OITAVO CAPÍTULO
As amigas tiram da moradia improvisada tudo
o que podem. Os bombeiros foram acionados, mas estão demorando muito. Quando os
profissionais chegam, já não resta mais nada a fazer a não ser impedir que o
fogo se espalhe para os demais barracos daquela região.
― A gente vai ter que voltar para o lixão.
— diz Ingrid, ainda com os olhos marejados, fixos no fogo que destruiu seu
humilde lar.
― Por isso que dizem que sorte de pobre
dura pouco. Mas nós, somos duas lascadas! Assim, não temos nem um pingo de
sorte. — desabafa Cidinha.
― Mas temos fé. Um dia nós vamos sair
dessa. — Ingrid segura os ombros da amiga. — Pra gente chegar ao topo, temos
que começar de baixo. A gente não pode perder a fé.
Elas
colocam as coisas salvas do incêndio dentro do carrinho de geladeira, antes
usado para catar lixo e andam em direção ao lixão da cidade.
***
― Não acredito que eu voltei pra cá. O
lugar que eu nasci, que eu passei minha infância e a minha adolescência
miserável. Acho que a minha sina, o meu carma é esse lixão. — diz Ingrid,
sentando-se no chão.
― Acho melhor a gente se arrumar por aqui.
― Ahã, eu não quero pedir abrigo pra
ninguém.
― Você não quer procurar a Inês, a tal
mulher que te criou quando sua mãe morreu?
― Melhor não. Fui muito injusta com ela
fugindo de lá e eu tenho medo da reação dela quando me vir.
― Aqui um dia vocês vão se cruzar.
― Que seja. Vou estar preparada.
As duas se arrumaram dentro de uma casa
abandonada. Os ratos e as baratas tomavam de conta daquele local, mas as
mulheres já estavam acostumadas com a imundície.
***
Alex sai cedo do seu flat fedido e
bagunçado com o seu fiel violão. Para em uma banca de jornal, tira alguns
trocados do bolso e compra um cigarro, cujo acende na mesma hora. Em
consequência disso, ele vê uma revista, e que é , por coincidência, a Flash, a
qual seu pai é o dono. A capa da revista chama a atenção: uma “mulher fruta”
com quase tudo de fora.
― “Flash Magazine”... Se eu fosse o Dr.
Wagner teria vergonha! Onde já se viu. Essas mulheres aí que sói fazem rebolar
o rabo não são artistas porcaria nenhuma!
Alex arranca a revista do mostruário e a
joga no chão, pisando em cima. O banqueiro o repreende dizendo que vai chamar a
polícia, mas o rapaz já está longe.
Alex senta-se em frente a uma loja e começa
a cantar.
― Ele era
um bom brasileiro/
Não pensava só em dinheiro/
Conhecia
o bairro inteiro/
Fazia
charme pra usar o isqueiro ♪
Alex
tira o seu boné e o põe no chão. Algumas pessoas têm sua atenção atraída pela
música, que por sinal é bem cantada. Os que gostam jogam dinheiro dentro do
boné. E é assim, que o nosso Alex, formado em direito e filho de um dos homens
mais influentes do país ganha a sua vida.
***
Fidel saiu para fazer compras a mando de
Wagner. Ele está com a mão esquerda cheia de sacolas no lado do sinal.
― Ai ai ai, o sinal não fecha hoje?! Santa
Amy Winehouse, me ajuda da onde você estiver. — diz ele, apertando o botão do
semáforo.
O sinal não fecha e os carros continuam
passando.
― Ai que saco! Odeio isso, gente! Quando eu
virar madame só vou andar de carro, nem que seja pra ir até o supermercado da
esquina. Se eu não me casar com o Dr. Wagner eu me caso com o Robervaldo da
minha novela. Falar nisso o capítulo de hoje tá imperdível e... Ui! O sinal
fechou e abriu de novo! Que bicha distraída que eu sou!
Finalmente quando o sinal fecha de novo,
Fidel coloca os seus óculos escuros e desfila atravessando a avenida. Ele estende
a mão direita na direção dos carros enquanto anda, fazendo o famoso sinal de
“pare”.
Assim que Fidel chega à calçada, um carro
passa em cima de uma poça d’água e o molha completamente.
― Oh! Eu não estou acreditando! Santa Amy,
você me paga!
***
Calebe espera o amigo Bruno no aeroporto. Bruno desembarca e
assim que eles se veem, eles se abraçam.
― Que saudade meu amigo!
― Digo o mesmo, Calebe. Mas agora eu não
saio do Brasil nunca mais.
Os dois saem do aeroporto e vão até um
restaurante.
― Que saudade dessa comidinha brasileira! —
Bruno saboreia sua feijoada.
― Mas Bruno, o que fez você voltar ao
Brasil?
― Quer mesmo que eu diga? Esse homem aqui.
— Bruno abre a mochila e tira de lá uma revista. Ele a folheia e mostra a foto
de Wagner há alguns anos atrás. — Esse homem aqui, meu amigo. Ele é uma
incógnita humana.
― Como assim?
― Ele tem três filhos: Alessandra Saboya, a
tal estilista, Alex Peregrini e Adriano Peregrini. Os seus três filhos não
querem ter um único vínculo com o pai. E por que esse homem que fora tão
saudável um dia ficou assim definhando numa cadeira de rodas? Que doença ele
tem?
― Bruno, eu acho melhor você não se meter
com essa gente rica.
― Eu sou paparazzo, tenho sede de fofoca.
O
cheiro daquela casa abandonada é forte. Já é manhã cedo, e a porta amanheceu
aberta. Ingrid e Cida dormem no chão. A primeira acorda sendo sacudida por
alguém que chama ao seu nome.
―
Acorda, moça.
Ela
abre os olhos aos poucos. A imagem da pessoa que a chama está distorcida, mas
em pouco tempo fica nítida.
―
Dona Inês? É a senhora? – Ingrid espanta-se.
―
Sim, minha filha. Que saudade!
Ingrid
abraça Inês e acaba caindo no choro.
Inês
cuidou de Ingrid desde que a mãe da garota morrera vítima de uma infecção — por
ter dado à luz a menina dentro do lixão, talvez. Enfim, Ingrid recebera boa
educação, e um lar, mesmo sendo no meio do lixo, ela tinha uma família. Ingrid,
por sua vez, agradeceu os cuidados da mãe postiça entrando no caminho da
perdição (roubando, cheirando cola) e aos quinze anos de idade fugira do
humilde lar que tinha que era a casa de dona Inês.
Agora,
10 anos depois, Ingrid está frente a frente da mulher que foi a melhor amiga de
sua mãe, Yolanda, quando esteve no lixão.
―
Ingrid, vamos você e sua amiga até lá em casa? Eu ainda moro perto do lixão,
mas eu garanto que meu barraco tá mais arrumadinho do que antes.
(A
CENA É NARRADA POR INGRID)
Foi
bom voltar á casa da minha mãe. Bom, ela não era bem minha mãe, mas ela me
criou. Sou muito grata a ela, muito mesmo. A única coisa boa de ter fugido da
casa dela foi ter conhecido a Cidinha, que é minha amiga desde os tempos do
sinal.
O
cheirinho de mingau de milho me fazia relembrar os bons tempos de infância com
os meus irmãos adotivos – hoje cada qual com o seu emprego. Pena que eu não
tive essa sorte.
― O gostinho do mingau da senhora não muda!
– elogiei.
― Pois é.
Notei
que a face de Dona Inês estava mudada. Cidinha olhou pra mim, fazendo aquele
sinal de que sabia que ela estava sendo incomodada com a nossa presença. Mas
Cidinha estava errada. Inês queria me falar alguma coisa.
― A senhora tá com uma cara! – desabafei.
— É por que eu queria te falar uma coisa.
Uma coisa muito importante, do seu passado. Chega de injustiças, Ingrid.
***
Fidel
está se preparando para o show da Jeniffer Lopez com a Ivete Sangalo, que
aconteceria na noite daquele sábado. Mas antes ele tinha de pedir permissão ao
seu patrão, Wagner, para que ele pudesse ser liberado. Missão impossível, mesmo
é falar com Wagner quando Ugo se encontra no caminho.
Fidel
gira a maçaneta da porta do quarto de Wagner. Ugo o interrompe vindo por trás.
―
Está maluco?
―
O que é Ugo? Não vou tirar nenhum pedaço do teu bofe magia não!
―
Mais respeito!
―
Ah, eu só queria falar com ele. Quero que ele me libere hoje à noite. Quero ir
pro show da JLo! Uhu!!! — Fidel começa a cantarolar a música “on the floor” e
dançar.
―
Tenho certeza de que Wagner não permitirá. Teremos uma reunião de negócios hoje
à noite.
―
Sei... Vocês vão é no show da Jeniffer também, tá.
―
Você perdeu a noção do perigo?
―
Uguinho, não se faça de santo. Sei que vocês dois queimam...
Ugo
dá um soco em Fidel, que cai no chão como uma pluma.
***
―
Então, o que a senhora quer falar? Fala logo! — Ingrid está com o coração na
mão. Cidinha apenas a observa. Inês olha para Cidinha e depois de volta para
Ingrid. — Vem aqui até o meu quarto.
Cidinha
fica curiosa e abandona o mingau. Ela se esconde atrás da porta entreaberta e
começa a escutar a conversa.
***
―
A senhora quer que eu acredite que eu sou filha desse tal de Wagner Peregrini?
O ricaço, dono da revista Flash? Aquele que tá nas últimas?
―
Eu juro, por Deus!
―
Não acredito. Me perdoe, mas eu não acredito.
―
Lembra do rosto da sua mãe? Por fotos pelo menos?
―
Sim, mas...
Inês
tira de dentro do seu guarda roupa uma caixa de sapatos, a qual guarda uma foto
amarelada pelo tempo, onde está Yolanda abraçada com Wagner.
―
Mas são os dois!
―
Sua mãe foi empregada dele durante um tempo. Ela manteve um caso com esse cara,
mas...
―
Mas?
―
Ele a ameaçou de morte quando soube que ela estava grávida de você. Daí ela
fugiu e veio parar aqui.
―
Que horror! Esse homem... E ela também! Ele é aquele que tá doente e anda pra
cima e pra baixo em cima de uma cadeira de rodas, né?
―
Sim. Ele é o seu pai. Tudo o que é dele pertence a você.
Ingrid
fica em silêncio e pensa um pouco. Inês questiona:
―
O que você vai fazer?