segunda-feira, 10 de março de 2014

Alta Tensão - Capítulo 08




OITAVO CAPÍTULO

     As amigas tiram da moradia improvisada tudo o que podem. Os bombeiros foram acionados, mas estão demorando muito. Quando os profissionais chegam, já não resta mais nada a fazer a não ser impedir que o fogo se espalhe para os demais barracos daquela região.
     ― A gente vai ter que voltar para o lixão. — diz Ingrid, ainda com os olhos marejados, fixos no fogo que destruiu seu humilde lar.
     ― Por isso que dizem que sorte de pobre dura pouco. Mas nós, somos duas lascadas! Assim, não temos nem um pingo de sorte. — desabafa Cidinha.
     ― Mas temos fé. Um dia nós vamos sair dessa. — Ingrid segura os ombros da amiga. — Pra gente chegar ao topo, temos que começar de baixo. A gente não pode perder a fé.
Elas colocam as coisas salvas do incêndio dentro do carrinho de geladeira, antes usado para catar lixo e andam em direção ao lixão da cidade.
***
     ― Não acredito que eu voltei pra cá. O lugar que eu nasci, que eu passei minha infância e a minha adolescência miserável. Acho que a minha sina, o meu carma é esse lixão. — diz Ingrid, sentando-se no chão.
     ― Acho melhor a gente se arrumar por aqui.
     ― Ahã, eu não quero pedir abrigo pra ninguém.
     ― Você não quer procurar a Inês, a tal mulher que te criou quando sua mãe morreu?
     ― Melhor não. Fui muito injusta com ela fugindo de lá e eu tenho medo da reação dela quando me vir.
     ― Aqui um dia vocês vão se cruzar.
     ― Que seja. Vou estar preparada.
     As duas se arrumaram dentro de uma casa abandonada. Os ratos e as baratas tomavam de conta daquele local, mas as mulheres já estavam acostumadas com a imundície.
***


     Alex sai cedo do seu flat fedido e bagunçado com o seu fiel violão. Para em uma banca de jornal, tira alguns trocados do bolso e compra um cigarro, cujo acende na mesma hora. Em consequência disso, ele vê uma revista, e que é , por coincidência, a Flash, a qual seu pai é o dono. A capa da revista chama a atenção: uma “mulher fruta” com quase tudo de fora.
     ― “Flash Magazine”... Se eu fosse o Dr. Wagner teria vergonha! Onde já se viu. Essas mulheres aí que sói fazem rebolar o rabo não são artistas porcaria nenhuma!
     Alex arranca a revista do mostruário e a joga no chão, pisando em cima. O banqueiro o repreende dizendo que vai chamar a polícia, mas o rapaz já está longe.
     Alex senta-se em frente a uma loja e começa a cantar.
Ele era um bom brasileiro/
 Não pensava só em dinheiro/
Conhecia o bairro inteiro/
Fazia charme pra usar o isqueiro ♪

     Alex tira o seu boné e o põe no chão. Algumas pessoas têm sua atenção atraída pela música, que por sinal é bem cantada. Os que gostam jogam dinheiro dentro do boné. E é assim, que o nosso Alex, formado em direito e filho de um dos homens mais influentes do país ganha a sua vida.

***


     Fidel saiu para fazer compras a mando de Wagner. Ele está com a mão esquerda cheia de sacolas no lado do sinal.
     ― Ai ai ai, o sinal não fecha hoje?! Santa Amy Winehouse, me ajuda da onde você estiver. — diz ele, apertando o botão do semáforo.
     O sinal não fecha e os carros continuam passando.
     ― Ai que saco! Odeio isso, gente! Quando eu virar madame só vou andar de carro, nem que seja pra ir até o supermercado da esquina. Se eu não me casar com o Dr. Wagner eu me caso com o Robervaldo da minha novela. Falar nisso o capítulo de hoje tá imperdível e... Ui! O sinal fechou e abriu de novo! Que bicha distraída que eu sou!
     Finalmente quando o sinal fecha de novo, Fidel coloca os seus óculos escuros e desfila atravessando a avenida. Ele estende a mão direita na direção dos carros enquanto anda, fazendo o famoso sinal de “pare”.
     Assim que Fidel chega à calçada, um carro passa em cima de uma poça d’água e o molha completamente.
     ― Oh! Eu não estou acreditando! Santa Amy, você me paga!

***
     Calebe espera o amigo Bruno no aeroporto. Bruno desembarca e assim que eles se veem, eles se abraçam.
     ― Que saudade meu amigo!
     ― Digo o mesmo, Calebe. Mas agora eu não saio do Brasil nunca mais.
     Os dois saem do aeroporto e vão até um restaurante.
     ― Que saudade dessa comidinha brasileira! — Bruno saboreia sua feijoada.
     ― Mas Bruno, o que fez você voltar ao Brasil?
     ― Quer mesmo que eu diga? Esse homem aqui. — Bruno abre a mochila e tira de lá uma revista. Ele a folheia e mostra a foto de Wagner há alguns anos atrás. — Esse homem aqui, meu amigo. Ele é uma incógnita humana.
     ― Como assim?
     ― Ele tem três filhos: Alessandra Saboya, a tal estilista, Alex Peregrini e Adriano Peregrini. Os seus três filhos não querem ter um único vínculo com o pai. E por que esse homem que fora tão saudável um dia ficou assim definhando numa cadeira de rodas? Que doença ele tem?
     ― Bruno, eu acho melhor você não se meter com essa gente rica.
     ― Eu sou paparazzo, tenho sede de fofoca.
 
     O cheiro daquela casa abandonada é forte. Já é manhã cedo, e a porta amanheceu aberta. Ingrid e Cida dormem no chão. A primeira acorda sendo sacudida por alguém que chama ao seu nome.
     ― Acorda, moça.
     Ela abre os olhos aos poucos. A imagem da pessoa que a chama está distorcida, mas em pouco tempo fica nítida.
     ― Dona Inês? É a senhora? – Ingrid espanta-se.
     ― Sim, minha filha. Que saudade!
     Ingrid abraça Inês e acaba caindo no choro.


     Inês cuidou de Ingrid desde que a mãe da garota morrera vítima de uma infecção — por ter dado à luz a menina dentro do lixão, talvez. Enfim, Ingrid recebera boa educação, e um lar, mesmo sendo no meio do lixo, ela tinha uma família. Ingrid, por sua vez, agradeceu os cuidados da mãe postiça entrando no caminho da perdição (roubando, cheirando cola) e aos quinze anos de idade fugira do humilde lar que tinha que era a casa de dona Inês.
     Agora, 10 anos depois, Ingrid está frente a frente da mulher que foi a melhor amiga de sua mãe, Yolanda, quando esteve no lixão.
     ― Ingrid, vamos você e sua amiga até lá em casa? Eu ainda moro perto do lixão, mas eu garanto que meu barraco tá mais arrumadinho do que antes.
(A CENA É NARRADA POR INGRID)
Foi bom voltar á casa da minha mãe. Bom, ela não era bem minha mãe, mas ela me criou. Sou muito grata a ela, muito mesmo. A única coisa boa de ter fugido da casa dela foi ter conhecido a Cidinha, que é minha amiga desde os tempos do sinal.
O cheirinho de mingau de milho me fazia relembrar os bons tempos de infância com os meus irmãos adotivos – hoje cada qual com o seu emprego. Pena que eu não tive essa sorte.
     ― O gostinho do mingau da senhora não muda! – elogiei.
     ― Pois é.
Notei que a face de Dona Inês estava mudada. Cidinha olhou pra mim, fazendo aquele sinal de que sabia que ela estava sendo incomodada com a nossa presença. Mas Cidinha estava errada. Inês queria me falar alguma coisa.
     ― A senhora tá com uma cara! – desabafei.
     — É por que eu queria te falar uma coisa. Uma coisa muito importante, do seu passado. Chega de injustiças, Ingrid.
***
     Fidel está se preparando para o show da Jeniffer Lopez com a Ivete Sangalo, que aconteceria na noite daquele sábado. Mas antes ele tinha de pedir permissão ao seu patrão, Wagner, para que ele pudesse ser liberado. Missão impossível, mesmo é falar com Wagner quando Ugo se encontra no caminho.
     Fidel gira a maçaneta da porta do quarto de Wagner. Ugo o interrompe vindo por trás.
     ― Está maluco?
     ― O que é Ugo? Não vou tirar nenhum pedaço do teu bofe magia não!
     ― Mais respeito!
     ― Ah, eu só queria falar com ele. Quero que ele me libere hoje à noite. Quero ir pro show da JLo! Uhu!!! — Fidel começa a cantarolar a música “on the floor” e dançar.
     ― Tenho certeza de que Wagner não permitirá. Teremos uma reunião de negócios hoje à noite.
     ― Sei... Vocês vão é no show da Jeniffer também, tá.
     ― Você perdeu a noção do perigo?
     ― Uguinho, não se faça de santo. Sei que vocês dois queimam...
     Ugo dá um soco em Fidel, que cai no chão como uma pluma.
***
     ― Então, o que a senhora quer falar? Fala logo! — Ingrid está com o coração na mão. Cidinha apenas a observa. Inês olha para Cidinha e depois de volta para Ingrid. — Vem aqui até o meu quarto.
     Cidinha fica curiosa e abandona o mingau. Ela se esconde atrás da porta entreaberta e começa a escutar a conversa.
***
     ― A senhora quer que eu acredite que eu sou filha desse tal de Wagner Peregrini? O ricaço, dono da revista Flash? Aquele que tá nas últimas?
     ― Eu juro, por Deus!
    ― Não acredito. Me perdoe, mas eu não acredito.
     ― Lembra do rosto da sua mãe? Por fotos pelo menos?
     ― Sim, mas...
     Inês tira de dentro do seu guarda roupa uma caixa de sapatos, a qual guarda uma foto amarelada pelo tempo, onde está Yolanda abraçada com Wagner.
     ― Mas são os dois!
     ― Sua mãe foi empregada dele durante um tempo. Ela manteve um caso com esse cara, mas...
     ― Mas?
     ― Ele a ameaçou de morte quando soube que ela estava grávida de você. Daí ela fugiu e veio parar aqui.
     ― Que horror! Esse homem... E ela também! Ele é aquele que tá doente e anda pra cima e pra baixo em cima de uma cadeira de rodas, né?
     ― Sim. Ele é o seu pai. Tudo o que é dele pertence a você.
     Ingrid fica em silêncio e pensa um pouco. Inês questiona:
     ― O que você vai fazer?
     ― Procurá-lo.



COLABORADOR - LUIZ GUSTAVO
DIREÇÃO DE ARTE -  MÁRCIO GABRIEL
ESCRITO POR - MÁRCIO GABRIEL
REALIZAÇÃO - TV VIRTUAL
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