
Capítulo 16
Lucas olhava para o antigo relógio de parede quando os três ponteiros se
juntaram à meia-noite e a primeira badalada soou. No mesmo instante, algo
aconteceu: as luzes todas se apagaram. Enquanto todos se perguntavam o que
estava acontecendo, um estampido forte se fez ouvir e a porta do hall de
entrada simplesmente veio abaixo.
- Polícia!!! – um grito soou e alguns homens invadiram a sala.
Dante e os dois homens encapuzados alcançaram seus rifles e o tiroteio
começou.
Compreendendo imediatamente a situação, Lucas forçou todo o corpo para
trás e derrubou o sofá. Dunga, Vanessa e o bebê caíram desajeitados, sem
entender o que estava havendo. O sofá virado salvou-os de alguns tiros, tempo
suficiente para Lucas proteger Vanessa e o bebê que chorava copiosamente e
arrastá-los dali pelo corredor que terminava na cozinha.
- Dunga, vem! – chamou Lucas ao ver que o cunhado ainda estava ficando
para trás. Alguma coisa o detinha. – Vanessa, vai... salva o bebê e vai...
Lucas ficou observando Vanessa se afastar por alguns segundos e virou-se
para voltar. A sala estava no caos: escuridão que só era intercalada por flash
de tiros a esmo. Havia um homem gritando, mas Lucas não conseguia descobrir se
era um policial ou um dos bandidos. Amélia gritava alguma coisa também, em
algum ponto, mas ele não conseguia escutar direito o que ela dizia por causa
dos disparos. Agachado, Lucas aproximou-se de Dunga, apalpando-o. Ele
estava deitado de barriga para o chão. Temendo pelo pior, Lucas o virou. Mesmo
naquele breu, a tênue luz que vinha de uma das janelas e os flashes dos tiros
foram o suficiente para que Lucas detectasse a ferida: uma bala havia atingido
Dunga na cabeça. Ele morrera instantaneamente.
(...)
- NÃO!!! NÃO!!! – gritou Liz desesperada ao ver a imagem noturna no
monitor que ela e Cartumis vigiavam: Dunga estava morto! – Não, não pode ser!!!
Ela abriu a porta da Van e correu em direção a Mansão. Antes mesmo de
entrar nos jardins, alguma coisa a atingiu e ela caiu. Debateu-se para virar e
estapeou quem a atingira: era o policial Cartumis.
- Largue-me... meu irmão... meu irmão... – choramingou Liz, mas o
detetive a segurava firmemente.
- Seu irmão está morto! E se você entrar lá vai morrer também, moça.
Então você vai ficar aqui, porque eu estou mandando!!! – falou Cartumis de
forma incisiva. Liz parou de resistir, mas debulhou-se em lágrimas.
- Não pode ser... não pode ser...Ele é a única pessoa que eu tenho no
mundo... não pode ser... diga que não é verdade. Diga que ele está bem...
- Ele está morto, Senhora!
Liz sentou-se e abraçou o policial Cartumis, enterrando o rosto em seus
braços.
- Eu causei tudo isso! Se eu não tivesse trocado com Alis, ele ainda
poderia estar vivo! Eu matei meu irmão. Matei meu irmão!
Alex envolveu Liz para tentar confortá-la. De onde estava, Cartumis
podia ver os flashes de tiros na sala de estar pela janela. Aquela ação não
fora tão bem sucedida quando esperava, mesmo com a ajuda de Alis. Só esperava
agora que ela o tivesse obedecido. O combinado era que, depois de desligar as
luzes para facilitar a invasão, Alis fugiria da mansão e ficaria a salvo.
Isso, entretanto, estava longe de acontecer.
(...)
Lucas Jr. Choramingava no colo de Vanessa que, desesperada, corria em direção a porta dos fundos. Antes que pudesse chegar até a saída, contudo, viu que a cozinheira e duas empregadas jaziam mortas no chão. Vanessa estava se perguntando antes se elas haviam escapado, mas aí estava a resposta. Com apenas 19 anos, Vanessa nunca antes tinha visto alguém morto e a imagem de três pessoas mortas a travou. Estava ali, parada, com o bebê na mão, quando alguém a envolveu.
A princípio, Vanessa gritou, mas ficou aliviada ao ver que eram dois
policiais que haviam dado a volta e entrado pelos fundos. O acesso pelos fundos
não era assim tão fácil. Por um lado havia o labirinto verde que fazia qualquer
um se perder e por outro o caminho era muito longo, pois era a parte mais
complexa da mansão com dois muros de cerca viva, por onde os policiais haviam
vindo.
- Oh, graças a Deus. – falou ela.
- Venha comigo, senhorita! - falou um dos policiais, conduzindo
Vanessa para fora.
O outro policial correu em direção a sala, mas antes que pudesse entrar
no breu e no caos que a envolvia, um bala veio em sua direção e o policial caiu
morto no mesmo instante.
(...)
Lucas estava pensando em retomar o corredor que dava para a cozinha, mas
quando viu um policial ser atingido antes mesmo de chegar a sala, achou melhor
continuar agachado atrás do sofá, observando a fonte daquele tiro. Mais alguns
flashes apareceram em pontos diferentes da sala. Tentando ler aquele caos,
Lucas pensou que para o lado da porta da frente, duas pessoas – dois policiais,
provavelmente – atiravam. Alguém atirava de algum ponto perto de onde Lucas
estava e ele imaginou que fosse Dante ou um dos bandidos. Havia outro ponto,
mais distante onde outro bandido atirava. Amélia chorava e xingava em
algum lugar no meio da sala. “Minha perna”, parecia estar dizendo ela. No
corredor por onde Vanessa havia fugido, vinha uma luz de algum lugar. Aquela
luz permitiu um dos bandidos ver a silhueta do policial. Então, se fosse por
ali, alguém o veria. E se tomasse outra direção? Talvez a escada para o segundo
andar?
Lucas começou a se movimentar ainda agachado. Ao chegar ao pé da escada,
subiu os degraus como um gato até ter certeza de que ninguém poderia vê-lo ou
prestar atenção nele.
Foi em direção ao quarto de Alis imediatamente. Precisava vê-la, mesmo
que fosse uma última vez. Antes de abrir a porta, segurou a respiração e se
preparou.
Assustou-se. Estava escuro ali também, mas não tanto. Mesmo no breu,
conseguiu perceber que o quarto estava vazio. Foi ao closet e ao banheiro.
Havia um cheiro ácido no ar, mas não havia nenhum corpo. E se...?
Não. Lucas não poderia se iludir. Talvez Amélia a tivesse assassinado em
outro lugar da casa. Agora não poderia sair procurando. Não podia simplesmente
imaginar que ela tivesse vomitado o maldito veneno e estivesse, como num
milagre, caminhando viva por aí. Até porque, aonde Alis iria? Uma rajada de
vento assolou seu rosto. Lá fora, a chuva começava a engrossar. Foi então que
se deu conta de que a janela do quarto estava aberta.
Aproximou-se do parapeito. E se....?
Não, estava se auto iludindo. O segundo andar ficava a uma distância
considerável do chão para uma garota pular. Debilitada, com um dos braços
engessados, acometida com veneno, Alis jamais seria capaz de realizar tal ato.
Não a Alis. A pobre moça que aprendera tanto a conhecer. Mesmo que ela tivesse
sobrevivido ao veneno, Alis estaria tremendo encolhida em algum canto, rezando
para que alguém a ajudasse.
Observar a noite lá fora, deu-lhe a ideia de pular, o que parecia ser a
única alternativa de fuga daquele caos havia se instaurado em seu lar. Ele
mesmo pulou a mureta, equilibrou-se no parapeito e, mirando a árvore, pulou.
Com maestria, seus pés apoiaram-se nos galhos e ele pulou da arvore, alcançando
o chão, sem se sujar muito.
Dali tinha duas alternativas: entrar no labirinto para sair pelos
jardins da frente ou dar a volta pelo outro lado. Era mais rápido tentar o
labirinto, mas resolveu ir para o outro lado. Era por ali que Vanessa sairia se
tivesse conseguido e precisava checar seu filho.
Caminhando naquela direção, passou pela janela do porão e percebeu
que havia sido quebrada. Talvez um policial tivesse entrado por ali. Talvez até
um dos bandidos. Não parou para descobrir e seguiu em frente.
(...)
Alis sentiu uma sombra passar pela janela do porão e olhou para fora. Estava tão escuro ali dentro que lá fora parecia ser quase dia. Olhou atentamente, mas pensou que não era nada e voltou a apurar seus ouvidos para o que acontecia lá em cima, dentro da mansão.
Estava impaciente. O policial Cartumis dera-lhe a ordem de sair do porão e fugir para longe da mansão, mas Alis não podia simplesmente fugir quando Lucas e o bebê pudessem estar em perigo.
Resolveu então subir.
A porta do porão era uma das portas do corredor que dava por um lado na
cozinha e do outro na sala de estar. Estava muito escuro. Não conseguia divisar
nada na sala. Com cuidado, escorando-se na parede, foi se aproximando, tentando
ver algo, tentando ver Lucas.
Um vulto se agigantou no fundo do corredor em direção a ela.
- Lucas? – sussurrou ela, rezando para que fosse ele. Mas o vulto não
pronunciou nenhum som e continuou a se aproximar.
O coração de Alis disparou e ela deu dois passos para trás. Pensou em
fugir, em retornar para o porão. Virou-se para correr, mas dois braços a
seguraram e a empurraram contra a parede.
- Ora, ora ora!!! Você é teimosa, moça... já devia ter morrido, não?
Alis reconhecia aquela voz. Era Dante. Ele a segurou com uma das mãos e
abaixou a outra, percorrendo por seu corpo. – Você ferrou comigo, agora chegou
a vez de ferrar com você, garotinha!!!
Alis virou-se, empurrando Dante com toda a sua força. Levantou o braço
direito, o que estava engessado, e bateu com o gesso na cabeça de Dante. Aquilo
não foi uma boa ideia. Sentiu alguma coisa se partir novamente dentro do gesso
e uma dor percorreu pelo seu braço até atingir o ombro. Contudo, apesar da dor,
o golpe surtiu algum efeito, pois Dante cambaleou. Aquilo foi o suficiente para
Alis se afastar. Ela desceu as escadas do porão correndo e aproximou-se da
janela. Apoiou-se na beirada e enfiou-se pelo buraco da janela quebrada,
tentando chegar ao outro lado. Quando estava quase lá fora, sentiu uma mão
agarrar um de seus pés. Ela foi puxada com violência para dentro, mas antes de
cair, segurou-se na beirada. O vidro quebrado machucou suas mãos, mas Alis
segurou-se com força e chutou Dante.
Como ele a largou, Alis deu um impulso e subiu, desajeitada.
- Socorro! Socorro! – Alis gritou, na esperança de que algum policial a
tivesse ouvido. Ela fez menção em correr em direção aos fundos da casa e
dar a volta pelo lado inverso ao do labirinto para sair dali, mas antes que
pudesse ir naquela direção, Dante saiu da janela, colocando-se no seu caminho.
Alis não teve outra solução a não ser correr noutra direção: para o
labirinto verde.
Já estivera ali antes, passeando, conhecendo a casa. Não era um
labirinto tão difícil, era até divertido e bonito passear por ali. Mas naquela
noite, com a chuva banhando seu rosto, com o frio assolando seu corpo já
debilitado e com a pressão de estar sendo perseguida por um bandido, Alis tinha
medo de não conseguir achar a saída. Bastou alguns segundos para perceber que
não tinha a mínima ideia do caminho.
- Impostora!! Impostora!!! – Alis escutava a voz de Dante chamando por
ela, cada vez mais perto. – Vou adorar retalhar você...
Ele gargalhava. Mesmo debaixo da chuva, aquelas gargalhadas pareciam se
espalhar por todo o labirinto.
Alis cambaleou. Não podia parar. Apoiando-se na mureta viva, Alis
forçava um passo atrás do outro. Estava cansada. Seu coração parecia querer
sair pela boca e sentia-se mal. A respiração cada vez mais pesada. “Ah,
Deus, agora não, dai-me forças, meu Deus...”, dizia a si mesma.
Virou num curva e parou. O caminho estava fechado. Voltou desesperada para
tentar achar uma outra saída, mas Dante estava lá, com um sorriso retorcido no
rosto novamente colocando-se em seu caminho.
- Eu poderia te dar um tiro. – Falou ele, com um tom de voz gutural. –
Mas isso seria fácil demais. Por sua culpa, perdi milhões...
Ele tirou uma faca de dentro da roupa e se aproximou dela. Alis ficou
ali parada, esperando ele se aproximar. Quando Dante estava a um metro, tentou
desferir o golpe, mas Alis desviou e usou o seu corpo para empurra-lo. Dante
caiu sobre a mureta e deixou cair a faca em algum lugar. Mesmo assim, pulou em
cima dela e passou a desferir golpes em seu rosto. Dante respirou fundo e
levantou bem o braço, pronto para desferir um golpe fatal. Alis fechou o olhos
e esperou, mas nada a atingiu. Quando abriu novamente os olhos, viu que Lucas
segurava o braço de Dante.
- Larga ela! – falou Lucas, ele mesmo atingindo Dante no queixo.
Os dois começaram a lutar e foi brutal. Lucas estava obtendo vantagem,
quando Dante sacou um revólver e atirou nele. Alis gritou ao vê-lo cair no
chão.
Lucas levou a mão ao ombro. O sangue fluía de algum ponto. Levantou os
olhos para Dante. O bandido sorria e apontava a arma para ele.
Era o fim. A morte sorria para Lucas e ele sabia que não havia mais nada
que pudesse fazer. Esperou o tiro derradeiro quando Dante fez uma careta de dor
e caiu de bruços. Nas costas de Dante, uma faca estava cravada. Contra a luz da
lua, a figura de Alis apareceu, as mãos ensanguentadas, a camisola suja e
rasgada, os cabelos e o corpo ensopado. Era uma figura miúda, baixinha, frágil.
Entretanto, ela enfrentara o próprio Golias e o matara. Alis matara Dante,
matara Dante para salvá-lo. Alis enfrentara a morte, enfrentara a dor,
enfrentara tudo para salvá-lo... até mesmo suas crenças morais.
- Eu tive que mata-lo – falou Alis, num tom de voz diferente. Ela estava
triste e desabou no chão, sentada, o rosto enterrado nas mãos. Ela tremia e
Lucas não sabia se era de frio, de medo, de horror...
Tomado de compaixão, Lucas se aproximou de Alis e a abraçou. A
princípio, ela se enterrou no peito de Lucas, abraçando-o também. A chuva caía
sobre ambos e o frio parecia piorar, mas envolvidos naquele abraço, o calor de
um parecia irradiar ao outro e a dor que ambos sentiam em seus corpos pelos
ferimentos causados parecia amenizar.
Depois de alguns segundos, Lucas levantou o queixo de Lex, e lenta e
suavemente, aproximou seus lábios dos dela. Ele percebeu que ela havia segurado
a respiração, mas não parecia estar afastando-o, pelo contrário, ela ansiava
por aquele contato, tanto quanto ele. Seus lábios se tocaram de mansinho e
Lucas e Alis fecharam seus olhos. Lucas a puxou para mais perto de si e
acariciou seus cabelos molhados. Tinha medo de machuca-la, tinha medo de
assustá-la, mas Alis havia se entregado completamente ao beijo. E naquele
momento mágico, de amor, carinho e ternura sem par, coisa que Lucas jamais
havia provado de outra mulher, ele soube, tão certo como nunca estivera antes
que ele a amava... Ele amava a irmã de sua esposa...