quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Duas Faces no Espelho - Capítulo 14


Capítulo 14

Lucas já havia desligado a luz do abajur quando escutou a voz desesperada de Alis chamando por ele. Logo em seguida, escutou dois tiros altos, mas o som vinha de baixo. Assustado, ele levantou-se num pulo e lançou-se ao corredor, buscando entrar no quarto de Alis, mas antes que pudesse fazê-lo, sentiu alguma coisa atingir suas costas e desequilibrando-se caiu no chão. Lucas virou-se, rapidamente, pronto para revidar se precisasse, mas percebeu com horror que um homem vestido e encapuzado de preto apontava um rifle para ele.

- Desce! – falou o homem, indicando com a cabeça as escadas.

Lucas arqueou as sobrancelhas. Era uma voz conhecida, mas não conseguia lembrar quem era o dono daquela voz.

Apesar da ordem bem expressa, Lucas hesitou e olhou para a porta do quarto de Alis. Ficou imaginando se poderia dominar o homem e salvar Alis, mas quando fez menção em levantar, viu outro homem surgindo nas escadas logo atrás do primeiro.

- Vamos, desça. – falou o homem novamente.

Não havia como resistir. Mesmo que dominasse o primeiro homem, o segundo certamente o atingiria. Tomado de medo, olhou novamente para a porta do quarto de Alis e em seguida para o quarto do bebê.

- Anda... Vanessa e o bebê irão descer em seguida.

Lucas novamente ficou intrigado. Como o homem sabia o nome da babá? Era mesmo alguém conhecido, mas quem? Não poderia ser Dunga, a voz de seu cunhado era mais melodiosa e alegre enquanto aquela voz era profunda e séria.

- Se eu tiver que falar mais uma vez, esse corredor será o seu cemitério...

Diante dessa ameaça derradeira, Lucas levantou-se e encaminhou-se para as escadas. Ele seguiu na frente e o segundo homem desceu logo atrás dele. Já nas escadas, viu que havia dois homens mortos no hall de entrada e um terceiro homem encapuzado aguardava na sala de estar.

- Sente-se e não tente nenhuma besteira!

Lucas esperou muitos minutos apreensivo com o que acontecia lá em cima. Escutou barulho, mas nada que pudesse indicar o que estava acontecendo.

- Quem são esses homens? – perguntou o homem que o estava vigiando.

- Guardas! – respondeu Lucas. Na verdade, ele julgava que eles eram policiais, mas como Alex Cartumis não estava ali, tinha esperanças de que ele estivesse observando tudo e os ajudasse de alguma forma.

No mesmo instante, os dois homens desceram trazendo consigo Vanessa com o bebê no colo e Dunga que tinha um corte feio na testa.

Vanessa e Dunga sentaram-se e Lucas pegou o bebê, abraçando-o.

- Eu conheço o guarda da noite. Era aquele que estava na guarita. Então, quem são esses caras? – falou o homem cuja voz Lucas reconhecia.

- Eu os contratei hoje... – respondeu Lucas e em seguida, virou-se para Dunga e Vanessa - Onde está Alis?

- Quem? – perguntou Dunga, confuso.

- Liz... onde está Liz? – Lucas reiterou a pergunta.

- Não vi! – respondeu Dunga. Vanessa apenas concordou meneando a cabeça – Você viu mamãe? Será que ela está bem? – Dunga parecia genuinamente preocupado com Amélia, o que a princípio descartava a sua participação naquela emboscada.

- Estou bem! – disse uma voz no alto da escada. Dunga, Lucas e Vanessa olharam para onde Amélia estava. Ela descia calmamente a escada. Parecia completamente diferente. Antes ela tinha uma vozinha suave a agradável e parecia sempre tímida e recalcada. Agora, descia confiante e sedutoramente. – Estou maravilhosamente bem, apesar dos contratempos.

- Então era você o tempo todo? – perguntou Lucas, devolvendo o bebê (que dormia) ao colo de Vanessa.

- Era você o que? O que tá acontecendo? – cochichou Dunga, sem entender nada.

- Você sempre foi um idiota mesmo! – falou Amélia, aproximando-se de Dunga. – Era eu mesmo: eu tentei matar Liz, ou ... devo dizer... a impostora?

- Impostora? – repetiu Dunga, sem entender nada.

- Você sabia da troca! – constatou Lucas olhando com raiva para Amélia. Ela o enganara o tempo todo fazendo o papel de mãe preocupada.

- Desconfiava... mas só soube mesmo depois do acidente. É claro que eu tive uma ajudinha.

Amélia levantou os olhos em direção a um dos homem encapuzados. Era o que havia batido em Lucas no andar superior. O homem deu um sorriso irônico e em seguida tirou a mascara de esquiar.

- Dante! – falou Lucas. Era mesmo a voz de Dante que Lucas tentara reconhecer antes.

- Dante! Mamãe... o que é isso tudo? O que vocês estão fazendo? – falou Dunga, confuso.

- Eu já tinha sacado a troca no dia da homenagem do velho Eagleton. Eu peguei a impostora no labirinto e forcei um beijo. A idiota agiu como se fosse uma virgenzinha estúpida. Além disso, Liz nunca faltou a um de nossos encontros amorosos. Ah, Trevor, sua esposinha tem fogo entre as pernas. Não tem ideia do que nós fizemos juntos. – Explicou Dante com um sorriso debochado no rosto.

- E Alis, onde ela está? – perguntou Lucas, preocupado. Não tinha visto Alis e havia escutado aquele grito. Será que havia mais algum dos homens de Amélia na casa?

- Ah, então esse é o nome da vadia? – perguntou Dante, aproximando-se de Amélia e, puxando-a, grudou em seus lábios, num beijo demorado. Amélia agarrou as nádegas de Dante e fez questão de puxá-lo para mais perto de si. Amélia sempre foi elegante e nobre. Agora, parecia uma mulher completamente diferente. Anos de convivência poderiam ter ocultado sua verdadeira personalidade?

- Onde ela está? – perguntou Lucas, novamente, sentindo o medo se abater sobre cada fibra de seu ser.

- Está morta! – falou Amélia, separando-se de Dante para aproximar-se de Lucas. – Cianeto. É um veneno bem doloroso. Nem precisei forçar a segunda dose. A idiota estava tão abatida com o acidente que apagou logo.

Lucas abaixou a cabeça. Desejava ardentemente que aquilo tudo fosse mentira. Havia falhado em proteger Alis. Ela havia sofrido tanto durante toda a vida e agora que poderia ter uma chance de ter uma vida diferente, sob a proteção dele, ele falhara com ela. Simplesmente não podia acreditar. Não podia acreditar que nunca mais veria aquele sorriso tímido, aqueles olhos sinceros e o jeito frágil e carinhoso que ela tinha.

- Alis... – balbulciou Lucas, olhando para cima, na direção do quarto ocupado por ela e sentiu seus olhos ardendo. Não era um homem de chorar. Na verdade, nem lembrava da última vez que havia chorado, mas agora não pode controlar-se e sentiu os olhos marejados.

- Quem diabos é Alis? Que merda tá acontecendo aqui? – falou Dunga ao lado dele, tirando Lucas do devaneio.

- Você não vai escapar dessa! Eu já sei de tudo, sei que milhões foram desviados de Eagleton. Foi você esse tempo todo não é? Eu achei que era Liz, mas era você, não é? – falou Lucas, tomado pela raiva.

- A ideia foi muito simples na verdade. Quando eu percebi que Eagleton iria desperdiçar todo o dinheiro em ações sociais, eu tive que desviar. É claro que ele sacou e eu tive que mata-lo. – explicou Amélia num tom melindroso e perigoso ao mesmo tempo - O problema é que Liz também descobriu. E ela descobriu onde estava o dinheiro, o que foi pior. Eu fui tola em guardar num cofre de banco em títulos ao portador. Ela descobriu a chave e me roubou e depois colocou Alis aqui no lugar dela, porque sabia que eu tentaria mata-la. Liz até arranjou um falso assaltante para denunciar ela mesma. – isso explicava a testemunha que colocava Lex na cena do crime, pensou Lucas, enquanto Amélia continuava - Só que não era Liz e sim a impostora que foi fichada na polícia como Liz. Se ela morresse, Liz ficaria viva e com o meu dinheiro. Eu não podia imaginar que esse era o plano e inutilmente tentei o maldito acidente. Fiquei uma semana com dor de cabeça por causa do maldito acidente e a idiotinha continuou viva, bem, não por muito tempo.

Tanto Amélia, quanto Dante sorriram.

- Foi no hospital que eu tive a prova de que Liz havia trocado de lugar com uma impostora. O registro médico da impostora era completamente diferente de Liz que nunca havia quebrado um só osso antes. – explicou Dante. – Então soubemos que havia chegado a hora de tentar algo mais radical.

- Liz virá essa noite e vai me entregar todo o dinheiro. Depois, eu matarei todos e Liz será a única culpada. Não é perfeito? – Amélia disse, gesticulando como se ela estivesse contando uma piada.

- Esse seu plano não vai dar certo. – falou Lucas.

- E porque não? – perguntou Amélia e Dante juntos.

- Por que Liz não vai vir! Por que ela cairia nessa armadilha besta? – perguntou Lucas, tentando provocar Amélia.

- Ora, querido. Eu mandei uma mensagem ao email da Liz. Eu sei que ela tem monitorado as mensagens dela. Disse a ela que se ela não viesse até a meia-noite, eu iria matar a coisa que ela mais ama nesse mundo.

- Bem, está enganada! – replicou Lucas. – Liz não liga para mim e nem para o próprio filho. Liz não liga para ninguém a não ser para si mesma.

- Sinto dizer isso, mas não é você, amor! – explicou Amélia e seu olhar virou em direção a Dunga. – Liz é uma filha da puta ingrata, mas na verdade, ela adora esse idiota e sei com certeza que ela virá. Sabe que os dois transaram juntos? Isso é doentio. Eles foram criados como irmãos!

- Nós somos irmãos, sua bruxa! – falou Dunga, com olhos lacrimejados. – Tivemos as nossas brincadeiras, mas ela é minha irmã e eu a amo. E se não fosse por Liz, minha vida teria sido um inferno, pois você nunca foi uma mãe decente.

Amélia sorriu, levantou o braço e desferiu um golpe no rosto de Dante que choramingou assustado.

- Cale a sua boca, idiota! Eu nunca quis ter filhos. Eagleton me obrigou. E saiba que você foi a pior coisa que poderia ter me acontecido. Mas isso tudo vai mudar. Eu não aguento mais esse fingimento, essa vida dupla que tenho vivido a tanto tempo. É como se eu tivesse duas faces. Duas malditas mascaras o tempo todo. Eu não aguento mais... mas agora vou mostrar a minha verdadeira face, a minha única face que vai ser a última coisa que você verá, Dunga. E vou adorar ver você morrer, você e sua amada irmã... que deve estar chegando em breve – adicionou Amélia, olhando para o relógio de pulso. – Aproveite os últimos minutos de vida.

(...)

Liz olhou para o relógio digital do velho carro de Brade. Faltava apenas vinte e cinco minutos para a meia noite. Uma chuva fina havia começado a cair e agora engrossava. Ela não prestava muita atenção na estrada, concentrada em seus próprios pensamentos. Por isso, teve que frear em seco quando percebeu que uma viatura de polícia fechava a estrada para a mansão Trevor.

Desesperada ela saiu do carro, acenando como uma louca:

- Hei, hei!!! Tire a merda do carro da estrada, eu estou com pressa.

- Senhora, acalme-se! – falou o policial que aguardava atrás da viatura.

- Você sabe quem eu sou, seu idiota? Tire a merda da viatura da frente!

- Senhora Trevor! – falou um outro policial saindo de uma van estacionada atrás da viatura. – Eu sou o detetive Alex Cartumis, precisamos conversar.

- Será que dá pra tirar a viatura do caminho, preciso chegar até a minha casa. É urgente!

- Sei disso, Sra. Trevor! – falou o detetive. – Sei que sua mãe adotiva está com seu irmão, seu marido, seu filho e a babá de reféns e é por isso que a senhora precisa vir comigo.

- Sai da minha frente infeliz. Se eu não chegar na mansão até a meia noite ela vai matar meu irmão...

- Sim, sabemos disso. Tenho áudio e vídeo da situação. Há uma equipe especializada vindo para cá nesse momento e a mansão será invadida exatamente à meia-noite.

- Mas meu irmão vai morrer...!!! – replicou Liz, sentindo as lágrimas misturando-se a água da chuva.

- Se você for até a mansão, seu irmão, você e todos da casa irão morrer. Nossa única chance é a ação.

- Merda! Merda! Tá tudo dando errado! – falou Liz.

- Tem mais, sra. Trevor! Sua irmã, Alis Brade, não temos a confirmação visual, mas... acreditamos que ela está morta!

(...)

Se era a morte, Alis não sabia, mas sentia aquele torpor percorrendo seu corpo, mas concentrando-se em seu estomago. Era ali onde estava o ponto crucial, a dor, o impulso, a contração. E de repente, como se emergisse de um lago profundo, negro e enregelante, despertou do seu desmaio e no mesmo instante, uma golfada brotou de sua boca. Ela vomitou sobre a colcha e os lençóis finos. Esgueirou-se para fora da cama e novamente vomitou incontrolavelmente no chão como se tivesse ácido no estomago. Tentou levantar-se, mas não conseguiu. E agora seu peito reclamava com a respiração pesada.

Arrancou a tipoia do braço engessado e arrastando-se foi até o banheiro. Vomitou novamente na privada. O conteúdo misturava sangue e uma gosma esverdeada. Tentando recobrar a consciência e a respiração, Alis arrastou-se até a banheira e com esforço abriu a torneira e levou seu rosto. O contato da agua ajudou-a a se recuperar um pouco. Tentava lembrar-se do que havia acontecido. Amélia havia atentado contra a sua vida. E ela precisava alertar Lucas. Tirando forças de onde não imaginava que tinha, Alis ficou de pé e tonteando, caminhou até a porta e saiu para o corredor. A princípio, tinha a intenção de ir até o quarto de Lucas que ficava próximo da escada, mas como ouviu vozes lá de baixo, esgueirou-se pela parede até ter a vista da sala de estar. Levou a mão a boca quando viu a cena: Lucas, Dante, Vanessa e o bebê estavam sob a ameaça de dois homens encapuzados, Dante e o pior: Amélia.

- Ah, Deus do céu! – sussurrou Alis a si mesma. – Eu preciso salvá-los! Eu preciso salvá-los!

(...)

- A mim não parece que ela está morta, parece? – constatou Liz olhando o monitor, de dentro da van. Ela pôde ver quando Alis saiu do quarto e se esgueirou pelo corredor.

- Alis está viva! – falou Alex, sorrindo e, ao mesmo tempo, preocupado. Agora o que tinha a fazer era tentar mantê-la viva. Não sabia porque, mas sentia uma estranha simpatia por aquela pobre moça depois de saber de toda a sua história de vida. Por isso, além de tentar salvar aquela família, Alex sabia que precisava salvar Alis Brade.

Contudo, o tempo agora corria contra ele. Olhando para o relógio digital do sistema de segurança montado pelo falecido Roger, Alex percebeu que faltava apenas vinte minutos para a meia noite.