CAPÍTULO 09
Amélia e Dunga tinham acabado de sentar-se à mesa para tomar o café da
manhã quando a empregada adentrou a sala de jantar acompanhada por dois
policiais.
- Desculpe, Sr. Trevor. – falou a empregada. – Mas esses homens insistiram em entrar, dizem que têm um mandato.
- Viemos aqui dar a voz de prisão para a Sra. Liz Trevor! –Falou um dos
policiais, aproximando-se de Alis. Antes que ele pudesse a mão nela,
entretanto, Lucas já havia se colocado a frente dela.
- O que diabos está acontecendo aqui? – Lucas falou, num tom bastante ameaçador. Alis não sabia direito o que estava acontecendo, mas sabia que não era boa coisa.
- Temos um mandato. Se não nos deixar prender a Sra. Liz Trevor, iremos prendê-lo por obstrução à Justiça, Sr. Lucas. – falou o policial, sustentando o olhar penetrante de Lucas. Apesar de sustentar o olhar de Lucas, o policial parecia respeitoso tanto quanto poderia.
- Posso saber do que ela está sendo acusada? – perguntou Lucas, sem mover um só músculo do lugar.
- Ela está sendo acusada de ser a mandante do assassinato de Harry Eagleton.
- Oh, meu Deus, meu Deus... isso é um absurdo! – falou Amélia, levantando-se do lugar. – Minha filha jamais faria tal coisa... isso é um ultraje.
Apesar da comoção de Amélia e de Dunga que parecia tão abalado quanto a mãe, Lucas não conseguia se mover. Tentava pensar rápido. Seu advogado conseguiria retirar aquela mulher da cadeia com fiança, sendo Liz uma ré primária. O problema é que aquela mulher não era Liz. E se ela tivesse antecedentes? De qualquer forma, descobriria logo quem era a tal farsante. A não ser que ela não tivesse registro na polícia. Isso dificultaria um pouco as coisas. O mais preocupante era a tal acusação. Seria Liz capaz de matar o próprio pai. As circunstancias do assassinato de Eagleton foram bastante incomuns. Dunga havia reportado que os assaltantes sabiam onde ficava o cofre e sabiam onde Liz e Amélia escondiam as próprias joias. Mas ainda não podia crer que Liz fosse capaz de tal ato e, principalmente, não sabia até onde ia o envolvimento dessa ‘falsa Liz’ nessa história toda.
- Não há nada com que se preocupar – disse Lucas, depois de alguns segundos. – Vamos até a Delegacia e tenho certeza que tudo irá se resolver. Agora, o melhor a fazer é obedecer ao policial. Venha, Liz... – disse Lucas, segurando-a pelo braço.
- Mas Lucas... ? - protestaram Dunga e Amélia.
- Tenho certeza que meu advogado esclarecerá essa situação... – falou Lucas para abrandar Amélia e Dunga. Ele, na verdade, não tinha tanta certeza do que poderia acontecer e se seu advogado, sempre tão competente nos problemas judiciais da empresa seria capaz de assisti-lo agora que tinha problemas criminalísticos.
- Seria possível que eu levasse Liz ao invés dela ser levada num carro da polícia? – perguntou Lucas aos policiais, mas nos rostos dos oficiais estava estampada a negativa.
Lucas não teve outra alternativa a não ser entregar a ‘falsa Liz’ aos policiais que a encostaram na parede e puseram algemas em seus pulsos.
- Isso é realmente necessário, senhores? – perguntou Lucas, incomodado com toda a situação, principalmente, ao ler nos olhos da misteriosa moça o quanto ela estava confusa e amedrontada com a situação. Não havia o que fazer e, impotente, ele deixou que a levassem para longe dele.
Alis já havia estado na Delegacia de Polícia. Claro que nunca passara do segundo andar que era o setor de atendimento especial a mulheres e crianças vítimas de abuso e violência doméstica. Brade trabalhava no sétimo andar, no setor de entorpecentes. Agora, na pele de Liz Eagleton Trevor, fora encaminhada ao quarto andar que era a central de Homicídios.
Primeiro ela foi levada a uma sala toda fechada, onde esperou por muitos minutos. Depois de quase uma hora, os dois homens que a prenderam entraram na sala e passaram a lhe fazer perguntas sobre o que ela havia feito no dia em que Harry Eagleton fora assassinado. Alis não sabia o que responder. Mas aquela brincadeira entre Liz e ela já havia ido longe de mais. Entretanto, entre revelar a verdade e aguardar, decidiu pela última opção e com o pouco que sabia sobre leis, disse que não falaria nada sem a presença de um advogado.
Depois disso, os policiais registraram Alis, colhendo suas digitais. Ela ficou um pouco apreensiva nesse momento, pois não sabia como tudo aquilo funcionava, mas se suas digitais estivessem registradas em algum lugar, os policiais descobririam que ela não era Liz na verdade e a situação poderia ficar ainda mais complicada para sua irmã que estava sendo acusada de homicídio e para ela que, com certeza, seria acusada de falsa identidade. Ah, gostaria que Liz pudesse estar ali, certamente sua irmã já teria esclarecido toda aquela situação.
Apesar de suas apreensões, nada de novo aconteceu e Alis então foi encaminhada para a cela. Ela ficou numa sala separada das outras detentas. Até onde sabia, Liz não tinha faculdade e, portanto, não tinha direito a uma cela só para si. Entretanto, Liz era uma Eagleton Trevor e aquele nome deveria estar fazendo alguma diferença, o que era meio injusto, pensava Alis, mas estava tão assustada e amedrontada que, ao invés de se levantar contra essa injustiça, agradeceu aos céus por ela.
Não foi a pior noite da sua vida. Certamente o mês que ela passara algemada na cama e sendo constantemente torturada por Brade foi coisa muito pior do que passar a noite numa cela gelada, mas também não poderia dizer que a noite fora boa.
Cedo, porém, um policial veio tirar-lhe da cadeia. Depois de passar por muitos corredores, Alis finalmente veio dar numa sala, onde Lucas a esperava ao lado de um homem aparentemente mais velho, que ela imaginou se tratar do advogado da família.
- Você está bem? -Lucas perguntou, envolvendo-a com um abraço.
Alis não respondeu, apenas meneou a cabeça e tentou esboçar um sorriso. Depois, deixou a cabeça pender para o lado dele que a puxou para mais perto de si. Ele pareceu ter entendido que ela não podia ou não queria falar no momento pois não repetiu a pergunta.
Ainda envolvendo a ‘falsa Liz’, Lucas saiu da sala em que a aguardava e encaminhava-se para a saída quando um policial do nada, interrompeu o caminho, olhando curioso para a garota.
- Alis? Alis Brade? O que está fazendo aqui novamente. Se seu marido descobre ele te mata dessa vez, você sabe! – falou o policial que parecia genuinamente preocupado.
Alis gelou no mesmo instante e Lucas percebeu que ela havia ficado mais tensa. Seria esse o verdadeiro nome da garota? Alis Brade?
-N-não... m-meu nome não... não é A-alis... – falou Alis, enrolando-se com as palavras. – Meu nome é Liz Trevor. Este é meu marido. –Alis olhou para Lucas como se pedisse ajuda. Seus olhos levemente marejados.
- Algum problema, policial? – perguntou Lucas, intervindo em favor da garota.
O policial franziu o cenho e aproximou o rosto da face da ‘falsa Liz’ como que para avaliar seu rosto. Lucas percebeu que Alis jogou o cabelo sobre a cicatriz que ela tinha na têmpora. Certamente aquilo a implicaria.
- Nossa! Você é igual a alguém que eu conheço. – falou o policial. – Mas a Alis que eu conheço jamais usaria essa roupa chique...
Depois de avaliar Alis ainda uma última vez, o policial sorriu, pediu desculpas e depois sumiu num corredor.
Lucas ainda perdeu um minuto ou dois observando a garota que agora Lucas havia descoberto que se chamava Alis Brade. Ela parecia lívida, prestes a desmaiar novamente.
Lucas a guiou até o carro que ele costumava dirigir e abriu a porta do lado do passageiro para que ela entrasse.
- Você está abatida, Liz. Tem certeza de que está bem? –perguntou ele,
ao entrar no carro, antes mesmo de dar a partida.
- Estou bem, sim. Apenas com fome e um pouco cansada. –respondeu ela, ainda preocupada com a desconfiança daquele policial. Ela não o conhecia direito na verdade. Era um dos amigos de Brade, um dos que a convenceram a não prestar queixa contra ele. Entretanto, de todos os policiais, que foram na sua maioria coercitivos, aquele fora o mais bondoso, o único que levou água para Alis e perguntava o tempo todo se ela estava bem.
- Logo estaremos em casa. Você poderá descansar, então. Se precisar, chamaremos Dante.
Dante era a pessoa que menos precisava ver naquele momento, mas obedientemente Alis não respondeu nada.
Lucas guiava o carro com destreza apesar de estar um pouco acima da velocidade que Alis estava acostumada. Claro que também andara de ônibus sua vida inteira e depois, só andara de limusine que Raul guiava numa velocidade bem inferior que Lucas usava. Entretanto, era gostoso sentir o vento no rosto como se estivesse lavando a sua alma de ter passado a noite na cadeia, assustada com a ideia de ter sua liberdade mais uma vez tolhida pelo destino. Lucas diminuiu um pouco a velocidade ao entrar na rua que desembocava na mansão Trevor, afinal, a rua circundava uma pequena colina com alguns trechos de barranco. Ao longe, Alis avistou um carro que vinha em alta velocidade. Nem Lucas nem Alis poderiam ter adivinhado o que iria acontecer, mas o carro bateu com força no lado do carona, o lado de Alis. Alis foi jogada para frente, mas o cinto travou-a no lugar ao mesmo tempo em que Lucas tentava controlar o carro que se perdeu e, atingindo o limite entre a rua e o barranco, despencou. Com a violência, o carro capotou enquanto rolava o morro abaixo. Apavorada com o que acontecia, Alis tentava em vão segurar-se em algo e só pensou em Lucas. Não queria que ele se machucasse. Foi um segundo, e o quando o carro finalmente encontrou o chão, Alis sentiu uma forte dor em algum ponto de seu corpo. Ela entreabriu a boca e quis gritar, mas nada saiu além de um breve sussurro, e de repente a escuridão tomou-a de assalto, trazendo imediato alívio.