não te mando ir tomar naquele
lugar por que sei que você vai gostar. Veadinho encubado!
― Caçoa de mim. Caçoa. Você não tem provas.
Você pode falar o que quiser de mim, mas se não provar, meu filho, é mesmo que
nada. Só te digo uma coisa: seus dias aqui nesta casa estão contados.
Adriano volta pra piscina e Alessandra
pergunta:
― Do que vocês estavam falando? Ele te bateu.
Tá doendo muito?
― Tá tudo bem minha irmã. Vamos voltar a
brincar. Não fica triste, mamãe não ia gostar. Pensa que ela tá ali, naquela
cadeira, tomando sol, como ela sempre fazia todas as manhãs.
Adriano aponta para a cadeira. O pequeno
Alex, sentado na beira da piscina dá um sorriso.
***
Yolanda estoura um dos champanhes e se
estica no sofá. Wagner a observa por alguns instantes e depois a interrompe.
― Quem te mandou se meter na minha vida, hein
sua vagabunda?
― Seus filhos estavam agonizando de fome!
― Que eles se fodam!
― Você é mau, Wagner.
― Eu? Imagina se você me conhecesse
totalmente!
Wagner agarra Yolanda pelos cabelos, mas tem
uma crise de tosse novamente e fica sem ar.
― Wagner? Wagner?
Ela nota um fio de sangue descendo da boca do
amante.
― Você gosta de apanhar, não é cachorra. ―
Ele limpa o sangue com as costas do braço.
― Fiquei preocupada. Afinal, você é o pai do
meu filho. ― ela pega na barriga.
Wagner sai.
***
Wagner procura o motorista Leoni para
propor-lhe algo indecente, mas oferece muito dinheiro.
― Ma... matar a Yolanda, senhore?
― Lembre-se: estou te oferecendo essa quantia
aqui. ― abre uma mala cheia de dinheiro.
O
que eles não sabem é que Yolanda está escutando tudo por trás da porta.
― Então, Leoni. É pegar ou largar.
― É piu denaro!
― Sim, é muito dinheiro. É uma oportunidade
única na sua vida. E a única coisa que você tem que fazer é dar um fim naquela
cachorra.
― Ma... ma …
A noite chega e Yolanda não tem escolha a
não ser fugir daquela casa. Ela arruma todos os seus trapos dentro de uma
sacola e sai. Leoni, que está acordado contando o dinheiro, escuta o som da
porta dos fundos e corre. Ele saca um revólver do bolso e segue Yolanda.
Ainda no jardim da casa ela sente uma
presença. Olha para trás e vê Leoni com a arma apontada pra ela.
― Vai embora, Leoni!
Ele põe o silenciador e dá um tiro, mas por
causa do seu nervosismo não acerta a empregada. Ela pega uma pedra e joga na
direção do motorista, que cai. Yolanda aproveita a oportunidade e foge.
A mulher, já do lado de fora vê um táxi e
dá sinal. O carro para.
― Por favor, me ajuda! Tem alguém me
seguindo tentando me matar!
― Entra aí. — responde o taxista.
Leoni se recompõe e pega o carro de Wagner
na garagem. Ele vê Yolanda pegando o táxi e o segue.
A
perseguição é tamanha. Enquanto ele dirige, ele atira no táxi ao mesmo tempo.
Yolanda se abaixa e o inocente taxista faz o máximo que pode. Em um descuido,
Leoni não vê uma vaca que passa na frente do carro e tenta desviar o caminho.
Seu carro cai do alto de um precipício, e explode ainda no ar.
***
A notícia da morte de Leoni não choca nem
um pouco Wagner. Pelo contrário, o deixa furioso por ele não ter feito o
combinado e ainda por cima gasto uma boa grana por isso e ainda ter perdido o
seu carro. Felizmente ― para ele ― Wagner conseguiu pegar de volta a tal grana.
Ugo vai até o homem perguntar pelo pai.
― Senhore Wagner... dove
mio babbo?
― Seu pai? Oh, Ugo. Mais cedo ou mais tarde você teria que saber
disso... — diz Wagner, em um tom que chega a ser sádico.
― Do que está a parlar? A última vez que eu o vi, ele estava contando uma grande
quantidade de denaro. Perguntei da
onde era aquilo e…
― Leoni foi embora, Ugo. Eu dei aquele
dinheiro para ele ir embora e te deixar aqui. Ele fugiu com a Yolanda, aquela
ingrata. — mente.
― Mio babbo
me vendeu?
― Não! Olha, você pode ficar aqui. Vou te
tratar como filho e…
― Io non quero
ser tuo figlio! Io quero mio babbo! Mio verdadeiro babbo!
― Eu sou seu dono agora!
― Io non so tuo
escravo!
Wagner passa lentamente a mão direita nos cabelos do rapaz, que
chora de raiva pelo pai tê-lo abandonado.
― Fique aqui, será melhor. ― diz o homem.
Ugo corre
até o quarto e chora. A partir dali ele teria que viver nas garras do monstro Wagner.
O terror da sua infância e da sua adolescência.
***
Yolanda conseguiu abrigo na casa do taxista
que arriscara sua vida para salvá-la. Ela foi bem recebida por sua mulher, que
deu comida e uma cama, pelo menos por aquela noite. No dia seguinte, Yolanda
reuniu suas coisas e saiu bem cedo, para não incomodar aquela família tão
bondosa.
― Minha filha, essa foi por pouco. Mas se
for preciso, eu dou minha vida por você. Ingrid… Você há de ser uma menina. Eu
vou te esconder desse homem tão ruim que é o seu pai. E vou lutar para que você
venha a esse mundo numa situação melhor, que você viva melhor do que eu vivi.
Nós vamos ser muito felizes... ― diz Yolanda, pondo a mão na barriga.
Yolanda entra em um ônibus e parte para um
lugar que nem ela sabe.
***
Wagner já está se tornando o terror de todas
as crianças daquela casa. Ele faz questão de falar ao telefone na frente dos
seus filhos, revelando-lhes o destino deles. Alessandra está com o pequeno Alex
nos braços, enquanto Adriano ouve música no seu toca-fitas.
― Adriano... é melhor você tirar os fones
do ouvido. Presta atenção no que o pap... No que o Wagner tá falando no
telefone. — Recomenda Alessandra.
Wagner faz questão de falar bem alto:
― Então você pode vir buscá-los? Já fiz a
matrícula do Adriano no colégio interno e o nome da Alessandra já está no
convento da Irmã Maria de Fátima. Não, não sei ainda o que farei com o Alex.
Provavelmente ficará mais alguns anos aqui comigo até que cresça mais um pouco.